As fotografias pregadas na parede do escritório denunciam que o dono daquele espaço tem muita história para contar. Políticos da esquerda, do centro e da direita; cantores como Ivete Sangalo e o Rei Roberto Carlos; modelos como Gisele Bündchen e Cindy Crawford; e até o ex-presidente Lula vestindo uma camiseta do Gallery disputam espaço e a atenção de quem olha para o ambiente.

Eis José Victor Oliva, o homem que, por muitos anos, foi conhecido como o “Rei da Noite”, o criador da lendária boate Gallery, na avenida Haddock Lobo, no bairro paulistano dos Jardins. Ainda hoje, mesmo depois de décadas, ele é reconhecido como um dos grandes anfitriões, o dono da casa onde os bem-nascidos e os famosos do mundo inteiro batiam ponto na década de 80.

Não é exagero dizer que conversar com Oliva é como folhear uma enciclopédia viva da noite e do entretenimento nacional. Sentado em uma poltrona de couro, munido de um habano Romeo y Julieta, que acende com o pequeno maçarico, ele emenda um assunto no outro, contando a transformação do mercado e a sua própria.

Entre baforadas e goles de café expresso, Oliva discorre sobre a Holding Clube, seu grupo de empresas voltado para eventos e live marketing – um conglomerado que fatura cerca de R$ 300 milhões por ano. E, aos 65 anos de idade, fala com o mesmo entusiasmo de um garoto sobre o seu novo projeto: eventos sob a marca N°1. “Estou organizando o que será o melhor Réveillon da história”, diz Oliva ao NeoFeed. “O Réveillon N°1 em Itacaré.”

“Estou organizando o que será o melhor Réveillon da história”, diz Oliva

A marca N°1 e Oliva são como unha e carne. Uma está umbilicalmente ligada a história do outro. Foi sob o seu Banco de Eventos, empresa especializada em produzir eventos para grandes marcas, que o famoso camarote da cervejaria Brahma, na Marquês de Sapucaí, nasceu e se tornou um dos espaços mais cobiçados e falados na história dos carnavais.

Nomes como Madonna, Arnold Schwarzenegger, Jennifer Lopez passaram por ali ao longo dos anos. Foi lá, em 1994, que o então presidente Itamar Franco (1930-2011) foi fotografado ao lado da modelo Lilian Ramos, que trajava apenas uma camiseta, e dançava livre, leve e solta ao som da bateria. A imagem estampou capas de jornais, de revistas e se espalhou pelo País.

Há três anos, a Ambev decidiu deixar o espaço para apostar suas fichas no carnaval de rua e Oliva enxergou uma oportunidade. Conversou com os executivos da marca cervejeira e assumiu o comando do camarote e da marca N°1. O rótulo de cerveja agora é só patrocinador e Oliva vende ingressos para quem sempre sonhou com a farra momesca e a exclusividade do ambiente que foi palco de celebridades.

A cantora Preta Gil se apresentando no Camarote N°1

Neste ano, sob a batuta da Holding Clube, foram criados vários eventos ao redor da marca N°1 durante o carnaval no Rio de Janeiro. Entre eles, o Hotel N°1 no hotel Prodigy, no aeroporto Santos Dumont; a balada N°1; a feijoada N°1 e, claro, o camarote N°1 na Marquês de Sapucaí. Na virada do ano, pela primeira vez fora do carnaval, virá o Réveillon N°1, em Itacaré. “Estamos investindo R$ 12 milhões nesse projeto.”

A ideia é fazer com que 4 mil pessoas se desloquem para a cidade litorânea no Sul da Bahia para curtirem cinco dias ininterruptos de festa. Para tornar o evento famoso, Oliva levará um exército de blogueiros. “Antes a gente comprava capa de revista de celebridade, hoje ninguém mais vê”, diz ele sobre o sinal dos tempos. Por isso, vai convidar 30 influenciadores digitais. “O pessoal de gastronomia, de hotelaria, de praia, de surf.”

Depois do Réveillon, o objetivo é criar um calendário de eventos sob o guarda-chuva N°1. Estão nos planos, por exemplo, as festas de São João em Caruaru e em Campina Grande. Oliva vai investir dinheiro do próprio bolso no negócio e buscar parceiros para entrar no projeto. Mas ele não tem medo de errar. “Errar faz parte”, diz Oliva. “Você só tem que acertar mais do que errar.”

