Desde que ganhou a nomeação democrata para concorrer à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden vinha estudando o melhor nome para compor sua chapa à candidatura de vice-presidente. Mas todos os nomes que estavam na mesa tinham algo em comum: eram mulheres e negras.

Foram cogitadas a prefeita de Atlanta, Keisha Lance Bottom; a ex-embaixadora americana na ONU, Susan Rice; e a senadora Kamala Harris. No fim na tarde desta terça-feira, 11 de agosto, Biden acabou com o mistério e anunciou Kamala como sua parceira de chapa.

A escolha foi estrategicamente pensada e pode dar uma larga vantagem a Biden. Primeiro porque pode atrair o voto do eleitorado negro, que responde por 12% do total. Nas eleições de 2016, quando Donald Trump foi eleito, o não comparecimento dessa parcela da população foi decisiva para o resultado das urnas. 

Mas a indiferença contra o processo eleitoral não deve se repetir esse ano. Os eleitores negros estão motivados a comparecer às urnas à reboque dos protestos causados pela morte de George Floyd, vítima da violência policial por ser negro.

"A comunidade negra está se organizando em todos os 50 estados do país. Votos efetivos permitem que a comunidade decida seu próprio destino”, disse ao NeoFeed, por meio de nota, o movimento Black Voters Matter, uma organização sem fins lucrativos que tem o objetivo de empoderar a comunidade negra a partir da conscientização política.

Outro ponto favorável na escolha de Kamala, simpatizante da questão da imigração, é o impulsionamento dos votos dos latinos, que compõem o segundo bloco eleitoral mais forte do país e se mostram mais engajados com as eleições que se aproximam.

"Estamos monitorando e acreditamos que comparecerão em grande número", diz ao NeoFeed a cientista política Camila Rodriguez, analista do instituto de pesquisa Latino Decision.

O fotógrafo oficial de Joe Biden, Adam Schultz, captura o momento em que Joe Biden comunica sua escolha à Kamal Harris

Num e-mail encaminhado hoje aos seus apoiadores, Biden destacou a relevância da escolha. "Você toma muitas decisões importantes como presidente. Mas a primeira delas é selecionar quem será o seu vice", escreveu Biden. 

O mercado parece cauteloso quanto à chapa Biden-Harris, que defende aumentar os impostos de grandes fortunas e outras pautas consideradas "radicais" pelos conservadores. O índice S&P 500 fechou o pregão de terça-feira com uma ligeira alta de 0,8%, enquanto a Nasdaq Composite recuou 1,69% e o Dow Jones 0,67%.  

Mas não é só o mercado que parece receoso com essa estratégia e com a decisão do democrata. Cynthia Kaufman, professora de ciências políticas da East College e diretora do Instituto Vasconcellos pela Democracia em Ação, comenta que decisão de Biden foi equivocada e pode lhe custar a cadeira na Casa Branca.

"Biden está cometendo o mesmo erro de outros democratas mainstream, subjugando os progressistas", diz Kaufmann ao NeoFeed. A cientista política explica que, antes de se eleger senadora, Kamala Harris foi promotora de São Francisco e depois procuradora-geral da Califórnia e, no cargo, a maioria de suas decisões esteve ao lado da polícia. "Ela não vai inspirar pessoas de comunidades marginalizadas, que já são resistentes ao voto", disse ao NeoFeed

A professora destaca ainda que a figura do vice-presidente nos Estados Unidos não é meramente "ilustrativa". Cabe a este eleito liderar as sessões conjuntas do Congresso e a atuar como presidente do Senado, votando em caso de empate.

"Por conta da idade de Biden (77 anos), é pouco provável que ele tente um segundo mandato, o que colocaria sua vice como provável candidata à presidência na próxima eleição", afirmou.

No Twitter, Kamala já deu início a campanha. "Mulheres negras e mulheres de cor já estão há muito tempo sem ter um representante  no governo e em novembro temos a oportunidade de mudar isso. Vamos ao trabalho", publicou a senadora. 

Mesmo antes da indicação de sua vice-presidente, Biden já liderava as intenções de votos em todas as pesquisas de opinião. No cenário de maior discrepância, levantado pela rede ABC e pelo jornal Washington Post, o democrata tem 15 pontos de vantagem, com 55% das intenções de voto contra 40% de Donald Trump. Já na margem mais "apertada", assinalada pela Fox News, Biden teria 49% e Trump 41%, uma diferença de 8 pontos. 

Vale lembrar, porém, que a eleição americana não acontece por voto direto, mas através do Colégio Eleitoral. Isso significa que nem sempre a escolha da maioria prevalece. Nas eleições de 2016, Hillary Clinton ganhou no voto popular, mas o Colégio Eleitoral, composto por 538 delegados, garantiu a vitória para Trump.

O caminho até Washington

A advogada de 55 anos é a filha primogênita de uma mãe indiana e pai jamaicano. Nascida na cidade californiana de Oakland, ela se formou em direito pela Universidade da California Hasting. 

Kamala foi promotora pública no condado de Alameda e São Francisco antes de assumir o posto de procuradora geral do Estado, em 2010.  Seis anos depois, a advogada fez história ao se tornar a segunda mulher negra a ocupar o cargo de senadora dos Estados Unidos.

Nesta função, ela chegou a integrar o Comitê de Inteligência, que conduziu as investigações a respeito da interferência russa nas eleições presidenciais, e  integrou também o comitê judiciário, supervisionando a alçada de dois juízes à Suprema Corte: Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh.

Com tanta bagagem política, ela tentou concorrer à vaga democrata à corrida presidencial. Nos debates do partido, Kamala chegou a protagonizar alguns duelos com o agora parceiro de chapa, Joe Biden.

Um dos pontos em que divergiram foi quanto aos ônibus escolares públicos, que transportam crianças entre diferentes distritos para promover a igualdade e diversidade. Biden deu a entender que era contra a proposta, enquanto Kamala era uma ferrenha defensora – e, inclusive, confessou ter gozado desse benefício em sua infância.

O atual candidato democrata depois se explicou: disse que era contra a logística ser definida pelo departamento de educação e que seria melhor que os distritos e autoridades locais regulamentarem a questão.

Agora, Kamala e Biden parecem estar na mesma página. Ambos são contra a pena de morte, defendem o fim das prisões privadas, acreditam no aumento do salário mínimo para US$ 15/hora, apoiam a investigação do histórico dos indivíduos interessados em comprar armas de fogo e sustentam a ideia de que é necessário avaliar mais as queixas de comportamento antitruste e monopólio por parte das grandes empresas de tecnologia.  

Outro ponto em comum entre Biden e Kamala é a amizade com o ex-presidente americano Barack Obama. A senadora é tão íntima da família Obama que foi uma das primeiras a doar para a campanha de Obama quando ele tentava, em 2004, uma vaga ao senado. Foi novamente uma das primeiras a apoiar o ex-presidente na corrida à Casa Branca. 

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