Na tentativa de oferecer uma janela para a mente de um dos maiores gênios da humanidade, “Eu, Leonardo” reconstitui o momento da criação de uma obra-prima de Leonardo da Vinci (1452-1519). Na verdade, foram mais de três anos dedicados à concepção do afresco de “A Última Ceia”, um mural de 4,6 metros por 8,8 metros pintado entre 1495 e 1497.

“Esta obra será uma grande batalha. Mas todos os meus conhecimentos me ajudarão”, diz o mestre italiano da Renascença no documentário dramatizado. Uma das atrações do 8 ½ Festa do Cinema Italiano, aberto esta semana em 19 cidades brasileiras, “Eu, Leonardo” transporta o espectador para o seu universo, encenando alguns dos momentos mais significativos de sua jornada como artista.

O registro da última ceia de Jesus com os 12 apóstolos não é apenas uma aula de perspectiva e proporção na pintura. O mural localizado no refeitório do Convento de Santa Maria Delle Grazie, em Milão, ilustra um avanço na captura das emoções, retratando a consternação dos discípulos ao ouvirem de Jesus que um deles o trairia. Houve várias outras pinturas sobre o episódio bíblico, mas nenhuma alcançou o mesmo peso que a assinada por da Vinci, por seu realismo e dramaticidade.

“Esta obra mostrará quem eu fui a quem vier depois de mim”, afirma o artista, no filme dirigido por Jesus Garces Lambert. “Antes de pintar, devo configurar toda a imagem na minha mente. Só então posso pegar o pincel’’, conta ele, enquanto justifica a demora da entrega da obra perante quem a encomendou. No caso, o patrono do pintor, Ludovico Sforza, duque de Milão.

Apesar de tomar algumas liberdades, principalmente na hora de reconstituir momentos no ateliê de da Vinci, o diretor do filme buscou inspirações nas próprias palavras do pintor. O roteiro é baseado no “Tratado de Pintura”, a coleção de escritos do artista que dão uma ideia do seu processo criativo e do seu método de trabalho, além de abordar assuntos técnicos.

Por exemplo, para dar “vida e verdade” aos personagens de “A Última Ceia”, da Vinci buscou pessoas que pudessem servir de modelos. Elas eram convidadas para o seu ateliê, onde o artista reproduzia os traços de seus rostos e corpos em esboços, em seu caderno de estudos.

“Já faz um ano que, dia e noite, vou para Borghetto, onde vivem as pessoas mais vis e ignóbeis. Só para encontrar o rosto certo que me dará a imagem de meu Judas!”, conta da Vinci, que buscava um homem com aspecto “infinitamente feio, excêntrico e monstruoso”.
Interpretado pelo ator Luca Argentero, da Vinci é visto em outra cena comandando meticulosamente os gestos, a postura e as expressões faciais dos modelos que representavam cada um dos apóstolos à mesa.

Da Vinci é interpretado pelo ator Luca Argentero

Imediatamente após a revelação anunciada por Jesus de que havia um traidor entre eles, é como se os discípulos estivessem vivos na obra. Eles se afastam do mestre, espantados com as palavras ouvidas, como se quisessem fugir de Jesus antes que a profecia pudesse se cumprir.

Pão e vinho estão sobre a mesa, o que funciona como um presságio do iminente sacrifício de Jesus, visto aqui com os braços abertos e um semblante de serena aceitação de seu destino. Jesus é o ponto de fuga de perspectiva da pintura, concebida em perfeita simetria.

Posicionado no centro do mural e no centro da mesa, seu olho direito está na linha do horizonte, capturada nas três janelas atrás de Jesus, fazendo com que o observador foque ,no seu rosto. E, graças à iluminação sobre a cabeça de Cristo, é criado um efeito simbólico de uma auréola.

Além dos bastidores da realização de “A Última Ceia”, o espectador acompanha aqui outros momentos que dão uma noção da ambição, da meticulosidade e das inspirações de da Vinci. Isso inclui seus estudos sobre a anatomia humana, o modo como ele aplicava o princípio da Proporção Divina em suas obras e um pouco do mistério sobre “Mona Lisa”, a mais conhecida de suas obras.

Mas nada avança sobre La Gioconda no documentário, que foi realizado em 2019, para celebrar o 500º aniversário da morte de da Vinci, ocorrida em 2 de maio de 1519, aos 67 anos. Vemos a obra em seu ateliê, mas pouco se fala sobre a identidade da modelo ou do modelo.

Aqui há uma única suposição, quando o filme se refere à inspiração para o quadro da mulher de sorriso ambíguo. “Quem poderia ter obstinado tanto da Vinci, a ponto de o artista ter transformado o seu retrato em ideal atemporal de mulher?”, pergunta o narrador do filme.

E a cena que vem logo depois do questionamento traz a mãe do artista, que é uma das possibilidades apresentadas por historiadores e estudiosos para o enigma. Sua mãe foi a camponesa Caterina, que teve o filho ilegítimo de um notário da região de Florença. Após o close no quadro de Mona Lisa, a imagem que se vê é a de da Vinci, ainda menino, correndo para os braços da mãe.

Confira a programação do 8 ½ Festa do Cinema Italiano 2022