Mesmo que você não seja um grande fã de filmes de terror, é bem provável que conheça a série "Halloween" e seu personagem, o assassino em série Michael Myers. O filme original, lançado em 1978, abriu as portas para o gênero que mais tarde ficaria conhecido como slasher e deu origem a diversas sequências.

Além do personagem marcante, boa parte do seu impacto se deve à trilha assustadora, composta pelo próprio diretor, John Carpenter, em seu sintetizador. Desde então, o cineasta americano tornou-se um dos mais cultuados pelos fãs de terror, ficção científica e ação, ao produzir filmes e trilhas sonoras influentes, como “Enigma de Outro Mundo” e “Fuga de Nova York”.

Nos últimos anos, Carpenter se lançou de vez na carreira de músico. Nessa trilha, acaba de chegar aos serviços de streaming o álbum "Lost Themes III", terceiro disco solo que ele grava com o filho, Cody Carpenter, e o afilhado, Daniel Davies. O primeiro, "Lost Themes", saiu em 2015, quando ele tinha 67 anos.

Foi um início tardio para uma carreira paralela, mas uma maneira de dar vazão à sua criatividade como compositor, que começou por acaso. Sem recursos para contratar uma orquestra, Carpenter resolveu recorrer ao sintetizador para aumentar a tensão de seus filmes.

Acabou tomando gosto pelo processo e escreveu a trilha para quase todos as suas produções. Nos últimos 20 anos, Carpenter só dirigiu dois filmes, o mais recente, em 2010. Ele seguiu compondo e resolveu lançar algumas dessas trilhas imaginárias em “Lost Themes”.

"Carpenter é um cineasta muito cultuado em muitos meios, mas é também uma figura influente na música", diz o crítico de cinema Marcelo Miranda, responsável pelo podcast Saco de Ossos.

O DJ Afrika Bambaataa, por exemplo, usou samples das trilhas do diretor ainda na década de 1980. Cliff Martinez, compositor de Hollywood conhecido por seu trabalho em filmes como "Drive" e "Contágio", também cita Carpenter como inspiração.

Sua influência como cineasta e como músico é duradoura e pode ser vista em diversas produções recentes. Um caso emblemático é "Bacurau", de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Vencedor do prêmio do júri do Festival de Cannes em 2019, é o filme brasileiro mais comentado dos últimos tempos.

A dupla de diretores menciona o cineasta americano regularmente em entrevistas. A escola de Bacurau, onde se passa a história, chama-se João Carpinteiro. E a homenagem maior acontece em uma sequência na qual os personagens participam de uma roda de capoeira ao som dos sintetizadores de "Night", faixa que está em "Lost Themes", do próprio Carpenter.

O álbum "Lost Themes III", que acaba de chegar às plataformas de streaming

"O sucesso de Carpenter é muito significativo", diz Miranda. "Por um lado, ele nunca teve ambição de ser considerado um autor e seus filmes foram inicialmente recebidos como entretenimento."

Com produções, em geral, de baixo orçamento, seus filmes arrecadaram US$ 282 milhões em bilheteria apenas nos Estados Unidos, de acordo com o portal americano Box Office Mojo. Com o passar do tempo, seu trabalho foi reconhecido em mercados como a Europa e analisado em profundidade.

No Brasil, quase todos os seus principais filmes podem ser encontrados em edições voltadas para colecionadores, repletas de conteúdo extra. E vários estão disponíveis em serviços de streaming. "Com um acesso fácil, você vê uma nova geração de realizadores que chega agora ao mercado e já cita o trabalho do diretor como referência", afirma Miranda.

O fato de Carpenter, hoje com 73 anos, seguir bastante ativo com certeza ajuda a manter viva sua influência. Embora esteja afastado das câmeras, ele tem uma editora de quadrinhos, a Storm King Comics. E, em janeiro deste ano, anunciou o lançamento de uma série de podcast sobre terror, em parceria com a mulher, Sandy King.

Recentemente, Carpenter deu pistas de que contempla um retorno às produções audiovisuais em um futuro não tão distante. “Mas não agora, enquanto o mundo está essa loucura. Não pretendo sair por aí e ficar doente”, disse em entrevista ao site americano The Daily Beast.