Nada do que foi será

O empresário não tem vergonha de falar dos erros. “Já fizemos uma empresa de crowdfunding e praticamente quebrou”, diz ele. E prossegue. “Entramos em empresas de restaurantes e boates e foi uma m...” Neste caso específico, ele se refere ao Grupo Vegas, do empresário Facundo Guerra. Oliva comprou uma participação de 20% e diz que esperava, com o negócio, ter uma base de dados dos jovens para ativar promoções.

“A empresa era tão bagunçada, que ia demorar e a gente ia gastar o dobro para arrumar aquilo”, diz Oliva sobre o grupo que concentrava marcas como o Cine Joia, o Riviera, entre outras. Procurado pelo NeoFeed, Facundo Guerra dá outra versão sobre a história. “Era o José Victor Oliva que administrava. Se estava uma bagunça, a culpa é dele”, diz Guerra. “A administração dele era incompetente. Mas a minha diferença com ele era em relação à ética.”

Facundo diz que Oliva tem uma maneira obsoleta de ver os negócios. “Ele é grosseiro e autoritário com as pessoas, isso me incomodava muito”, diz Guerra. “A sociedade acabou há um ano e meio, ele ficou com o bar Riviera e o Mirante Nove de Julho e, de tão mal administrados, ele repassou os negócios”, afirma Guerra. “Não sei por que esse senhor ainda fala de mim. Eu nem lembro da existência dele.”

“Ele é grosseiro e autoritário com as pessoas, isso me incomodava muito”, diz Facundo Guerra

Indagado sobre as acusações de Guerra, Oliva devolve. "Ele que é incompetente e falso em tudo o que faz", diz. "Me vendeu gato por lebre, ele só faz espuma", diz. Oliva faz um mea culpa sobre o investimento no grupo. “Foi um erro voltar ao negócio da noite." O Lulu Santos fala. ‘Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia’”. E não é mesmo. O empresário é um ser em constante mutação, que vem se transformando ao longo dos anos.

“Frequentei 7 mil noites seguidas, amava a noite, amava o que eu fazia. Tive o Gallery, o Moinho Santo Antônio, o Resumo da Ópera, o Banana Café, dez restaurantes e fui muito bem-sucedido. Mas chegou um momento em que esse amor começou a fraquejar.”

O amor pela noite diminuiu quando casou com a jogadora de basquete Hortência Marcari e os dois filhos nasceram. A rotina passou a ser cada vez menos saudável. Ele saía as 20h, passava em todas as boates e restaurantes, e voltava as 6h para casa. Chegou um dia em que olhou para os filhos, a família, chamou os sócios e disse “acabou”. O “acabar” de Oliva era, na verdade, recomeçar – mas não a partir do zero.

Nessa época, ele já fazia eventos para marcas. “O que me fascinou era tornar as marcas mais premium, mais midiáticas, mais agradáveis. Utilizar o entretenimento, minha relação com a mídia e estar mais próximo da promoção de vendas” diz ele. O publicitário Washington Olivetto, um dos mais premiados do Brasil, define bem o amigo de décadas. “O Victor sempre foi um alucinado em fazer o novo de novo”, diz ele ao NeoFeed.

“O Victor sempre foi um alucinado em fazer o novo de novo”, diz Washington Olivetto

E, se era barulho o que o Gallery e suas outras casas faziam, era isso o que Oliva decidiu fazer com as marcas. "Sou uma pessoa exagerada e exibida. Não tenho receio de me expor”, diz ele, lembrando o caso que fez o seu Banco de Eventos ganhar espaço no cenário nacional e crescer exponencialmente.

O porta-aviões Minas Gerais na sua rota

O ano era 1997 e Oliva participava de uma concorrência para o lançamento da Coca-Cola Diet no Brasil. Os executivos diziam que ganharia a disputa quem tivesse a melhor ideia. Depois da reunião, com aquilo martelando sua cabeça, o empresário embarcou no voo do Rio de Janeiro para São Paulo e, do alto, viu o porta-aviões Minas Gerais. “Na hora me deu um estalo”, diz ele.

Mal aterrissou na capital paulista, comprou outra passagem e voltou para o Rio de Janeiro. Chegando lá, foi direto na Marinha e bateu na porta do comandante. Oliva queria alugar o porta-aviões para o lançamento da Coca-Cola. “O guarda não entendia nada. Mas eu dizia para ele que eu era o marido da Hortência, tinha uma empresa séria e não era um lunático”, diz ele.

Chamaram o tenente, que escutou a história, e o levaram até o comandante, que arrumou uma entrevista com o ministro da Marinha. Só que no dia seguinte. Com a roupa do corpo, Oliva partiu para Brasília e convenceu o ajudante de ordens do ministro a permitir a festa de arromba no porta-aviões com a condição de convidar os marinheiros, doar uma quantidade de cestas básicas e usar a banda da Marinha no evento. “Saí de lá me sentindo o rei da cocada preta.”

