A internet é uma das poucas coisas criadas pelo homem que ele ainda não entende completamente. Estamos dando os primeiros passos e nos surpreendendo a cada instante. Destrói modelos de negócio consolidados e cria novos muito rapidamente. Muitos desses novos negócios são rapidamente superados por outros que surgem pouquíssimo tempo depois.

Os sintomas dessas mudanças já estão à vista. Um exemplo é a vida média das empresas da lista S&P 500, que era de 67 anos há 100 anos e agora é de apenas 15 anos. As fontes de disrupção se originam de todos os lados.  As fronteiras entre os próprios setores de indústria começam a se dissolver e, de forma crescente, não apenas startups, mas empresas de outros setores entram em áreas consideradas sólidas e fechadas.

Já compreendemos que todos os aspectos da nossa vida irão mudar, provocando uma transformação social, cultural e política mais ampla e rápida que em qualquer outro período da história da humanidade. Os números são assustadores.

Até 2025, a maior parte da população mundial terá saído de uma quase total falta de acesso a informações não filtradas para um mundo de abundância de informação, acessíveis por um pequeno aparelho na nossa mão. Tudo isso em uma única geração! Lembrem-se, o iPhone surgiu em 2007!

Diante deste cenário transformador, como as empresas se adaptarão para sobreviver em um mundo novo e desconhecido? O risco de não se adaptarem é simplesmente se tornarem obsoletas e irrelevantes, se não desaparecerem.

Esse novo contexto, caracterizado pela incerteza e volatilidade, obriga as empresas a darem respostas rápidas e criarem inovações constantes. Em consequência, demanda um modelo organizacional diferente do criado para dar sustentação às empresas da sociedade industrial.

A velocidade das mudanças sinaliza claramente que o modelo hierárquico e matricial não permite a agilidade necessária para sobreviver no século 21. Nas minhas conversas com executivos está claro que muitos já estão cientes deste contexto, mas admitem que suas empresas não estão preparadas para lidar com os desafios emergentes e inesperados. A pandemia foi um exemplo: muitas empresas que se diziam digitais, tropeçaram feio.

A velocidade das mudanças sinaliza claramente que o modelo hierárquico e matricial não permite a agilidade necessária para sobreviver no século 21

A demora em reagir das grandes e tradicionais empresas, devido a sua estruturação organizacional moldada em complexos modelos hierárquicos, top-down e matriciais, é um sinal claro. Muitas delas estão passando por crises sérias que talvez ameacem sua sobrevivência ou relevância no futuro.

A razão é simples: o fluxo de informações das grandes corporações hierárquicas segue um lento movimento circular, que começa no topo da organização e se dissemina aos poucos pela empresa. Quando chega na ponta, já está obsoleta. O processo de feedback também segue, de forma inversa, este mesmo processo e ao chegar, filtrada, à alta administração, já não reflete a realidade. As decisões são, então, baseadas no passado.

As estruturas hierárquicas funcionaram muito bem em um período de mudanças mais lentas. Por outro lado, criaram fragilidades como ascendência profissional significar mais poder, controles rígidos e pouca flexibilidade para mudanças. Tendem naturalmente serem reativas às mudanças, pois qualquer mudança afeta a estrutura de poder tão arduamente conquistado.

O modelo hierárquico foi criado para ser estático. As pessoas trabalham dentro de um contexto “que as coisas foram feitas assim e deverão continuar sendo assim”. É uma estrutura de comando e controle, em que o comando está nos níveis gerenciais e a execução nos níveis mais baixos, que apenas cumprem tarefas, sem maiores autonomias.

Os níveis intermediários de gerência funcionam como “buffers” recebendo ordens e as enviando para baixo, filtrando os problemas que surgem embaixo, repassando apenas alguns para a alta administração. As regras são claras e os desvios punidos.

Inovação não é algo incentivado, a não ser em teoria ou em cartazes nas paredes. As estruturas criam silos, muitas vezes com objetivos conflitantes entre si, criando um cenário de “nós contra eles”, como gerência versus staff, marketing versus finanças, TI contra todos!

