No início de 2020, o diagnóstico era favorável para a rede de laboratórios Alliar, dona de marcas como CDB e Axial e de uma receita de R$ 1,07 bilhão em 2019. Após sofrer com a integração de mais de 20 aquisições desde a sua fundação, em 2011, a companhia vinha de um ano de reestruturação, que se refletiu na valorização de 41% de suas ações.

O horizonte positivo era reforçado pela chegada do novo CEO, Sami Foguel. Desde dezembro no cargo, o executivo já tinha um plano estratégico aprovado pelo Conselho de Administração, no qual traçava os caminhos de expansão da operação para os próximos cinco anos.

A Covid-19 mudou, porém, esse cenário. Com 45 das suas 118 unidades fechadas a partir de meados de março, e parte delas operando em horário reduzido, a Alliar sentiu o baque já no primeiro trimestre, quando reportou um prejuízo de R$ 21,7 milhões e um recuo de 9,9% na receita, para R$ 235,7 milhões.

O estrago feito em tão pouco tempo alimentou a desconfiança sobre o fôlego da rede para reagir à pandemia. Entre o início de março e os primeiros dias de abril, as ações da empresa acumularam uma queda de mais de 58%. Todo esse contexto não abalou, no entanto, a confiança de Foguel.

“Estamos monitorando a situação dia a dia, mas a crise não altera fundamentalmente as nossas estratégias”, diz o executivo, em entrevista ao NeoFeed. “Ao contrário, ela só fortalece o que tínhamos planejado.”

Antes de tocar esses planos, o foco foi o curto prazo. A empresa reforçou o caixa com R$ 230 milhões captados em bancos e suspendeu os investimentos em expansão, além de adiar o pagamento de R$ 10,3 milhões em dividendos.

A companhia criou ainda um programa voluntário de afastamento temporário, que teve a adesão de mais de 2 mil funcionários, dentro de um quadro total de 6 mil profissionais. “Nossa queda ainda está em 50%, mas já vemos uma tendência de recuperação”, afirma Foguel.

Além da imagem

Para compensar parte do recuo na receita - Foguel não revela quantas unidades da rede ainda estão fechadas - a Alliar está lançando serviços e ampliando projetos. A rede enxerga nessa abordagem uma oportunidade para dar velocidade ao plano de diversificar sua atuação.

Mais conhecida por exames de imagem, como tomografias, ultrassonografias e ressonâncias magnéticas, a empresa vem tentando mostrar que poder ir além, com a inclusão de um portfólio de análises clínicas, como exames de sangue, urina, cortisol e testes de gravidez. Hoje, essa linha responde por 15% da receita.

Com essa proposta, em 13 de abril, a empresa lançou um serviço de drive-thru. Disponível em nove cidades dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Bahia e Pará, o modelo oferece três tipos de testes da Covid-19: rápidos, PCR e sorológico.

A principal aposta é um exame sorológico da Abbott, que tem 99% de precisão na identificação de anticorpos e fornece um certificado imunológico. “Estamos sendo muito procurados por empresas interessadas em programas quinzenais de testes para seus funcionários”, diz Foguel.

“Estamos sendo muito procurados por empresas interessadas em programas quinzenais de testes de Covid-19 para seus funcionários”

O programa de coleta domiciliar Alliar na Sua Casa também está sendo reforçado. Antes restrito a São Paulo, o serviço foi expandido para outros 11 municípios, entre eles, Belo Horizonte (MG) e Vitória (ES). E ampliou sua oferta com exames como ultrassonografia, mapa, holter e eletrocardiograma.

“Até então, essa linha domiciliar era uma oferta marginal na Alliar”, diz Foguel, que agora planeja estruturar a iniciativa como uma unidade de negócios. “A crise trouxe essa necessidade, que virou uma oportunidade.”

Na avaliação do executivo, o programa oferece uma alternativa à abertura ou ampliação de unidades para abrigar o esforço recente de diversificação do portfólio. Por conta do tamanho de seus equipamentos de imagem, a rede costuma investir em grandes instalações, o que aumenta o custo desses projetos.

“Temos uma desvantagem em relação aos nossos maiores concorrentes, que têm 200, 300 pontos de coleta”, diz Foguel. “Essa é uma oportunidade de reduzir essa distância e ampliar nosso alcance, sem ter que investir tanto em expansão física.”

Para Mariana Ferraz, analista da Eleven Research, a estratégia é válida, mas não vai mudar o negócio da Alliar. “Existe uma série de dificuldades logísticas e operacionais para que ela seja executada”, diz. “O programa ajuda a reforçar a distribuição, mas é só uma ponta.”

Mais conhecida pelos exames de imagem, a Alliar está diversificando o portfólio com análises clínicas

Ferraz ressalta que a queda da Alliar chamou atenção não somente pelo fato de contabilizar apenas 15 dias de impacto na rede. Mas por ser mais acentuada do que os índices observados em concorrentes como Fleury e Hermes Pardini.

“A Alliar sente mais por ser uma small cap e ter menos liquidez que esses rivais”, afirma. Ela observa, porém, que o processo de recuperação da empresa antes da crise já surtia efeitos. “No longo prazo, com a diversificação para análises clínicas e o investimento em outros projetos, as perspectivas são boas.”

AWS dos diagnósticos

Entre os outros projetos que estão sendo reforçados está a IDR, operação criada em 2018 e que funciona como uma espécie de AWS dos diagnósticos. Assim como o braço de tecnologia da Amazon, a Alliar oferece a estrutura própria que desenvolveu ao longo dos anos para terceiros, no caso, operadoras de saúde, hospitais, laboratórios e clínicas.

O portfólio inclui, especialmente, os equipamentos de ressonância e de tomografia, que são operados remotamente, a partir de dois centros instalados em São Paulo e Belo Horizonte.

Além de reduzir o custo e o tempo dos exames, em até 40%, a Alliar entende que o modelo é uma alternativa acessível para os parceiros que não têm condições de adquirir máquinas desse porte.

A empresa quer também fortalecer sua atuação no setor público, com a participação em licitações municipais e estaduais. Para isso, acabou de criar uma diretoria específica para esses negócios. Nessa área, a empresa está à frente de uma parceira público-privada com a Philips, batizada de RBD, que envolve a gestão de 11 hospitais públicos na Bahia.

“Nossa ideia é formatar um modelo acessível para oferecer assistência primária, consultas e exames com previsibilidade de custos”

O investimento no atendimento de clientes particulares que não têm plano de saúde é outro mote. “Estamos começando a testar alguns pilotos, mas essa frente ainda é muito prematura”, diz Foguel. “Nossa ideia é formatar um modelo para oferecer assistência primária, consultas e exames com previsibilidade de custos.”

O futuro da Alliar passa ainda pela inovação. Nessa área, uma novidade em fase final de desenvolvimento é um sistema de radiologia batizado de REC, que vai emitir laudos em 3D e permitir que os médicos interajam com o resultado do exame.

Apesar de reconhecer que o momento da Alliar é desafiador, Foguel entende que todas essas iniciativas compõem um pacote robusto para a rede no pós-crise. “Tenho certeza que vamos atravessar essa pandemia”, diz. “E que daqui a cinco anos, seremos muito maiores, mais presentes e mais capazes do que somos hoje.”

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