Ao comunicar para a Coca-Cola sobre a novidade, ficou sabendo que, por falta de uma licença, a empresa não lançaria mais o refrigerante e o evento seria cancelado. “Nesse dia, eu quase morri”, diz ele. “Mas decidi que faria alguma coisa lá, nem que fosse o meu aniversário.” Ao voltar do Rio de Janeiro para São Paulo, com a cabeça fervendo, encontrou o publicitário Washington Olivetto na poltrona ao lado e comentou o que havia acontecido.

Olivetto perguntou quanto custaria o evento e, inesperadamente, sacou o talão de sua mala e assinou um cheque de R$ 2 milhões. E avisou que era um cheque caução. “Vamos fazer o lançamento da sandália Rider nesse porta-aviões”, disse Olivetto. E assim aconteceu, com show de Ivete Sangalo, na época ainda na Banda Eva, e de Lulu Santos tocando “Descobridor dos Sete Mares” junto com a banda da Marinha.

“As pessoas normais não fazem o que eu faço. Porque você tem uma ideia e depois passa seis meses com uma baita dor de cabeça tentando resolver”, diz Oliva

“As pessoas normais não fazem o que eu faço. Porque você tem uma ideia e depois passa seis meses com uma baita dor de cabeça tentando resolver”, diz ele. Olivetto concorda nesse ponto e relembra do dia em que Oliva, em 1986, fretou um avião e lotou de gente para que as pessoas pudessem ver o cometa Halley por cima das nuvens. “Só a mãe dele viu o cometa com medo de que o filho levasse porrada”, brinca Olivetto.

A parceria dos dois vai além da profissional. Olivetto foi duas vezes padrinho de casamento de Oliva. Do primeiro casamento com Hortência e, depois, no segundo casamento com Tatiana, com quem Oliva tem duas filhas. Quando Washington Olivetto foi sequestrado, em 2002, Oliva fez uma promessa que iria até Aparecida do Norte a pé, se ele aparecesse. Com a demora, dobrou a promessa, dizendo que iria duas vezes a pé até Aparecida. Depois de 53 dias em cativeiro, o publicitário foi encontrado. “Ele cumpriu a promessa”, diz Washington.

Tudo por uma ideia

Em tempos no qual a inovação passou a ser a palavra de ordem em dez entre dez empresas, Oliva faz questão de afirmar que isso não tem nada a ver com a idade e nem com tecnologia. “A grande maioria dos jovens diretores de marketing tem uma ideia errada de que só jovem faz inovação. Olha o Roberto Medina, do Rock in Rio, o quão inovador ele é. E ter idade é bom, você sente pelo cheiro o que não vai dar certo.” E continua. “O fato é que nada substitui a grande ideia.”

Foi isso o que chamou a atenção da executiva Erika Junqueira, head de Starbucks At Home no Brasil. Antes de lançar a marca de cápsula de café no País, a empresa organizou uma concorrência e a Samba, uma das agências de Oliva, participou da disputa. “Eles foram o que fizeram o melhor planejamento de acordo com o briefing”, diz Erika Junqueira, head de Starbucks At Home no Brasil.

“Enquanto todas as agências vinham com ideia de fazer uma casa conceito para apresentar o café, eles vieram com uma ideia original de apresentar nas casas das pessoas”, diz a executiva. O resultado é que a apresentação do café para a imprensa e blogueiros aconteceu na casa do arquiteto David Bastos. O evento de apresentação para consumidores foi na casa do empresário Dinho Diniz.

No portfólio de empresas da Holding Clube, além da Samba, figuram o Banco de Eventos, a Lynx, a Cross Networking, a Storymakers, a Roda, a Beto Pacheco, a Pazetto Events, a Rio 360, a Panda Criativo e a Cia da Consulta. Oliva também mantém um bom pé na inovação com o Festival Path, uma espécie de SXSW, o famoso festival de criatividade que acontece em Austin, nos EUA, só que abrasileirado. “Há dois anos compramos 40% do Path”, diz ele.

O avanço digital está nos planos do empresário. “Nos próximos cinco anos, vamos investir completamente em gente, em tecnologia e, principalmente, em dados. Integrar o digital com o mundo ao vivo. Sem perder, como ele mesmo diz, o “amadorismo”. “Gosto da palavra amador porque acho que o amador é realmente o profissional. Ele ama o que faz e faz bem. Sonha com aquilo noite e dia.”

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