Jogo jogado, na sequência do maior aumento da taxa de juro desde 1994 pelo Federal Reserve (Fed) e da sangria nas bolsas internacionais, a conta chegou ao Brasil. Livre das pressões externas na quinta-feira, pelo feriado de Corpus Christi, nesta sexta, os investidores foram à forra. Derrubaram para valer a bolsa brasileira e deram sustentação ao dólar, que mirou R$ 5,15 boa parte do dia.

O Ibovespa operou abaixo de 100.000 pontos pela primeira vez desde 5 de novembro de 2020. Durante a sessão, na B3, o índice oscilou 4,5% - entre a máxima de 102.800 e a mínima de 98.401 pontos. Fechou em 99.824 pontos.

O aumento dos combustíveis pela Petrobras, contrariando o desejo do presidente Jair Bolsonaro, colocou o mercado em alerta, dada a politização do debate sobre a política de preços da companhia. E suas ações ordinárias atravessaram a sessão em queda de 10%, fechando com um tombo de 7,2%. Na véspera, em Nova York, os ADRs da empresa perderam 5,33%.

O ajuste de preços da Petrobras tem consequência ao menos matemática, também preocupante. O IPCA pode chegar a 9,2% em 2022, segundo a FGV/Ibre, uma variação que é quase o dobro do teto da meta de inflação deste ano, de 5%. Um desafio já posto ao Banco Central (BC) que, na quarta, elevou a Selic em mais 0,50 ponto, para 13,25% e acenou para mais ajuste de 0,50 ou 0,25 ponto.

Gestores e economistas ouvidos pelo NeoFeed atribuem o movimento negativo dos mercados, nesta sexta de acomodação nas bolsas norte-americanas, sobretudo à correção de preços dos ativos.

Para Gino Olivares, economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, o comportamento do mercado local é praticamente um ajuste aos mercados globais devido ao nosso feriado. Mas ele entende, porém, que há fatores internos refletindo nos preços.

“E me refiro ao que está acontecendo na Petrobras. Toda essa politização [sobre preços] que deveria ter um tratamento técnico. Não vejo o cenário econômico afetando o cenário político. É o contrário. O político está afetando o econômico”, diz Olivares.

Ele reconhece que o aumento de preços dos combustíveis gera inconvenientes, mas considera que a Petrobras tem uma governança bem definida e que está funcionando bem. “Mas o ruído vai continuar.”

Marcos Mollica, gestor de multimercado do Opportunity, também vê o saldo do mercado local, como correção de preços. E lembra que o principal ‘driver’ do mercado doméstico é o cenário internacional.

“O Fed indicando firme propósito em combater a inflação subindo juros agressivamente mesmo ao custo de uma desaceleração mais forte da economia americana. Há preocupação com o risco de recessão. Neste contexto, é bolsa para baixo, juros para cima e um início de contaminação de commodities. O cenário negativo da China também ajuda na queda das commodities. E o Brasil vem a reboque”, diz Molica.

Luiz Cesta, head de análise da Monett, também credita o movimento do dia à reprecificação dos ativos, mas alerta que a evolução do preço do petróleo confirma que há um temor mundial de desaceleração do crescimento. “E commodities para baixo é ruim para as principais empresas da bolsa, embora essa tendência ajude a diminuir o medo da inflação”, avalia.

Gustavo Harada, chefe da mesa de renda variável da Blackbird, já enxerga uma confusão se aproximando à medida que as eleições presidenciais se aproximam. “A corrida eleitoral ainda não está impactando diretamente o mercado. Mas acredito que dentro de um ou dois meses, a eleição começará a influenciar o cenário, trazendo ainda mais volatilidade.”

Mas os atores políticos já estão dando o tom do que vem pela frente. “Essa confusão toda ao redor da Petrobras, o presidente da Câmara visivelmente alterando a postura em relação à direção da empresa, cobrando publicamente; o presidente Bolsonaro ameaçando com uma CPI sobre a diretoria da Petrobras em função desse reajuste recente. Acho que a companhia teve o azar de dar um reajuste nos combustíveis no dia em que o petróleo lá fora está caindo 8%, uma das maiores quedas no ano”, afirma Carlos Carvalho Jr, CIO da Kínitro Capital.

Para a semana que vem, os gestores não esperam mais correções de preços, mas não desprezam o calendário. Porém, fica o suspense porque, na segunda-feira, será feriado nos EUA, o Juneteenth – data que celebra 19 de junho de 1865, quando as tropas federais chegaram a Galveston, Texas, para libertar o restante povo escravizado nos Estados Unidos. As bolsas não funcionam. Então a liquidez dos mercados no Brasil tende a encolher consideravelmente.

Na terça-feira sai a ata do Copom que deve aprofundar a mensagem dada pelo BC no comunicado e, talvez, esclarecer a razão de o comitê ter apontado para 2024, quando a política monetária hoje em execução mira 2023. Na sexta, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga o IPCA-15 de junho.

O indicador mensal deve ficar em 0,60% e a inflação anualizada tende a recuar de 12,20% para 11,81%. Nos EUA, Jerome Powell, presidente do Fed, fala na quarta-feira. Na quinta, ele comparece à Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados americana. É grande a expectativa quanto ao seu discurso, após o aumento da taxa básica que provocou um ataque de nervos em todos os mercados – sem exceção.