Em 2016, a cearense Delfos era apenas uma ideia do empreendedor Guilherme Studart. Com um plano na cabeça e com a sola de sapato – ou melhor, com as milhas para viajar a Portugal – ele participou do programa Open Innovation, da EDP no fim daquele ano. Ele ganhou o primeiro lugar e recebeu um cheque de 50 mil euros para desenvolver o produto de sua startup, um sistema de manutenção preditiva e de previsão de falhas em sistemas de energia.

No fim de 2018, e depois de testar o sistema em um complexo eólico da EDP na Bélgica, a Delfos foi a primeira empresa receber um investimento da EDP Ventures, um veículo de venture capital criado pela EDP Brasil com R$ 30 milhões para investir em startups.

“Eles são um grande player que operam uma grande quantidade ativos. Quando eles enxergaram que o nosso produto tinha valor, isso deu confiança para a gente”, diz Studart, CEO e fundador da Delfos. “Eles nos ajudaram a aprender o que é realmente relevante desenvolver e quais são as dores principais do setor.”

A EDP Ventures é talvez a face mais visível das transformações pelas quais passa a operação da EDP Brasil. Nos últimos anos, uma das maiores companhias do setor energético brasileiro, com atuação nas áreas de geração, de distribuição e de comercialização, está se preparando de forma silenciosa para uma grande mudança seu modelo de negócio.

“O setor vai passar por uma transição 3D: descarbonização, descentralização e digitalização”, afirma Miguel Setas, presidente da EDP Brasil, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “Eu preciso ter uma visão estrábica: um olho no curto prazo e o outro no longo.”

Não é conversa fiada desse executivo português que comanda, desde 2014, a operação brasileira, que representa 20% da geração de caixa do grupo, está presente em 14 países, faturou R$ 12,8 bilhões e lucrou R$ 1,3 bilhão no Brasil em 2018 e conta com quase 3,2 mil funcionários no País.

Setas está literalmente chacoalhando as estruturas da companhia, incentivando desde a criação de um centro de excelência de robótica, para desenvolvimento de algoritmos que automatizem tarefas repetitivas da retaguarda da companhia, até investimentos em smart grid, tecnologia que transforma a rede elétrica, como está acontecendo em Vila Velha, com 52 mil consumidores.

“Preciso agir como um malabarista de circo que tem vários pratos no ar e não pode deixar nenhum deles cair”, afirma Setas. “Tenho de pensar a companhia para a próxima década, que está a apenas 100 dias de começar, colocando o olho no futuro, em coisas que só vão dar dinheiro daqui a 10 anos.”

Quer um exemplo? O carro elétrico. Em 2018, havia apenas 11 mil veículos elétricos no Brasil, apenas 0,05% da frota. Sob qualquer régua, investir nessa área é atender a um mercado insignificante. Mas não para Setas. “O tema mobilidade elétrica é muito importante para a EDP Brasil”, diz o executivo.

É fácil de entender a lógica de Setas quando se analisa uma pesquisa feita pela Boston Consulting Group. Segundo ela, 5% da frota brasileira será eletrificada em 2030, algo em torno de 2 milhões de veículos. Por esse motivo, a EDP Brasil já está trabalhando para construir a infraestrutura para “abastecer” esse contingente de carros.

A companhia, que já criou eletropostos na Via Dutra, rodovia que interliga São Paulo ao Rio de Janeiro, agora está investindo R$ 40 milhões para construir 30 pontos de carregamento ultrarrápidos em todas as estradas do Estado de São Paulo em até três anos. “O motorista vai fazer uma parada técnica e, entre 20 e 30 minutos, carregará 80% da bateria para poder seguir viagem”, afirma o presidente da EDP Brasil.

Setas entende do que está falando. O executivo é dono de um carro elétrico BMW i3 e todos os seus quatro vice-presidentes também usam o mesmo modelo para entender como é a experiência de rodar com um veículo deste tipo. “Somos a primeira diretoria brasileira em que todos têm um veículo elétrico”, afirma Setas.

A propósito, o carro elétrico faz parte do D da descarbonização.

Usinas solares

“Navegar é preciso, viver não é preciso”, dizia o lema da escola de Sagres, a escola náutica mais inovadora de sua época, criada pelo infante D. Henrique, no século XV.

Setas sabe que é preciso viver, o que, no mundo dos negócios, significa gerar caixa. E um dos principais projetos que visam a colocar um pé no futuro, mas que já traz receita, é o de geração distribuída de energia.