Inovação não é algo incentivado, a não ser em teoria ou em cartazes nas paredes

Um sintoma comum disso em TI é ela olhar os demais setores da empresa com desconfiança, tratando-os como clientes ou entes distantes, e não como parceiros no mesmo negócio. Ainda é comum ouvirmos “usuário não sabe o que quer!”. Característica de uma relação conflituosa, causada pela estrutura obsoleta da organização.

O modelo tradicional ainda pensa no funcionário como sua propriedade e emprego é assumido ser duradouro. Premiação por 20 anos ou 25 anos de emprego são comemorados. Os valores predominantes são financeiros e tudo é feito em nome da lucratividade do negócio. O gerenciamento é por objetivos. Este deve ser alcançado, não importa como.

Vemos isso explicitamente nas áreas de vendas com pressões muitas vezes insustentáveis em cima dos funcionários para baterem ou ultrapassarem metas, que nem sempre são factíveis. Os indicadores usados refletem este espírito da meta a qualquer custo, como ciclos trimestrais e anuais, KPIs e balanced scorecards.

Mas precisa continuar assim? Uma estrutura hierárquica emula uma máquina, sempre operando da mesma maneira. O resultado do engessamento, do método de comando-controle e do curto-prazismo pode ser observado no nível de satisfação dos funcionários, geralmente muito baixo.

Por que não imaginar uma organização que autoajuste seus processos e modelos de negócios baseados em decisões algorítmicas de Machine Learning (ML) e que se autoajuste com o próprio aprendizado? Aplicando os princípios algorítmicos autoajustáveis, como base do seu “operating model”, não apenas a camada de suporte (processos, sistemas e estrutura organizacional) muda e se ajusta continuamente, mas a visão e os modelos de negócios também se autoajustam à dinâmica do mercado.

A empresa não é mais uma estrutura rígida com a decisões top down descendo ladeira abaixo por toda a organização. A IA não fica apenas restrita às predições para auxiliar na tomada de decisões, mas se incorpora como motor de execução operacional, definindo e executando tarefas do dia a dia. A empresa passa a operar como um ser vivo, evoluindo e se adaptando às mudanças do meio.

Um ser vivo tem suas células funcionando de forma independente, sem controle central. O fígado reage por sua conta, sem esperar pelas suas ordens. Pensar em uma empresa autogerenciável é uma quebra de paradigmas, mas não creio que existam alternativas para sobreviver em um mundo que muda a cada instante.

Isto significa criar equipes autogerenciáveis, que tomam suas próprias decisões. Não existe a figura do chefe, mas todos tem mesma importância no processo de decisão. As equipes não têm chefes, mas existe uma liderança global, muito mais voltada a ser inspiradora que controladora.

Por outro lado, não existem intermediários entre a liderança e os times, o que significa que os níveis gerenciais intermediários, o famoso “middle management”, deixa de existir. Aliás, as lideranças controladoras são substituídas por “coaches”, orientadores e inspiradores.

A estrutura da liderança tem poucos “coaches” e um CEO com papel diferente dos que vemos nos CEOs tradicionais. Este conceito vai contra nosso senso comum. Mas muitas vezes ir contra o senso comum é criar uma inovação que fará toda a diferença. Manter alinhamento com o senso comum pode significar estar do lado errado, pois este senso comum, criado há décadas, pode não refletir o contexto atual.

Muitas vezes ir contra o senso comum é criar uma inovação que fará toda a diferença

Um exemplo histórico mostra isso: Nicolau Copérnico e sua teoria heliocêntrica. Copérnico está entre os gênios da astronomia moderna. Ele desenvolveu o sistema heliocêntrico, propondo que não seria a Terra o centro do sistema de planetas, mas sim o Sol.

Essa ideia ia contra o senso comum, já que quando o Sol era observado nascendo no leste e se pondo no oeste, intuitivamente se concluía que ele estava girando em torno da Terra. Mas não só por isso, a visão religiosa da época era tendenciosa ao colocar a Terra e, consequentemente, o homem, no centro da criação divina.  Assim, o modelo geocêntrico, atribuído a Aristóteles, ficou por muito tempo sem ser contestado.

O modelo atual das organizações foi refinado a partir das ideias criadas na década de 20 do século passado, na GM. O livro de Alfred P. Sloan Jr., “My Years With General Motors”, retrata como ele criou as bases da gestão moderna quando foi presidente da General Motors, de 1923 a 1937.

