Ao longo de sua trajetória profissional, a advogada Fabiana Fagundes já esteve envolvida em diversos M&As e grandes transações. Principalmente, na época em que era sócia da BMA Advogados, um dos principais escritórios de advocacia do País.

Pouco a pouco, foi se envolvendo com transações em tecnologia e ajudou a criar o contrato social da Endeavor, organização sem fins lucrativos de apoio ao empreendedorismo, da qual é mentora até hoje.

Mas, em 2020, ela se viu em uma situação inédita. Em uma concorrência para montar o fundo de corporate venture capital (CVC) da Raia Drogasil, recebeu uma proposta inusitada. A ideia é que ela trabalhasse em conjunto com Rodrigo Menezes, do escritório Menezes & Derraik.

No começo, ela hesitou. Mas topou e o trabalho flui tão bem que Menezes a convidou para ser sócia. Surgiu então a FM/Derraik, um dos principais escritórios de advocacia quando o assunto é venture capital, CVC e M&As de startups.

“Com a pandemia, o venture capital fez um shift completo de relevância. Durante 2020, aquilo ganhou uma grande relevância”, afirma Fagundes, em entrevista ao Café com Investidor, programa do NeoFeed. “Eu já vinha fazendo os exits. E, em determinado momento, aquilo começou a ganhar mais do meu tempo.”

Desde então, além de assessorar os principais fundos de venture capital do mercado brasileiro, a FM/Derraik também ajudou a estruturar diversos fundos de corporate ventre capital, como o Vivo Ventures.

A lista de fundos de empresas para as quais já atuou é extensa e inclui também a Vox Capital, que administra fundos para o Hospital Einstein e Banco do Brasil, Kortex Ventures (do Fleury, Sabin e Bradesco) e Z-Tech (da Ambev), entre outros.

O escritório também esteve envolvido em diversas transações de M&A, sendo a mais marcante a venda da RD Station para a Totvs, um negócio de R$ 1,8 bilhão, a maior transação de SaaS do Brasil.

Nesta entrevista, em que você pode ler um trecho abaixo (ou assistir ao vídeo completo no fim do texto), Fagundes fala dos erros e acertos que as empresas realizam quando pensam em investir em startups e comenta sobre M&As, dizendo que 2023 deve ser intenso em fusões e aquisições.

"Quando a economia vai muito bem, os múltiplos sobem. Então, é bom fazer um exit em um momento bom”, afirma Fagundes. “Quando o momento da economia é mais desafiador, é também um bom momento. As startups e as corporações que estão com caixa podem fazer suas compras.”

Confira alguns dos principais trechos.

O corporate venture capital está crescendo no Brasil. Mas as empresas estão fazendo do jeito certo?
Tem muitas empresas se estruturando da maneira certa. A grande questão do CVC é que quando a atividade começou foi como se fosse um jeito disfarçado de fazer M&A. E esse é o mindset errado. Hoje, o ecossistema brasileiro está começando a entender a diferença.

Qual é a diferença?
Tem uma fábula do sapo e do escorpião. A floresta está pegando fogo e os dois têm de passar para o outro lado do rio para se salvarem. O sapo está pronto para atravessar e o escorpião fala: “Sapo, me dá uma carona?” O sapo responde: “No meio do caminho você vai me dar uma ferroada.” “Eu seria muito burro se fizesse isso”, diz o escorpião. O sapo concorda e começa a fazer a travessia com o escorpião, que não aguenta e dá uma ferroada no sapo. Paralisado, ele pergunta por que o escorpião fez isso.

E por que o escorpião deu uma ferroada no sapo?
O escorpião não aguentou, porque é a essência dele. A grande armadilha suicida do escorpião, que são as empresas, é querer ficar com as startups. Não é isso que é a boa prática do CVC. A boa prática é fazer um investimento win-win e acompanhar a jornada da startup, porque há horizontes de crescimento e inovação. Você está se preparando para o futuro. Não é o seu business e não é o seu core de hoje. Os investimentos de CVC são em horizontes mais distantes de inovação para preparar para o futuro e não para o seu core. Com isso, você não espanta os empreendedores que querem se engajar com as corporações.

E os empreendedores hoje querem se engajar com as empresas?
Hoje, isso é importante. (Ao engajar com empresas, os empreendedores) têm acesso a canal, a senioridade de time, a dados, a pesquisa e desenvolvimento. As startups teriam de pagar muito dinheiro (por isso). E hoje, com juro a 14%, você pode se plugar em uma corporação e ter acesso a tudo isso a um custo zero. Montar uma máquina de vendas é muito mais complicado do que se plugar a uma corporação, que já tem seus canais de distribuição.

