Anunciada nas primeiras horas da manhã desta quarta-feira 16, a morte de Lázaro de Mello Brandão, ex-presidente-executivo e ex-presidente do Conselho de Administração do Bradesco, marca o adeus a um dos últimos grandes banqueiros da velha guarda no Brasil.

O executivo faleceu aos 93 anos, dos quais, 75 foram dedicados ao Bradesco. A relação íntima com a instituição se estendeu até os últimos momentos. Brandão estava internado no hospital Professor Edmundo Vasconcelos, em São Paulo, pertencente à Fundação Bradesco. E se recuperava de uma cirurgia para tratar uma diverticulite.

O nome de Brandão figura ao lado de banqueiros como Amador Aguiar, Olavo Setúbal e Walther Moreira Salles. Juntos, eles lideraram o desenvolvimento e a consolidação do sistema financeiro do País. E construíram as grandes potências privadas do setor - Bradesco, Itaú e Unibanco.

“Perde o sistema financeiro um dos mais ilustres e tradicionais representantes. As lições que deixou certamente continuarão a influenciar positivamente as atuais e futuras gerações”, afirmou, em nota, Luiz Carlos Trabuco Cappi, presidente do Conselho de Administração do Bradesco.

A importância e o legado do “Seu Brandão”, como ele era mais conhecido nos corredores da Cidade de Deus, sede administrativa do Bradesco, em Osasco (SP), também foram destacados por Octavio de Lazari Junior, presidente do banco.

“Entre os empresários brasileiros, ele firmou posição de liderança e tornou-se referência, com seu estilo calmo, discreto, mas decidido. Ele construiu, ao lado de Amador Aguiar, uma das empresas de maior sucesso no Brasil”, afirmou, em comunicado, Lazari, que ressaltou ainda o “profundo conhecimento sobre o mercado financeiro e a visão sóbria da economia brasileira” do executivo.

Economista e administrador, Brandão ocupa, de fato, uma posição fundamental na trajetória do Bradesco. Sob a sua gestão, a instituição se consolidou como o maior banco do País, posto que só foi perdido em 2008, a partir da fusão entre Itaú e Unibanco.

Praticamente o único endereço profissional do executivo em toda a sua trajetória, o Bradesco ainda não existia quando o menino nascido em Itápolis, cidade do interior de São Paulo, decidiu que faria carreira no segmento bancário.

Aos 16 anos, ele cultivava o sonho de fazer carreira no Banco do Brasil e se preparava para prestar o concurso da instituição. Mas quis o destino que seu primeiro emprego fosse como escriturário na Casa Bancária Almeida & Cia, em Marília (SP), em 1942. Um ano depois, a empresa foi rebatizada como Banco Brasileiro de Descontos. Nascia o Bradesco.

A partir daí, seu crescimento profissional se confundiu com a expansão do Bradesco. E essa trajetória ascendente foi coroada, em 1963, quando ele passou a compor a diretoria-executiva da instituição.

Fundador do Bradesco, Amador Aguiar tinha Brandão como um de seus homens de confiança. Como prova desse status, o escolheu para sucedê-lo em duas oportunidades. Primeiro, na presidência, em 1981. E, em 1990, na presidência do Conselho de Administração.

Brandão foi presidente do banco até 1999. E liderou o Conselho da instituição até 10 de outubro de 2017, quando surpreendeu os oito conselheiros ao apresentar sua carta de renúncia. “A lição que aprendi é que o orgulho do próprio desempenho deve sucumbir à sadia prática da renovação”, afirmou no documento, intitulado “Profissão de Fé”.

Dono de um perfil trabalhador e incansável, Brandão, não saiu, no entanto, totalmente de cena. Ele passou a presidir os conselhos da Fundação Bradesco e da Cidade de Deus Participações.

E, até pouco, tempo, Brandão ainda batia ponto, religiosamente, na sede do banco. Com uma única diferença: começou a chegar “mais tarde” no trabalho. Ao invés das 6h, pegava no batente às 7h30.

Essa trajetória singular foi tema do livro “Senda de um executivo financeiro”, escrito e organizado por Celso Castro e Sérgio Praça, a partir de depoimentos de Brandão.

