No mercado há nove anos, a Tembici, startup de serviços de bicicletas compartilhadas, percorreu boa parte dessa trilha com suas próprias pernas. Os primeiros recursos externos vieram apenas a partir de 2019, com dois aportes desde então, que totalizaram US$ 62 milhões.

Agora, a empresa está cumprindo uma nova etapa dessa trilha, ao anunciar um aporte série C de US$ 80 milhões (R$ 420 milhões), liderado pela gestora brasileira de venture capital e de private equity Crescera Capital.

Boa parte desse montante envolve um investimento em equity. Uma parcela menor é composta por dívidas emitidas por Itaú e Santander, que incluem financiamentos verdes, ou seja, a empresa terá direito a taxas menores atreladas ao alcance de algumas métricas de impacto e sustentabilidade.

A rodada também marca a entrada de outros dois fundos, o americano Endeavor Catalyst e o brasileiro Pipo. Eles se juntam ao grupo formado por IFC, Valor Capital, Redpoint eventures e Igah Ventures, que já investia na operação.

“Durante a pandemia, crescemos algumas operações, mas não ainda na escala que nós queríamos”, diz Mauricio Villar, cofundador e COO da Tembici, ao NeoFeed. “Agora, essa rodada vai permitir impulsionar, de fato, os nossos projetos.”

Uma primeira via será a entrada em novas cidades. Hoje, a Tembici opera serviços de bikes compartilhadas em dez municípios, entre eles São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador.

A próxima cidade a entrar no mapa da startup será Brasília, em 13 de outubro. Na capital federal, serão 500 bicicletas e 70 estações, ou docking stations, como são chamados os pontos para pegar e devolver as bicicletas.

Villar diz que a chegada em outros países da América Latina será um dos nortes, embora não revele os possíveis destino. Hoje, a empresa opera serviços em Buenos Aires, na Argentina, e em Santiago, no Chile, onde desembarcou em 2016, com a compra da Bike Santiago.

Com a expansão, a Tembici projeta adicionar mais 10 mil bikes à sua frota nos próximos 12 meses, sendo metade delas elétricas. Atualmente, a startup tem 16 mil bicicletas, das quais, mil são elétricas, distribuídas em São Paulo e no Rio de Janeiro.

Os recursos da rodada também serão aplicados na ampliação das equipes de tecnologia, produto e dados, que hoje reúnem aproximadamente 100 funcionários. A estimativa é aumentar esse quadro em pelo menos 50% no curto prazo.

Recentemente, esse time desenvolveu um dispositivo que permite controlar não apenas a localização das bikes elétricas, mas também bloquear o sistema dessas bicicletas a distância no caso delas serem roubadas.

“Hoje, perdemos menos de 0,15% da nossa frota por mês”, diz Villar. “Esse projeto foi fundamental para provar que a bike elétrica parava de pé, do ponto de vista econômico, e para que pudéssemos agora escalar esse modelo.”

Dura na queda

O novo aporte encontra a Tembici em um momento bem mais favorável do que os primeiros meses da pandemia, quando o número de viagens da empresa caiu mais de 70% em diversas cidades.

Agora, a startup diz já estar com um crescimento na receita de usuários 50% acima do período pré-Covid-19. "Com a pandemia, muitos usuários estão testando o serviço no fim de semana ou nas horas de lazer e migrando para os planos de maior duração", diz Villar.

Nesse contexto, a empresa espera fechar o ano com R$ 180 milhões de receita, contra os R$ 100 milhões de 2020. Já em número de viagens, a estimativa é sair do volume de 15 milhões registrado no ano passado para 20 milhões.

Atualmente, 300 mil pessoas usam pelo menos uma vez por mês o serviço da startup, que oferece planos de assinatura anuais e mensais. Esses últimos, em São Paulo e no Rio de Janeiro, por exemplo, têm preço de R$ 29,90. Há opções ainda de planos por viagem ou por fim de semana.

De olho em suas projeções, a Tembici planeja dar mais tração a uma frente que ajudou a empresa a atravessar o período mais crítico da pandemia: as parcerias B2B, que, entre outros benefícios, reduzem o custo de aquisição de clientes.

Um dos exemplos envolveu o iFood, em outubro de 2020. Batizado de iFood Pedal, o projeto oferece 500 bikes elétricas exclusivamente aos entregadores do aplicativo, por um preço semanal de R$ 9,90. No momento, as duas empresas discutem a expansão da iniciativa, hoje disponível em São Paulo.

A empresa também fechou uma parceria com a Eletromidia, empresa de mídia out of home (OOH), para a exploração de painéis de mídia em suas operações. E tem ainda uma terceira fonte de receitas, os projetos patrocinados, como no caso das bicicletas laranjas do Itaú, pelas quais ficou mais conhecida.

Esses e outros pontos do seu modelo de negócios ajudam a explicar o fato de a empresa ter superado não apenas as dificuldades geradas pela pandemia. Mas também, por não terem desacelerado ou ficado pelo caminho, mesmo antes da Covid-19, como aconteceu com outras startups de mobilidade urbana.

Encaixam-se nesse contexto nomes como a americana Lime, de patinetes elétricos, que deixou o Brasil no início de 2020, seis meses depois de chegar ao País. E também a Grow, de bicicletas compartilhadas, fruto da fusão da brasileira Yellow com a mexicana Grin, cujo projeto entrou em parafuso em meio ao fracasso da tentativa de obter um novo aporte e ao desentendimento entre os sócios.

“A Tembici fez uma leitura mais acertada que os demais”, diz Vladimir Fernandes Maciel, especialista em mobilidade urbana e coordenador do Centro de Liberdade Econômica do Mackenzie. “Eles têm um modelo mais flexível para buscar fontes de receita, que não é restrito ao uso da bicicleta.”

Ele também destaca o fato de startup investir em estações fixas, o que traz mais segurança e reduz custos de manutenção e reposição das bicicletas. E ressalta que, hoje, a companhia não tem concorrentes que se aproximem de suas escalas e volumes no País.

Maciel acrescenta que o efeito pandemia, que está impulsionando a busca por modais individuais de transporte só favorece o cenário favorável para a startup. Mas faz uma ressalva.

“O maior desafio é expandir esse modelo integrado a outros modais e chegar com suas estações nos bairros mais afastados, nos quais a infraestrutura de ciclovias é mais complicada”, diz Maciel. “Se não souber lidar com essa questão, a Tembici vai bater no teto e encontrar um limite para o seu crescimento.”