O Uber jogou a tolha e anunciou o fim da Uber Eats, sua operação de delivery de comida de restaurantes que deixará de fazer entregas em março deste ano no Brasil.

Ao mesmo tempo em que desistiu de um negócio que não estava conseguindo ganhar tração e tinha forte competição do iFood, a companhia que ficou famosa por conta de seu aplicativo de transporte escolheu outra arena para disputar um lugar ao sol no segmento de delivery: a do varejo.

A escolhida para essa nova batalha é a Cornershop, empresa na qual a Uber assumiu o controle da operação em julho de 2021, avaliando a companhia de origem chilena em US$ 1,4 bilhão. O rival? O mesmo iFood, que não conseguiu vencer em restaurantes.

Forte na área de delivery de supermercado – e com acordos com as principais redes nacionais, como Pão de Açúcar, Carrefour e Big, além de diversas operações de atacarejo, como Atacadão e Assaí –, a Cornershop está ganhando musculatura para além das prateleiras desses varejistas.

No ano passado, a Cornershop avançou em diversas verticais. Em farmácias, trouxe a Raia Drogasil, Panvel e Pague Menos para o aplicativo. Em construção e decoração, atraiu TelhaNorte, C&C, Zelo e Multicoisas. Em pet shop, conta com a Cobasi.

No total, são mais de 600 parceiros, que inclui empresas da área de livros, papelaria e escritório, além de beleza e cuidados pessoais. “Queremos expandir ainda mais as parcerias e trabalhar mais o engajamento dos usuários”, diz Cristina Alvarenga, head da Cornershop no Brasil, ao NeoFeed.

Além de atrair mais parceiros para as verticais que estão em operação, a Cornershop mira também outras categorias. Duas delas, que estão em sendo testadas em outros países em que a Uber atua, podem ser também incluídas no aplicativo: moda e artigos esportivos. “São categorias que pretendemos explorar com parceiros relevantes”, diz Cristina, sem revelar detalhes.

O foco em ampliar os parceiros em seu aplicativo de delivery acontece depois de a Cornershop crescer o número de cidades em que atua. A startup chegou ao Brasil, em janeiro de 2020, antes da pandemia. No ano passado, já estava em 100 cidades de todas as regiões do Brasil, incluindo as principais capitas brasileiras.

O avanço em novas verticais se torna importante para que a Cornershop aumente o engajamento de seus consumidores no aplicativo para além das compras de supermercado, a mais relevante da companhia.

Esse tipo de compra tem um tíquete médio alto, mas a recorrência é, em geral, a cada duas semanas. O alvo, com novas categorias, é aumentar a frequência dos usuários, cujo número não é revelado, ao aplicativo.

Isso é importante porque a Cornershop ganha uma comissão do varejista a cada venda, no modelo tradicional de um marketplace. O consumidor também paga uma taxa de serviço que varia de 3% a 10%, dependendo de onde for feita a compra. Outra fonte de receita é uma assinatura que garante entregas gratuitas a partir de um determinado valor.

Cristina Alvarenga, head da Cornershop no Brasil

Para conquistar mais consumidores, a Uber está usando a força do aplicativo de transporte. Quem acessa o app encontra um botão que leva para a área de supermercados. O Uber Eats, que vai fechar as “portas” em março, também vai ajudar a captar mais clientes. “Temos uma base de clientes que pode aumentar muito a um custo de aquisição muito baixo”, afirma Cristina.

A estratégia para atrair novos consumidores envolve desde entregas gratuitas nas primeiras compras, promoções para que os consumidores façam assinatura do aplicativo e ações promocionais com parceiros do aplicativo, com itens em descontos.

“A Uber está tirando o pé de uma vertical dominada pelo iFood e na qual estava sagrando”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC). “E está apostando suas fichas na vertical de varejo, que é um jogo ainda aberto e não está perdido.”

De acordo com Terra, “tudo o que o iFood construiu na área de restaurante, não é válido para retail”. Ele cita os contratos de exclusividade que a empresa controlada pelo Movile tem com alguns parceiros, que são alvo de contestação no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Estima-se ainda que o iFood detenha uma fatia de 80% do mercado de delivery de restaurantes no Brasil, uma posição quase monopolista, o que torna difícil para qualquer empresa que queira atuar na área de delivery de comida ganhar tração e relevância.

Por outro lado, o mercado de entregas para o varejo ainda não tem um vencedor claro. E é um terreno aberto para a disputa. Os competidores incluem também o iFood e o Rappi, mas também gigantes do setor da internet, como o Mercado Livre e Shopper, e do varejo, a exemplo de Magazine Luiza, Americanas e Pão de Açúcar.

O iFood, por exemplo, já conta com as categorias mercado, bebidas, farmácias e pets. O Rappi mantém as mesmas categorias, mas parece que está mais preocupado em atuar como um varejista, apostando na disseminação de “dark stores”, minicentros de distribuição para atender aos pedidos dos consumidores.

Em março do ano passado, o Rappi, avaliado em US$ 5,25 bilhões, tinha 10 lojas. No fim de janeiro, 128. A meta era atingir 300 lojas num curto período de tempo para fazer entregas com a promessa do pedido chegar em até 10 minutos.

O Magazine Luiza, por sua vez, está construindo um ecossistema de entregas para competir com Uber, iFood e Rappi. Foram quatro aquisições nessa área. A primeira delas foi a do aplicativo AiQFome. Depois comprou o app ToNoLucro e a plataforma GrandChef (gestão de restaurantes). E, por fim, foi a vez da Plus Delivery, baseada no Espírito Santo.

Apesar de não haver um líder absoluto, como na área de restaurante, a Cornershop tem de enfrentar um concorrente a cada esquina. Se não entregar resultado rápido, o risco é ter de sair de fininho da briga, como a Uber Eats.