Durante esses tempos de trabalho híbrido, o empresário Denis B. Minev adotou o costume de ir ao escritório em dois dias da semana e permanecer em casa nos outros três. Mas, desde o início de junho, por conta da cheia do Rio Negro, ele tem permanecido todos os dias em casa.
Minev é CEO da rede varejista Bemol, a maior de eletroeletrônicos da chamada Amazônia Ocidental, que engloba Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia, e tem ficado em casa porque a cheia fechou quatro dos cinco acessos ao escritório da empresa, que fica no centro de Manaus. Nada fora do comum para quem vive e trabalha na região.
Pois são percalços como esse que fazem a Bemol imperar na região. Ali, na área amazônica, geograficamente enorme, com dezenas de cidades pequenas extremamente distantes entre si, a rede fez das dificuldades os seus maiores trunfos. Não há Mercado Livre, Magazine Luiza, Lojas Americanas que tenha conseguido desafiar o grupo.
Com faturamento de R$ 3 bilhões em 2020, 4 mil funcionários, uma rede de 26 lojas, 20 farmácias e presença em 70 cidades via e-commerce, a empresa se prepara para criar uma redoma ainda maior para proteger o seu espaço. “A minha conta é a de que existem 150 municípios na Amazônia Ocidental e a maior parte deles negligenciada por tudo o que é empresa”, diz Minev ao NeoFeed. “Temos muito para crescer.” (leia entrevista)
O plano da rede, fundada em 1942 por seu avô Samuel Benchimol (primo do avô de Guilherme Benchimol, da XP), é se adensar na região e preencher uma lacuna de serviços. Para isso, deve lançar uma conta digital no segundo semestre, criar uma operadora móvel virtual (MVNO) e oferecer infraestrutura de telecom, ampliar o aluguel de painéis solares, oferecer mais crédito e abrir oito novas lojas de menor porte e outras três com mais de 2,5 mil metros quadrados cada.
O investimento previsto para este ano deve chegar a R$ 120 milhões. A estratégia da rede não deixa de ter uma pegada ESG e o executivo, um grande ativista na região (leia entrevista), explica o porquê. A conta digital pode suprir a baixa penetração do cartão e o serviço de telecom, acabar com a deficiência em pequenas cidades como Autazes (AM), com 40 mil habitantes.
“Cidades como Autazes estão fora do radar das grandes empresas”, diz Minev. “Mas, se conseguimos adensar, implantar um modelo de conta digital, telecom, varejo, farmácia, crédito, tudo junto e embolado, tem um benefício grande para a cidade, um ESG relevante, e um poço de rentabilidade enorme para explorar.”
Não é uma conta fácil de ser feita por empresas acostumadas a trabalhar nos grandes centros e que têm apostado todas as fichas na tecnologia. Data Science e machine learning são importantes e a Bemol tem investido nisso, é verdade, mas há um fator que nenhuma tecnologia consegue vencer: conhecer a região como a palma da mão.
A operação de e-commerce é uma prova disso. A empresa opera em 70 cidades no interior da Amazônia, em poucas delas com lojas e em outras com pontos de atendimento para ajudar na entrega dos produtos. O grande desafio é chegar nesses lugares e, mais do que isso, ter uma escala que justifique a distribuição. Aí entra o conhecimento, o olhar de quem nasceu e se cresceu no lugar.
“Quando a gente vai entrar em um município, a equipe vai para a beira do rio ver quais são os barcos que operam ali. Aí, entramos em contato com os donos dos barcos”, diz Minev. Há municípios onde só acontecem duas viagens de barco por semana. Quem chega primeiro neles, ganha vantagem competitiva.
“Alugamos os porões dos barcos para levar nossas mercadorias”, afirma o executivo. “Uma Americanas e um Magazine Luiza vão usar uma transportadora e não há uma transportadora que tem escala para esses municípios. Então, têm de usar outra solução que é muito mais cara e demorada.”
As entregas levam, em média, uma semana. E, mesmo conhecendo todas as peculiaridades da região, as rotas têm de ser revistas o tempo todo. Por conta das cheias e das secas, há barcos que encalham em bancos de areia e chegam a demorar 10 dias para sair de lá. No pior cenário, quando o rio está descendo e um barco encalha, é necessário esperar a próxima estação de enchente, três ou quatro meses, para desencalhar.
“Não é mole, mas, se fosse, não conseguiríamos ter vantagem sobre um Mercado Livre ou um Magazine Luiza”, diz o executivo. “Logística na Amazônia é uma maluquice, mas a gente adora ficar estudando e encontrar oportunidades. Porque, quando encontramos, é uma vantagem muito grande.” Não à toa, para entregas de produtos menores, a rede aluga até um avião monomotor.
Antes da pandemia do coronavírus, o e-commerce representava 3% das vendas da rede. Hoje, já representa 20% e, em três anos, deve chegar a 40%. “Estamos numa caçada para adicionar novos municípios e chegar a 120 cidades atendidas”, afirma Minev.
A companhia é uma das mais digitalizadas do varejo nas regiões Norte e Nordeste. E seu marketplace conta com categorias que vão de produtos automotivos a materiais de construção, passando por alimentos. Tudo, é claro, para aumentar a recorrência.
"A Bemol está entra as nossas dez maiores clientes no Brasil", diz Gustavo Ambar, vice-presidente de growth da Whirlpool, dona das marcas Brastemp e Consul. Na visão do executivo, o que chama a atenção na operação da rede varejista é como ela se posiciona para aproveitar toda a jornada digital dos clientes.
Motor de crédito bem azeitado
O especialista em varejo Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese Retail, diz que, por ser muito difícil, caro e complexo penetrar nessa região, as grandes empresas do setor deixam para depois. “Com isso, a Bemol vai se adensando”, diz Serrentino. Mas, mais do que ocupar espaço, o consultor afirma que a empresa tem o domínio do cliente, principalmente do crédito.
A rede atua nos mesmos moldes das Casas Bahia oferecendo crédito para a compra de produtos e também empréstimos para mais de 2,5 milhões de pessoas cadastradas de um total de 8 milhões de pessoas na região. “Toda casa tem uma pessoa que tem um cartão Bemol e que tenhamos algum histórico de crédito. A grande vantagem é que a gente já pegou tombo de todo mundo que tinha que pegar tombo”, diz Minev.
A carteira de crédito da companhia é de R$ 600 milhões, tudo recurso próprio, e o conhecimento do cliente vem de duas formas. O primeiro é por meio de um big data que ajuda na precificação de risco. O segundo é pelo tato. Quando decide entrar em uma nova cidade, a companhia faz um exercício de risco.
“Damos R$ 100,00 de limite de crédito para milhares de pessoas na cidade. Dá para esse cliente comprar um liquidificador e dá para eu descobrir se ele é um bom pagador. É o customer acquisition cost. Se ele me der um tombo em R$ 100,00, não vai me fazer falta e eu consegui uma informação bem relevante”, afirma Minev.
A Bemol acabou de entrar em Autazes e concedeu cartão para 5 mil pessoas. Ali, a inadimplência absoluta foi de cerca de 30%. Isso quer dizer que 1,5 mil deixaram de pagar. “Mas, em termos relativos, foi pouco. Porque o cara que deixa de me pagar me dá um tombo de R$ 100 no máximo.”
O executivo explica que o cliente que continua pagando acaba comprando até R$ 10 mil porque a rede vai aumentando o limite de crédito ao longo do tempo. “Então, esses 30% acabam se tornando 5% do volume de vendas e aí se tornam um risco tolerável. Temos que inventar estratégia aqui. Os modelos tradicionais não penetraram.”
Os modelos de loja também fogem do tradicional. Em cidades com mais de 90 mil habitantes, são erguidas lojas com 2,5 mil metros quadrados e em cidades pequenas, com entre 30 mil e 50 mil habitantes, a Bemol está erguendo farmácias com minilojas ou, em último caso, com postos de atendimento do e-commerce.
“Esse é um daqueles casos que eu chamo de os tesouros escondidos do varejo brasileiro. O Brasil tem essa coisa incrível de empresas regionais, extremamente competitivas, saudáveis, lucrativas, bem-posicionadas e com uma relação muito forte e próxima dos clientes”, diz Serrentino.