Um dos principais projetos que visam a colocar um pé no futuro, mas que já traz receita, é o de geração distribuída de energia

Um exemplo dessa atividade é a usina solar que a EDP construiu, em Minas Gerais, para a administradora de shopping centers Multiplan, para abastecer o VillageMall, no Rio de Janeiro. Trata-se de um parque de 24 hectares, o equivalente a 20 campos de futebol, com capacidade de 8 megawatts, o suficiente para gerar energia para 9,7 mil residências.

O Banco do Brasil também conta com projeto semelhante em Minas Gerais, Estado que dá isenção de ICMS para a energia solar, em que 58 agências são abastecidas com a energia de uma usina solar descentralizada.

A companhia já conta com contratos com várias empresas, atingindo uma demanda de 23 megawatts. O alvo é chegar em três anos a 100 megawatts. Setas diz que, até 2030, a energia solar deve representar até 10% da matriz energética brasileira.

Essa parte da estratégia representa o D da descentralização

Toda força aos robôs

A transformação digital da EDP Brasil não acontece apenas em sua estratégia de negócio. Ela está a todo vapor na retaguarda da companhia.

Setas criou um centro de excelência de robotização para automatizar uma série de tarefas repetitivas. Hoje, a EDP Brasil conta com 150 robôs que eliminam trabalhos rotineiros. São algoritmos desenvolvidos por uma equipe de 46 profissionais que tornam mais ágeis uma série de processos.

A emissão de boletos para pagamentos de impostos é um exemplo. Essa tarefa era um processo manual, nas quais profissionais precisavam entrar em diversos sites de órgãos federais, estaduais e municipais para coletar informações, acrescentar os dados ao sistema informatizado da alemã SAP e só, então, gerar o boleto. Hoje, tudo é automatizado.

Até mesmo para contratar pessoas a EDP Brasil está dispensado, pelo menos em uma das fases, a necessidade de humanos

Até mesmo para contratar pessoas a EDP Brasil está dispensado, pelo menos em uma das fases, a necessidade de humanos. A companhia fez parceria com a startup Kenoby, que usa tecnologia de inteligência artificial para filtrar os melhores currículos. “Antes, era 80% rotina e 20% inteligência. Eu quero o contrário”, afirma Setas.

O executivo admite que ao digitalizar diversas atividades muitos postos são fechados. Mas a EDP Brasil requalificou muitos profissionais para que assumissem as novas funções.

Antes de prosseguir, não custa lembrar que esse é o D de digitalização.

Inovação externa

Mas os 3Ds da estratégia da EDP Brasil não estariam completos sem a aproximação com as startups, como o caso da Delfos, citada no começo dessa reportagem.

A EDP Ventures conecta a companhia energética com o ecossistema de startups brasileiro. “A inovação não é mais feita apenas com os recursos internos de pesquisa e desenvolvimento”, afirma Setas.

O braço de venture capital da EDP Brasil já investiu em três empresas. Além da Delfos, receberam cheques do fundo a Dom Rock, um startup de análise de dados estruturados, e a Fractal, que trabalha com gestão de risco hidrológico.

Os gestores do fundo estão em busca de empresas que possam contribuir com conhecimento para a companhia. Mas, como um fundo de venture capital, buscam o retorno do capital.

“Mas o meu objetivo é fazer a empresa crescer”, afirma Rosario Canatta, responsável pelos investimentos da EDP Ventures. “E para fazer isso, ajudamos com validação tecnológica, mentoria e sobretudo com faturamento, apresentando parceiros, fornecedores e até mesmo competidores.”

Mas não pense que os investimentos são óbvios. “Posso entrar em um investimento que não é core para a EDP, mas que traz eficiência à operação”, diz Canatta. “Estou, por exemplo, procurando fintechs. Tenho 3,5 milhões de clientes que obviamente utilizam bancos.”

O relacionamento da EDP com as startups não se restringe ao fundo de corporate venture. A empresa criou também o programa Starter, que seleciona startups para acelerar. Nesse caso, não compra participação. “Elas são incubadas na EDP e damos condição para crescer”, diz Setas.

Essas empresas vão ajudar a companhia a mudar seu modelo de negócio. Atualmente, 50% da receita da EDP Brasil vem da geração tradicional de energia, 40% da distribuição e 10% da comercialização e outros serviços.

Setas acredita que no futuro, a receita de distribuição e transmissão de serviços como energia solar distribuída, carro elétrico e serviços de energia na ponta para o consumidor devem se tornar mais importantes.

“A EDP, no futuro, será uma empresa mais pendendo para redes e cliente final do que para geração centralizada”, afirma Setas. E, não custa lembrar do 3D: mais descarbonizada, mais descentralizada e mais digital.

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