O empresário Laércio Cosentino, fundador e presidente do conselho de administração da Totvs, tem no currículo mais de 40 aquisições. Foi assim que ele construiu a maior desenvolvedora de software do Brasil, com faturamento de R$ 2,2 bilhões e valor de mercado de R$ 15,6 bilhões.

Mas na terça-feira, 17 de novembro, ele não pode comemorar uma vitória em um negócio. Os acionistas da Linx aprovaram em assembleia a venda para a Stone por R$ 6,7 bilhões, dando fim a uma novela de pouco mais de três meses que teve um “intruso” tentando estragar essa festa: exatamente a Totvs, de Cosentino.

A Totvs tentou comprar a Linx com uma proposta de R$ 6,1 bilhões, a maior parte desse valor em dinheiro. No fim, a Stone venceu, mas teve que gastar quase R$ 700 milhões a mais para levar a Linx. A proposta da Totvs não chegou a ser considerada pelos conselheiros da Linx e não foi levada à assembleia para ser votada.

“Respeito a decisão dos investidores da Linx. Eles são soberanos, mas gostaria que as duas propostas estivessem no mesmo momento (na assembleia) e se discutisse uma ou outra”, disse Cosentino ao NeoFeed. “Se você olhar o desdobramento, o resultado teria sido diferente se os fundadores, que eram parte interessada, não tivessem votado.”

Apesar disso, Cosentino afirma que já virou a página da Linx e não sente frustrado com o resultado. “Frustração teria se não tivesse jogado um fair game”, afirmou. “O M&A da Linx era mais uma peça em toda a nossa estratégia. Mas era relevante e essencial? Era boa, mas seguimos em frente.”

O que significa seguir em frente, no caso da Totvs? Em duas palavras: mais aquisições. A companhia tem R$ 1 bilhão em caixa e espaço para fazer dívida. Negócios que envolvam ações também serão considerados, como mostrou a oferta pela Linx. “O M&A é uma parte integrante da nossa estratégia e vamos continuar tendo isso”, diz Dennis Herszkowicz, presidente da Totvs. “Temos diferentes tipos de munições para fazer aquisições.”

A Totvs busca ativos em três áreas: gestão, techfin e business performance. “A Linx reforçaria o pilar de gestão. Não quero dizer que não era interessante, porque competimos até o fim”, afirma Cosentino. “Mas temos outros dois pilares.”

Dennis Herszkowicz, presidente da Totvs

As três aquisições mais recentes da Totvs ilustram um pouco essa estratégia. Em setembro do ano passado, a empresa comprou a Supplier, por R$ 452 milhões, que marcou a entrada da Totvs com o pé, a cabeça e a alma na área de techfin. Em dezembro foi a vez da Consinco, da área de varejo, em uma transação que pode chegar a R$ 252 milhões. Em abril deste ano, adquiriu a Wealth Systems, por R$ 27 milhões, que atua na área de sistemas de gestão.

Questionado se o alvo da Totvs agora não será mais “um elefante” como a Linx, mas sim negócios menores e mais pontuais, Cosentino usou da mesma metáfora para responder. “Um elefante é importante para preencher o espaço, mas uma onça ou um guepardo, que são mais rápidos, são melhores”, afirma o fundador da Totvs. Ele diz também sempre tem um plano B, caso o negócio não dê certo. Mas não afirma qual será, quando perguntado.

O crescimento da Totvs, no entanto, não será baseado só em aquisições, reforça Herszkowicz. A companhia acredita que tem espaço para expansão orgânica. Outra parte que será importante é a de parcerias, diz o presidente da Totvs, citando acordos com Creditas, BV e VTEX. Com está última empresa, a companhia mantém uma joint venture para a área de comércio eletrônico.

Apesar da página virada, ao longo da conversa com o NeoFeed, Cosentino fez críticas indiretas a questões de governança do negócio com a Linx ao elogiar essa área na Totvs. “Temos sete membros no nosso conselho de administração e seis deles são independentes. Só um é conflitado, que sou eu”, disse Cosentino.

Os três fundadores da Linx, Alberto Menache, Nércio Fernandes e Alon Dayan, fazem parte do conselho de administração da Linx, mas não participaram das decisões do board sobre as propostas da Stone e da Totvs. Essas decisões ficaram a cargo dos dois conselheiros independentes, João Cox e Roger Ingold.

Mas os fundadores da Linx foram autorizados a votar na assembleia de acionistas convocada para avaliar a proposta da Stone. O voto foi autorizado pelo colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que não seguiu a área técnica, que entendeu que havia conflito de interesses no caso.

A decisão foi polêmica e foi criticada pela Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), que em carta se disse preocupada com a decisão do colegiado da CVM. “A consequência direta é que se remete toda e qualquer discussão sobre a mitigação dos conflitos de interesse para uma fase futura, quando eventual prejuízo já estará consolidado”, disse o presidente da entidade, Fábio Coelho, no documento.

De acordo com uma fonte que acompanhou de perto os bastidores da briga entre Stone e Totvs para comprar a Linx, a decisão foi fundamental para a proposta da Stone sair vencedora. “Eles ganharam no tapetão”, diz essa fonte. “Sem essa decisão, o negócio não seria aprovado.”

Os votos dos fundadores da Linx foram, de fato, fundamentais para que o negócio com a Stone fosse aprovado. Na assembleia, eram necessários que metade da base acionária da Linx concordasse com a transação, o que representava 87,5 milhões de ações. Pelo sim, votaram detentores de 97,4 milhões de ações. Sem os votos de Menache, Fernandes e Dayan, que são donos de 27,7 milhões de ações, a transação não teria passado.

O negócio foi também criticado por conta dos valores de não competição que seriam pagos aos fundadores da Linx e ainda pelas multas em caso de a transação não sair. Tanto que a Stone teve de, em uma segunda oferta, reduzir essas cifras.

No dia da assembleia, a Stone refez as contas e acrescentou mais R$ 270 milhões em dinheiro ao negócio. Questionado sobre isso, o CEO da Stone, Thiago Piau, disse o seguinte:  “Desde o começo tentamos ser técnicos sobre o valor intrínseco da Linx. Os acionistas ficaram felizes”, afirmou sobre esse aumento de valor de última hora, em uma teleconferência com jornalistas, após a aprovação do negócio pela assembleia de acionistas.

Sobre esse assunto, Cosentino apenas diz: “Não mexemos em nada na nossa oferta e o outro lado teve de colocar mais R$ 700 milhões.” E conclui: “Praticamos aquilo que acreditamos: regra de governança corporativa a gente apoia, defende e vive na plenitude.”

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