Em novembro de 2019, Jean Jereissati Neto falou pela primeira vez em público após ser nomeado CEO da Ambev, cargo que assumiria dois meses depois. Ele destacou a postura mantida pela companhia até então, de olhar “muito para o seu umbigo”, em detrimento de enxergar além dos seus próprios muros.

“Faz parte a gente fazer esse mea culpa, esse reconhecimento. Isso ajuda a gente a andar para frente”, afirmou o executivo, ressaltando que aquele modelo havia gerado bons frutos, mas que já não era suficiente para enfrentar o crescimento de concorrentes como a Heineken e outros desafios em seu caminho.

Perto de completar seu primeiro ano no comando da Ambev, muitos desses obstáculos permanecem na trilha de Jereissati Neto e da empresa. Mas já há sinais de que há uma grande transformação em curso na operação. É o que mostra um relatório do Itaú BBA, intitulado “A Revolução Silenciosa da Ambev”.

Em 24 páginas, os analistas André Hachem, Gustavo Troyano, Renan Moura e Leonardo Marcondes partem de tendências e perspectivas do mercado para mergulhar nas estratégias e na mudança de cultura que a Ambev vem implementando para se adaptar às novas dinâmicas do setor.

Um dos pontos é a renovação do portfólio, diante de um contexto marcado por fatores como a redução do consumo de álcool entre as novas gerações; a mudança, entre aqueles que consomem álcool, para outras categorias além da cerveja; e, dentro da própria categoria, a busca por produtos premium.

Nessa esfera, os analistas destacam que a Ambev ampliou significativamente o lançamento de produtos, tanto em cervejas, como em outras categorias. São os casos de novidades anunciadas nesse intervalo, como a cerveja Beck’s, as bebidas com gin tônica da marca Beats, os sucos da marca Do Bem e as bebidas funcionais da linha saudável For Me.

O relatório ressalta pontos positivos mesmo na estratégia para estender o ciclo de vida das três principais marcas do grupo, Skol, Brahma e Antarctica, que vêm perdendo força entre os consumidores. Entre essas ações figuram lançamentos como a Skol Puro Malte e a Brahma Duplo Malte.

“Os lançamentos frequentes e em pequena escala são importantes para criar uma cultura mais ágil, no que diz respeito a levar os produtos da prancheta até os consumidores”, escrevem os analistas do Itaú BBA.

O caminho até esses clientes passa por outra iniciativa destacada no relatório: o Zé Delivery, plataforma que entrega cerveja gelada a preço de supermercado em até 60 minutos na casa do consumidor. O aplicativo fechou 2019 com 2 milhões de pedidos e hoje está disponível nos 27 estados do País.

Nesse roteiro, os analistas apontam alguns benefícios. O primeiro é o fato de a plataforma se alinhar com a tendência do consumo em casa, reforçada ainda mais pela pandemia. Outra questão é a possibilidade de a Ambev conhecer com maior profundidade esse consumidor.

“Por meio de registros de clientes no aplicativo e dos seus hábitos de compra, a Ambev ganha uma visão em tempo real e em primeira mão de como as preferências desse consumidor estão evoluindo em diferentes locais e faixas etárias, entre outras variáveis”, observam os analistas.

O alcance da plataforma é realçado com as entregas do app em São Paulo, que envolvem, inclusive, produtos de rivais, como a Heineken. Dessa maneira, a Ambev tem em mãos uma ferramenta poderosa para entender a relação dos consumidores com a concorrência. Toda essa base de dados abre um potencial para que o grupo aprimore seus lançamentos e suas ações de marketing.

A área de marketing e de relacionamento com consumidores também tem mudanças, especialmente com o ganho de relevância da Draft Line, agência in house da Ambev. A partir desse time, o grupo tem investido em uma comunicação direta e na maior interação com seu público.

Essa abordagem é ilustrada, por exemplo, com o encerramento, em novembro, do patrocínio de décadas das transmissões de futebol na Globo. E com o reforço de ações como as lives promovidas pelas marcas da empresa que.

Em 2020, a Ambev realizou 350 eventos desse porte, que atraíram 678 milhões de visualizações e 2,2 milhões de menções espontâneas das marcas nas redes sociais. Segundo a empresa, a audiência das lives foi 57% superior à transmissão da final da Copa do Mundo de 2018.

O componente do alcance também está relacionado a outro ponto forte da Ambev, na visão do Itaú BBA: a distribuição, especialmente quando se compara à infraestrutura de rivais como a Heineken, que passará por uma migração de sua malha logística para a rede da Kirin, nos próximos anos.

Além dos desafios para a conclusão desse processo, os analistas ressaltam que o sistema da concorrente tem uma cobertura menor do que o da Ambev, que possui mais de 120 centros de distribuição, contra 29 da concorrente.

A partir de algoritmos de geolocalização e do cruzamento de uma série de dados envolvendo 1,1 milhão de estabelecimentos no País, o relatório indica que a Ambev pode chegar a uma média de mais de 652 mil estabelecimentos, enquanto a Kirin alcança 350 mil.

Ao mesmo tempo, levando-se em conta um raio de distância de 30 quilômetros dos estabelecimentos, a Ambev consegue atender esses clientes, em média, a partir de três centros de distribuição. O índice da Kirin, por sua vez, é de um CD.

O relatório aponta ainda uma mudança de postura da Ambev, antes mais conhecida por impor suas condições a clientes como bares e restaurantes. Um dos exemplos da nova abordagem é a BEES, plataforma B2B que traz recursos como a possibilidade de fazer pedidos sem intermediários, entregas 24x7 e um programa de fidelidade em que esses parceiros podem ganhar pontos e trocar por produtos.

A partir dessa análise detalhada, os analistas do Itaú BBA estabelecem a classificação de outperform para a ação da Ambev, com um valor justo no ano de R$ 18. O papel encerrou o pregão desta sexta-feira cotado a R$ 15,50, com baixa de 1,21%.

No ano, a ação da empresa, avaliada em R$ 244 bilhões, acumula uma queda de 19,1%. Tomando-se como base, porém, a maior baixa do ano, em 16 de março, o papel registrou, desde então, alta superior a 40%.

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