Depois de bater cabeça no planejamento da imunização contra a Covid-19 e de adotar, na prática, um discurso de negação das vacinas disponíveis, o governo federal parece, enfim, escolher outro tom na estratégia de combate à pandemia.

A mudança na abordagem foi ressaltada pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo ministro da Economia Paulo Guedes nesta terça-feira, durante a Latin America Investment Conference, evento promovido pelo Credit Suisse.

No painel de abertura da conferência, a dupla ressaltou o apoio à compra de 33 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 por empresas do setor privado. No início do mês, o governo havia proibido qualquer iniciativa do tipo.

Segundo Bolsonaro, o governo foi procurado por um grupo de companhias interessadas em buscar opções além daquelas já previstas no plano nacional de imunização. “Com 33 milhões de doses de graça no Brasil para nós, ajudaria e muito a economia e para aqueles que também queiram porventura se vacinar o façam, para ficar livre do vírus”, afirmou o presidente.

Para permitir a compra, metade das vacinas, 16,5 milhões de doses, seria doada para o Sistema Único de Saúde (SUS) e destinada aos grupos prioritários. O volume restante seria aplicado entre os funcionários das empresas. Nenhuma dose poderia ser vendida fora desse acordo.

De acordo com reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, a lista de empresas interessadas inclui Vale, Gerdau, JBS, Oi, Vivo, Ambev, Petrobras, Santander, Itaú Unibanco, Claro, Whirlpool e ADN Liga.

O aval do governo brasileiro não significa, porém, que a compra das vacinas pelas empresas tem um caminho fácil para ser concretizada. Farmacêutica responsável pela produção do imunizante em parceria com a Universidade de Oxford, a AstraZeneca, por exemplo, divulgou uma nota nesta terça-feira afirmando que não tem condições de vender doses para o setor privado no momento.

“No momento, todas as doses da vacina estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo, não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado”, afirmou a companhia, na nota.

Referindo-se especificamente ao Brasil, a AstraZeneca ressaltou o acordo de transferência de tecnologia fechado com a Fundação Oswaldo Cruz, que prevê a disponibilidade de mais de 100 milhões de doses da vacina, em parceria com o governo federal.

Além da barreira da falta de opções adicionais, no caso da AstraZeneca, há uma divergência entre as empresas sobre a maneira como essa vacinação seria feita. Algumas companhias querem doar todas as doses para o SUS, enquanto outras preferem manter uma parcela para seus próprios funcionários.

Ao mesmo tempo, a notícia não foi bem recebida por uma parcela da população, que afirma que essas empresas estariam furando a fila do plano de imunização.

No evento do Credit Suisse, Guedes defendeu a compra das doses pelas empresas como uma forma de atacar duas frentes simultâneas do problema, já que as doações seriam destinadas aos grupos prioritários, enquanto as vacinas reservadas aos funcionários ajudariam na retomada da economia.

O ministro fez, no entanto, uma ressalva. “O setor privado traz uma capacidade de negociação. Mas não pode ser o rico tomando vacina e azar do povo, não é assim. Entrega uma vacina para o SUS e deixamos você vacinar um funcionário seu”, afirmou.

Essa não é a primeira iniciativa do setor privado em tentar trazer ao Brasil outras vacinas contra a Covid-19. No início de janeiro, a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC) anunciou que negociava a compra de cinco milhões de doses da Covaxin, desenvolvida pelo laboratório indiano Bharat Biotech. Dias depois, o governo afirmou que não permitiria a compra de vacinas por empresas privadas.

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