A Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) foi arrematada em leilão realizado na B3, a bolsa de valores de São Paulo, na manhã desta terça-feira, 20 de dezembro, por R$ 4,151 bilhões.

A Aegea, o maior grupo privado do setor de saneamento do País e o único a apresentar proposta no leilão, pagou ágio de 1,15% sobre o preço mínimo estabelecido pelo edital, de R$ 4,1 bilhões.

Com o leilão, a Corsan tornou-se a primeira empresa estatal inteiramente privatizada desde a aprovação do Marco Legal de Saneamento (Lei nº 14.026/2020), que entrou em vigor em julho de 2020. Até agora, concessões e parcerias público-privadas (PPPs) eram os modelos adotados.

Pelo marco legal, as empresas de saneamento do país, públicas e privadas, precisam garantir o atendimento de água potável a 99% da população e o de coleta e tratamento de esgoto a 90% até 2033.

De acordo com levantamento do Instituto Trata Brasil, organização social que atua no setor, aproximadamente 35 milhões de brasileiros não contam com água potável em suas residências e 104 milhões, quase metade da população do país, não possuem serviço de coleta de esgotos.

O leilão ocorreu num momento de incerteza, depois que a equipe de transição do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu tirar da Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) a edição de normas para regulação do saneamento, o que é visto pelo setor como uma ameaça aos investimentos privados.

Favorita para arrematar a Corsan, a Aegea já opera uma parceria público-privada (PPP) com nove municípios da região metropolitana de Porto Alegre. O grupo está presente em 154 municípios, de norte a sul do Brasil, atendendo mais de 21 milhões de pessoas.

“A companhia sabe a importância da Corsan para o povo do Rio Grande do Sul, reconhece o trabalho que vem sendo feito e está empenhada na continuidade e melhoria contínua dos serviços, trazendo seu modelo operacional pautado em performance, eficiência e inovação à serviço da população", disse ao NeoFeed o CEO da Aegea, Radamés Casseb.

O edital prevê que a Aegea deverá executar investimentos de R$ 12 bilhões para a universalização do saneamento nos 307 municípios atendidos pela cobertura da Corsan até 2033, prazo estabelecido no marco regulatório do setor.

Outras concorrentes do setor - Iguá, Águas do Brasil e Equatorial - chegaram a fazer visitas técnicas às instalações da empresa, mas não apresentaram proposta formal.

De acordo com o jornal O Globo, duas empresas estrangeiras desistiram de participar do leilão da Corsan depois que o presidente eleito Lula anunciou o economista Aloízio Mercadante na presidência do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o principal banco de fomento que oferece modelos de financiamento para o setor de saneamento.

Cobertura da Corsan

A Corsan é uma sociedade de economia mista de capital aberto, sediada em Porto Alegre. A estatal atende 307 municípios e 6 milhões de pessoas, cerca de dois terços da população do estado. Atualmente, oferece cobertura de 96,9% de acesso à água e de apenas 19,3% de tratamento de esgoto.

A empresa gaúcha conta com 5.995 funcionários e teve lucro líquido de R$ 350,4 milhões em 2021. Um ano antes, o lucro da Corsan foi de R$ 1,8 bilhão. Apesar dos bons números, especialistas do setor de saneamento apontaram alguns riscos envolvendo a empresa, o que explica a baixa procura no leilão.

O primeiro deles é o risco de judicialização de 198 dos 317 municípios atendidos pela Corsan, que não assinaram os termos de regularização de seus contratos com a empresa gaúcha, conforme exigência do marco legal de 2020.

Com isso, esses municípios – que somam 38% da receita da Corsan --podem abrir mão do contrato com a nova empresa, o que obrigaria a Aegea a ter de buscar outros municípios para atender a proposta oferecida em leilão.

Outra fonte de preocupação é o passivo previdenciário da Corsan, de R$ 943 milhões, que inclui prejuízos do plano de pensão e obrigações assumidas com o plano de saúde dos empregados.

A indefinição de como esse passivo será solucionado causou um pedido de adiamento na Justiça cinco dias antes do leilão, feito pelo Sindiágua, sindicato que representa os trabalhadores da empresa, derrubado na véspera do leilão pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Investimentos

No ano passado, segundo a Abcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto), os investimentos em saneamento alcançaram R$ 46 bilhões – em linha com a média entre R$ 40 e R$ 50 bilhões anuais necessários nos próximos dez anos para chegar à universalização.

A aprovação do marco legal facilitou os investimentos no setor. Segundo a Abcon, o serviço de saneamento oferecido por empresas privadas já atinge 32 milhões de pessoas em 304 municípios.

De acordo com Jerson Kelman, ex-presidente da Sabesp e um dos maiores especialistas do setor, é Ilusória a ideia de que o lucro pela prestação de serviço público na área de saneamento é objetivo apenas das empresas privadas.

“Não interessa se a empresa de saneamento é publica ou privada, ela precisa dar lucro, pois o lucro de um ano obtido com os consumidores que já têm acesso ao serviço vai bancar o investimento do ano seguinte para aqueles quem ainda não o têm”, diz Kelman.

Para Luana Pretto, CEO da Trata Brasil, uma das inovações do marco legal foi aprovar a formação de blocos regionais de prestação dos serviços de água e esgotamento sanitário, o que estimula investimentos privados.

“O BNDES tem várias estruturações, cada região tem solução diferente, uma para financiar serviço de esgoto outra com aporte do governo estadual”, diz Pretto.

O mito de que as empresas privadas não se interessam por locais com baixa cobertura, como no Norte e Nordeste, segundo ela não se sustenta. “O Amapá é um exemplo de sucesso: apenas 33% da população tem acesso a água e 7% de tratamento de esgoto, mas conseguiu empresas interessadas em investir”, acrescenta.

A expectativa do setor é que, apesar da insegurança jurídica acenada pelo novo governo federal, as privatizações de empresas estatais de saneamento ganhem força. Cagepa (Paraíba), Deso (Sergipe) e Caerd (Rondônia) estudam aderir ao modelo.