O NeoFeed reuniu algumas das histórias e pensamentos do executivo expressos no livro, lançado em 2016. Confira:

A decisão pela carreira no setor

Com 12, 14 anos, o que despontavam para mim, o que achava que me agradava ou que dava um certo prestígio na sociedade era trabalhar em banco, particularmente no Banco do Brasil, que tinha todas essas características: estabilidade, respeito da comunidade...

Os primeiros anos no Bradesco

Posso parecer muito pretensioso falando, mas como me interessava sobremaneira nas atividades, acabei criando departamentos. Porque no começo era tudo feito, analisado e visto de maneira improvisada. Então, criei a inspetoria, que teria a responsabilidade pelo curso das coisas, pela ordem, pelo zelo, por tudo.

O que fez a diferença para o Bradesco

Todo mundo tinha acesso ao banco, não importava a categoria ou a natureza da personalidade. Porque os bancos geralmente acolhiam pessoas com um certo nível. Mas o banco abriu as portas, atraindo qualquer um que quisesse ter acesso, ou para esclarecer, ou para iniciar qualquer tipo de relacionamento.

Amador Aguiar

Quando ele entrou no banco, em 1943, havia dezenas, centenas de bancos. Naquele tempo, se classificava pelos depósitos à vista, que significava prestígio do cliente. Mas ele dizia, já nessa altura, que faria o Bradesco ser o primeiro banco privado.

Ele dizia: “Tem que ser aberto e popular, atender, em qualquer circunstância, o cidadão de qualquer nível”. E pegou a gerência fechada, desmanchou a sala e trouxe os gerentes para frente do balcão de atendimento.Porque antes o gerente ficava em sua sala conciliando, falando, e tinha reserva.”

Concorrência com o Itaú e o Unibanco

A briga com o Unibanco tinha um tom e com o Itaú tinha outro. Era uma briga de crescimento. O Bradesco comprava banco; o Itaú também. Era uma briga permanente, pra valer. Então, isso guardava certo cuidado no relacionamento, nos componentes do comando tanto do Itaú quanto do Bradesco. Por exemplo, com o presidente lá, o relacionamento era perfeito. Agora, nessa competição, queriam mostrar que o caminho que estavam trilhando era melhor. Brigas assim, de bastidores. Com o Unibanco, era um concorrência saudável; com o Itaú, era forte.

Aquisições

O banco tinha sede de ganhar território, expandir a rede e o que surgia de oportunidade era a compra de um banco, porque incorporaríamos a rede, que era, geralmente, o principal atrativo. Tivemos mais de 40 aquisições.

Inovação tecnológica

Fomos a primeira empresa e o primeiro banco brasileiro a ter um computador. O IBM é de 1961. Pagamos com antecedência, mandamos o cheque para a IBM, entregaram dois anos depois e devolveram a diferença, porque estava mais barato (risos).

A indicação para a presidência

Trabalhei 47 anos com o seu Aguiar. Foi o tempo que ele trabalhou aqui. E perto, ou nem tanto, dependendo da fase, eu sempre estava próximo e dava assistência constante para ele, ou ponderava muita coisa. Um dia, ele me chamou e perguntou se eu achava que estava preparado para assumir a presidência executiva. Falei: “Nunca deixei de me preparar para isso”. (risos)

A época mais difícil

O período Collor foi uma coisa muito violenta e deixou muita gente desamparada, empresas, pessoas físicas e vinha uma norma atrás da outra. Me lembro que aqui na área do mainframe, dos computadores, o pessoal estava preocupado, porque na hora que estava completando uma mudança, vinha outra e tinha que refazer.

O futuro do Bradesco

Há que se preocupar sempre com o legado. Para domínio da filosofia e realização, aos 70 anos compusemos a Cartilha Bradesco, entregue a todos os funcionários. A geração futura deve herdar a empresa fortalecida. Preceitos de compliance devem ser preservados. A coordenação deve alicerçar-se em bloco coeso de desempenho. O ambiente interno do pessoal deve refletir competência e entusiasmo. Esmerar no relacionamento com a clientela, para satisfação plena. Busca da fidelidade. Respeitar as autoridades. Abertura de relacionamento com o mundo que nos cerca. Enfim, muito se fez e há ainda muito a fazer. O clima é sempre de desembaraço. Estamos todos, como se diz na gíria, "na ponta dos cascos". Temos cócegas pela boa performance.

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