Confundir CVC com M&A parece um dos principais erros. Mas o que mais você recomenda na hora de as empresas colocarem no ar o seu fundo?
O primeiro trabalho é o de catequização. O top level (board e C-level), no fim de semana, conversa com amigos e ouve que as corporações estão fazendo investimentos em startups. Eles voltam na segunda-feira e falam: “Nós também temos de ter nosso braço de inovação e de investimentos em startups”. Mas ele não sabe o porquê e como fazer. Ou dá para o cara de M&A ou para o CFO. E fazer um fundo de CVC é praticamente um gesto altruísta para aquela companhia. É do interesse da companhia, mas (o ganho) não é no horizonte de três meses ou seis meses. E ele (o CEO) quer “quick wins”, porque com quem conversa no fim de semana conta histórias de sucesso.

"A grande questão do CVC é que quando a atividade começou foi como se fosse um jeito disfarçado de fazer M&A"

Mas CVC ou mesmo venture capital não dá retorno rápido, certo?
Eu vi uma pesquisa superbacana, apresentada pela Gabriela Toribio, da Vivo Ventures e da Wayra, que divide os CVCs em três estágios de maturidade: em até três anos, de três anos a seis anos e acima de sete anos. O resultado de CVCs maduros é para mais de quatro anos. Só de sete anos em diante você começa a ver o retorno. O investimento que uma empresa está fazendo é estratégico. Não é para ganhar dinheiro no curto prazo. Não é para comprar agora, flipar e ganhar dinheiro.

Mas você precisa ganhar dinheiro com CVC, não?
Isso também precisa acontecer para justificar o investimento. De tempos em tempos, você precisa reavaliar os KPIs. Mas isso não é o end gaming. O CVC é um farol pelo qual vai passar uma série de deal flows para ver tendências de mercado. Aprende-se muito olhando para deal flows.

E onde as empresas erram?
Um desses erros é que as empresas querem fazer o que e o como. Querem saber qual o melhor veículo e o que colocar no regulamento do fundo. Mas por que estão fazendo isso? Qual é a tese de investimentos? As empresas não sabem responder. O primeiro trabalho é praticamente uma terapia corporativa estratégica de entender o porquê você está fazendo esse tipo de investimento, em que tipo de empresa vai investir, que tipo de empresa tem porte para receber seu investimento. Às vezes, o compliance mata a empresa. Tem uma série de coisas que vem antes.

"A minha leitura é que o investidor de VC no Brasil ainda não é totalmente educado para o longo prazo"

Em 2022, os investimentos de venture capital tiveram uma grande queda. Por outro lado, os investimentos em CVC cresceram. Por que eles estão em direções opostas?
A minha leitura é que o investidor de VC no Brasil ainda não é totalmente educado para o longo prazo. Quando vem uma alta de juros, é natural que as pessoas voltem para a renda fixa. O investidor de VC não deveria estar tão suscetível a esses movimentos de alta e de baixa. São ciclos. Se você olhar em um intervalo de três, quatro, sete anos, você não deveria perder as oportunidades que aparecem. E durante a crise aparecem oportunidades baratas de fazer investimentos. Esse é o momento de entrar. Só o LP (limited partner) educado sabe fazer os movimentos contraintuitivos. Quando seca a fonte do VC tradicional, ele começa a guardar dinheiro para os follow ons. E é mais seletivo. Ao passo que as corporações, que ficavam de fora das grandes rodadas, começaram a investir. E as startups, que viram que a fonte secou, começaram a olhar os CVCs. E os CVCs têm ativos que não são dinheiro. Como falamos, tem canal de distribuição, time sênior, dados e acesso a clientes.

Dado ao cenário do ano passado e do começo deste ano, é um bom momento para M&As?
É sempre um bom momento para M&As. Quando a economia vai muito bem, os múltiplos sobem. Então, é bom fazer um exit em um momento bom. A RD Station foi um deles. Quando o momento da economia é mais desafiador, é também um bom momento. As startups e as corporações que estão com caixa podem fazer suas compras. E quem são os targets? São as startups que não conseguiram captar, tem produtos complementares ou clientes complementares. Ou mesmo as concorrentes, que não conseguiram captar e estão com runway curto.

Vai ser um ano intenso de M&As?
Não tenho a menor dúvida. Já está acontecendo. Janeiro e fevereiro, antes do carnaval, estávamos trabalhando em um monte de M&As. Grande parte das vezes não é um M&A tradicional, pois, além de comprar produto, tecnologia ou canal, adquire-se também capacidade daquele founder de vir para um negócio que vai se consolidar e vai continuar crescendo.

Assista a mais um episódio do Café com Investidor: