O empreendedor Michael Dell, fundador da fabricante de computadores Dell, é um típico americano do Texas. Ele tem sotaque carregado daquela região e identifica-se com causas conservadoras.

No passado, foi um importante doador do Partido Republicano. Mas na eleição presidencial de 2016, entre o republicano Donald Trump e a democrata Hillary Clinton, não manifestou sua intenção de voto.

Em geral, é raro ver o fundador da Dell fazer pronunciamentos sobre causas políticas. Mas a empresa da qual o empresário é dono esteve involuntariamente no centro do debate que marca a polarização política no Brasil.

A Dell atraiu a ira de eleitores conservadores, que começaram uma campanha contra a empresa no Twitter e colocaram a hashtag #NaoCompreDell em primeiro lugar no trending topics brasileiro da rede social na noite de quarta-feira, 20 de maio.

Tudo porque a empresa disse que iria retirar do ar publicidade no site Jornal da Cidade Online, identificado com causas conservadoras e que já foi condenado a indenizar o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Felipe Santa Cruz, por fake news.

A Dell tinha sido avisada pelo Sleeping Giants Brasil, a versão brasileira de um movimento que surgiu nos Estados Unidos que alerta companhias sobre publicidade em páginas que ajudam a propagar desinformação, fake news ou discursos de ódio.

Boicote à marca Dell no trending topics do Twitter

Pelo seu perfil oficial no Twitter, a Dell respondeu ao Sleeping Giants Brasil. “Assim que recebemos essa informação, solicitamos a retirada dos anúncios automáticos. Repudiamos qualquer disseminação de notícias falsas”, escreveu a companhia na rede social.

Em nota ao NeoFeed, a Dell informou que "reforça que não tem qualquer orientação ideológica e/ou partidária. Prezamos pela pluralidade de ideias, pela diversidade e pela liberdade de imprensa”.

O movimento Sleep Giants nasceu há quatro anos nos Estados Unidos. Seu fundador, o publicitário americano Matt Rivitz, recebeu ameaças de morte depois de um site conservador revelar sua identidade.

Por esse motivo, alegando motivos de segurança, a identidade do criador da versão brasileira não é revelada. “Sempre pensei em formas de combater notícias falsas, mas nunca havia encontrado uma eficiente”, disse o administrador da versão brasileira, em entrevista ao El País Brasil. “Até que descobri essa maneira simples de aplicar usando a desmonetização.”

Em apenas 72 horas, a versão brasileira do Sleep Giants conquistou quase 100 mil seguidores e recebeu o apoio do apresentador de tevê Luciano Huck e do Youtuber Felipe Neto, que publicaram tuítes a favor do perfil.

Além da Dell, o Sleep Giants alertou também outras empresas que veiculavam publicidade no Jornal da Cidade Online, como Banco do Brasil, Submarino, O Boticário e Telecine, que disseram que iriam retirar também a propaganda do ar.

Mas foi a Dell que atraiu a ira de perfis conservadores e identificados com o presidente Jair Bolsonaro no Twitter. Muitos dos comentários na rede social marcavam a conta de Michael Dell no Twitter, falando do boicote à marca que estava em curso no Brasil por conta da retirada da propaganda.

O Jornal da Cidade Online também rebateu o perfil Sleeping Giants Brasil, em uma nota no seu site. “Como somos absolutamente independente e não poupamos críticas a quem quer que seja, pois o nosso compromisso é exclusivamente com o leitor, o tal do perfil apócrifo tem conseguido alguma relevância alavancado por políticos de esquerda e por veículos da grande mídia, incomodada com o nosso crescimento.”

Mídia programática

As empresas, em geral, usam publicidade programática, uma modalidade que permite escolher o perfil do público que ser quer atingir através de plataformas como a AdSense, do Google.

A partir daí, as campanhas são distribuídas por diversos sites cujo público é aderente à escolha da empresa. Os sites que exibem a publicidade ganham receita por conta das impressões dos anúncios em suas páginas.

O Google alerta que as companhias podem estabelecer filtros para evitar que anúncios sejam mostrados para determinados grupos de pessoas ou até mesmo para páginas específicas. É possível também evitar conteúdos através de palavras-chaves.

Mas como a distribuição dos anúncios é feito em larga escala, nunca se sabe ao certo onde ele vai parar. Isso tem feito grandes anunciantes reagirem.

A gigante anglo-holandesa Unilever, dona das marcas Omo, Kibon e Dove, ameaçou, em 2018, parar de anunciar no Google e Facebook, se eles não conseguissem conter o avanço de sites de conteúdos extremistas, sexistas e impróprios para crianças que criem divisões na sociedade.

A companhia tem um orçamento bilionário em publicidade no mundo. No Brasil, no primeiro semestre de 2019, ela investiu R$ 1,5 bilhão em publicidade, segundo dados da Kantar Ibope Media.

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