SANTIAGO - Era a última semana de agosto e já passava das 18 horas. Ao entrar na vinícola chilena Santa Carolina, na periferia da capital Santiago, o barulho da linha de engarrafamento, ainda que praticamente toda automatizada era incessante. Aquele dia, o turno de trabalho dos 10 operadores de engarrafamento e logística iria até às 22 horas. Tudo porque havia um grande pedido da China para ser atendido.

A surpresa? Na rotulagem, os vinhos que ali estavam eram da marca australiana Yellow Tail, com sua nova linha World Series, por hora, exclusiva para o mercado chinês. A marca considerada a mais poderosa do mundo do vinho de acordo com a consultoria britânica Wine Intelligence procurou a gigante chilena (Santa Carolina é a 7ª colocada no mesmo ranking, em 2022) para criar um "atalho" e retornar de forma competitiva ao mercado chinês.

Em março deste ano, a China impôs uma nova tarifa antidumping sobre os vinhos originados da Austrália. O governo local arbitrou uma tarifa de 218% sobre o valor de compra (antes tinham acordo de livre comércio), o que inviabilizou as exportações australianas. No ano fiscal 2021/2022 (julho 2021-junho 2022) as exportações dos vinhos australianos despencaram de AUS 1,2 bilhão (US$ 810 milhões) para AUS 200 milhões (US$ 135 milhões).

A Viña Santa Carolina, que é a 3ª marca mais importada no Brasil (pela Casa Flora), tem capacidade de engarrafar 230 mil vasilhames por dia e mantém em estoque 1,5 milhão de garrafas. “Nossa agilidade, capacidade, além do bom relacionamento com Casella Family, tornaram este caminho natural”, disse ao NeoFeed, Tomás Lira, brand manager da vinícola. Santa Carolina e Yellow Tail são distribuídos pelo mesmo importador na Inglaterra.

O movimento consolida a ideia de que em faixas de preços mais populares, a marca (e estilo do vinho) é mais importante que o tão aclamado terroir, ou origem das uvas. Rodrigo Lanari, sócio da consultoria WineXT e representante da Wine Intelligence no Brasil, aponta um caso que pode ser visto nas gôndolas brasileiras.

Santa Carolina tem capacidade de engarrafar 230 mil vasilhames por dia

“A marca norte-americana Barefoot está produzindo os vinhos no Chile para atender o mercado brasileiro e vem sendo bem-sucedida. O nome Barefeoot vem antes da questão de ser californiano ou chileno”, aponta Lanari.

Robert Joseph, editor do portal Meininger’s Wine Business International, conduziu uma pesquisa com os consumidores da rede inglesa Tesco. Por meio de um QR Code na garrafa, os compradores ranqueavam as informações que consideravam mais relevantes na compra.

Em primeiro lugar estavam os sabores do vinho, seguido das informações sobre as variedades das uvas e sugestões de harmonizações. Informações sobre a origem do vinho apareceu apenas na sétima posição na ordem de relevância.

A Yellow Tail está presente no mercado chinês desde 2007 e lançará quatro rótulos com vinhos chilenos de Santa Carolina, um branco feito com a Chardonnay e três tintos, varietais de Merlot, Cabernet Sauvignon e Syrah. Cada garrafa será vendida no mercado chinês por cerca de US$ 8 (no Brasil, o Yellow Tail custa cerca de R$ 70 cada, importado pela Cantu).

A medida se mostra estratégica para abocanhar uma fatia da rival Penfolds no mercado chinês. Enquanto a China representou apenas 3% do faturamento de Casella Family (vinícola que produz Yellow Tail) em 2021, para a concorrente Penfolds (marca australiana do grupo TWE - Treasure Wine Estates), o mercado chinês representava 25% do faturamento no ano passado e neste ano o resultado tem sido pífio.

No Brasil o Yellow Tail custa cerca de R$ 70, importado pela Cantu

Para Penfolds, as exportações para a China despencaram 97,4% no primeiro semestre de 2022, com lucro EBITDA caindo de AUS 78,2 milhões (US$ 52,7 milhões) para AUS 2 milhões (US$ 1, 3 milhão) no comparativo com o ano anterior. Do outro lado da balança, o share de mercado dos vinhos chilenos na China subiu de 15,8% para 22,8% (em volume, 1º semestre - 2021/2022).

No entanto, a solução de Penfolds foi se dirigir à África do Sul, onde estão produzindo sua linha mais simples Rawson's Retreat (cerca de R$ 85 no Brasil, importado pela Inovini). A linha de Rawson’s Retreat feita com uvas sul-africana (exclusiva para a China), é composta por três tintos: um varietal de Cabernet Sauvignon, um blend de Cabernet Sauvignon-Shiraz e um red blend. Para a linha superior, Penfolds, a projeto é instalar uma vinícola na China e produzir tudo localmente.