Um artigo de 1964, republicado pela HBR, “The Great GM Mystery” analisa o livro e as bases do então modelo de gestão que moldou as organizações do século 20. O cenário atual é completamente diferente do que era há 100 anos. A informação flui em tempo real e praticamente todas as tarefas e processos em uma empresa passam por meios digitais.

Mas como criar um modelo? Se a empresa está sendo criada hoje, é absolutamente perda de tempo criá-la dentro do modelo hierárquico tradicional. Esqueça a emulação de uma empresa bem-sucedida de 20 anos ou 25 anos de vida. Esta estará condenada a fracassar em pouco tempo. Comece do zero e crie seu próprio modelo organizacional.

O grande desafio é como transformar a estrutura organizacional de uma empresa que já existe. A transformação de uma empresa depende de mudança da mentalidade na alta administração. Os executivos precisam entender a urgência da mudança para a provocarem. Sem apoio e comprometimento do CEO e dos demais executivos C-level as mudanças não avançarão.

O CEO deve liderar a transformação. Agora, este novo CEO tem outro papel que o atualmente exercido pelos atuais CEOs. Continua sendo a face pública da empresa, mas ao contrário do atual que passa 100% do seu tempo aprovando budgets, gerenciando e controlando time executivo e planejando estratégias top-down, ele é muito mais voltado a inspirar a mudança, criando e sustentando um ambiente para a empresa funcionar de forma autogerenciável.

O segundo requisito é que o board da organização acredite na necessidade da transformação e apoie o CEO. Dificilmente a mudança será feita de uma única vez. É uma mudança que deve acontecer aos poucos, mas de forma persistente. Muitas barreiras serão encontradas, como das gerências intermediárias, que deixam de existir.

Essas pessoas não necessariamente vão embora da organização, mas cumprirão outro papel. Deverão entender que RH passa a significar Robôs e Humanos e que os algoritmos de IA serão parte integrante do seu dia a dia. Nem sempre esta mudança é bem aceita, principalmente por quem viveu a vida inteira em outro paradigma. A empresa tem que fazer grande esforço para mudar a mentalidade da liderança atual e transformar a cultura organizacional, consolidada por décadas, de um modelo de comando e controle. Não é em absoluto uma missão fácil.

Com este apoio, uma nova mentalidade incentivadora de mudanças cria atratividade e facilita a contratação de talentos que hoje inexistem na organização. Cito aqui uma frase do ex-CEO da Nike, Mark Parker, que disse: “Nós somos uma empresa de inovação. Inovação e design está no epicentro de tudo o que fazemos.” E complementa: “Eu sempre gosto de dizer que vamos nos concentrar no nosso potencial e na distância entre onde estamos e nosso potencial, não na distância entre nós e nossa concorrência. Isso é como um líder deve atuar.”

As empresas da internet são obrigadas a se reinventar constantemente pois estão no epicentro do vórtice de transformação digital

As empresas da internet são obrigadas a se reinventar constantemente pois estão no epicentro do vórtice de transformação digital, mas todas as organizações, mais cedo ou mais tarde, serão sugadas para este vórtice.  As empresas nativas digitais provaram que é possível ser ágil e eficiente, usando algoritmos para controlar seu dia a dia, como Alibaba, Amazon, Netflix e outras.

Com isso, estão transformando a velha economia industrial. À primeira vista pode parecer ser tecnologicamente amedrontador, mas está se mostrando cada vez mais viável. A disponibilidade de computação em nuvem e algoritmos de IA tornou acessível a qualquer empresa o acesso à computação em larga escala e às capacidades de analítica que os algoritmos podem prover.

Conforme essas inovações se disseminarem nas próximas décadas, serão vencedoras as empresas que se tornarem mais algorítmicas e inteligentes que as concorrentes. O futuro será das empresas inteligentes e autoajustáveis.

*Cezar Taurion é VP de Inovação da CiaTécnica Consulting, e Partner/Head de Digital Transformation da Kick Corporate Ventures. Membro do conselho de inovação de diversas empresas e mentor e investidor em startups de IA. É autor de nove livros que abordam assuntos como Transformação Digital, Inovação, Big Data e Tecnologias Emergentes. Professor convidado da Fundação Dom Cabral, PUC-RJ e PUC-RS.