Com um caldeirão que inclui fatores como um contexto macroeconômico local e global desafiador, um cenário político marcado por seguidos ruídos entre os poderes e uma agenda que certamente será pautada pelas eleições no fim do ano, 2022 promete ser um ano difícil para o Brasil.

Para André Esteves, sócio sênior e chairman do BTG Pactual e um dos principais nomes do mercado financeiro, nas entrelinhas dessas perspectivas, há questões que permitem enxergar um horizonte mais positivo para o País.

Essa foi a visão passada pelo banqueiro na manhã desta quarta-feira, 23 de fevereiro, no CEO Conference, evento do BTG Pactual. E que teve como ponto de partida justamente as expectativas em relação à corrida presidencial.

“Podemos olhar a vizinhança, a Argentina, e entender claramente o que não funciona. Seria um erro grosseiro insistir nessa direção”, afirmou Esteves. “Por outro lado, eras de cavalos de pau institucionais, ou qualquer coisa nesse sentido, estão fadadas ao fracasso e a serem taxadas como aventura.”

Apesar das claras referências a Lula e Jair Bolsonaro, os dois candidatos que prometem concentrar a disputa no pleito desse ano, Esteves ressaltou que esses dois nomes podem entregar mais do que, a princípio, sinalizam ao mercado e aos eleitores.

“Há muita fumaça no espelho e temos que entender que esses movimentos retóricos fazem parte do processo e do jogo político“, disse. “Mas prefiro olhar o copo meio cheio dos dois candidatos líderes nas pesquisas.”

Sob essa ótica, ele recorreu a passagens e ao histórico da dupla. No caso de Bolsonaro, Esteves ressaltou que, apesar das confusões e declarações inapropriadas, seu governo evoluiu na agenda reformista, de forma “razoavelmente funcional”. E tem bons nomes em seu quadro de ministros.

Em relação à Lula, o banqueiro citou o primeiro mandato do ex-presidente, que teria contrariado as expectativas pouco otimistas do empresariado, do establishment e da mídia. “Quando ele se sentou na cadeira, o que vimos foi um Lula totalmente palatável, que fez um ótimo primeiro governo”, observou Esteves.

O mesmo viés mais positivo, sem deixar de frisar eventuais erros de abordagem, foi adotado em outro tema diretamente ligado à eleição: a necessidade de, seja qual for o presidente eleito, negociar para ter uma base sólida no Congresso, especialmente com o poder crescente dos políticos do chamado Centrão.

“Em geral, o establishment vê com certa distância e até um pouco de desprezo esse centro brasileiro. Mas foi essa geleia política que, nos últimos anos, na hora H, nos manteve republicanos”, disse. “Então, com boas propostas e uma capacidade de articulação, você consegue aprovar o que é preciso.”

Nesse sentido, apesar das dificuldades no diálogo entre o Executivo e o Legislativo, ele destacou exemplos recentes como as aprovações da atuação independente do Banco Central, “após 20 anos de debate”, e o marco regulatório do Saneamento.

Esse olhar também se estende à relação entre os poderes Executivo e Judiciário, marcada por uma série de conflitos recentes. Mesmo destacando que cada um desses atores invadiu, aqui e ali, essas outras esferas, Esteves enxerga esse cenário de aparente instabilidade institucional de maneira construtiva.

“A Coreia do Sul foi extremamente bem-sucedida nas últimas décadas e, no entanto, todo ano tem uma guerra de sapatos no seu Congresso. É uma maturidade natural do processo”, disse. Ele destacou que, no Brasil, há alguns anos, havia maior subordinação dos outros poderes ao Executivo.

“O Legislativo e o Judiciário ganharam maior independência de lá para cá”, ressaltou. “É claro que é preciso respeitar os limites e ficar cada um no seu quadrado. Mas houve uma evolução e eu prefiro esse modelo atual.”

Ao mesmo tempo, Esteves entende que o Brasil e outras economias emergentes podem se beneficiar do fato de terem adotado medidas como o aumento da taxa de juros para combater a pressão inflacionária. Especialmente quando comparados à demora dos países desenvolvidos em seguir esse caminho.

“Somos treinados em inflação, nos mexemos rápido e estamos na frente de todos os bancos centrais do mundo”, disse. “Minha impressão é que, nos Estados Unidos, os 15 anos de taxa de juros zero e inflação baixa desprepararam uma geração inteira de economistas, traders e gestores de portfólio.”

Nesse cenário, ele ressaltou que a perspectiva de correção de preço dos ativos financeiros globais pode trazer um contexto bastante favorável ao Brasil.

“O dinheiro fluiu muito para esse grande segmento emergente que é o mercado tech americano”, comentou, citando, na sequência, a derrocada nas ações do setor. “Essa correção ainda está no terceiro round. Ainda temos uns 10 rounds pela frente. O setor vai apanhar um pouco mais.”

Na contramão dessas perspectivas menos animadoras para as ações de growth, como as empresas globais de tecnologia, ele disse que ativos brasileiros podem ganhar espaço com a busca dos investidores por outros perfis de companhias.

“O Brasil tem valor nesse contexto, pois têm boas companhias, com múltiplos relativamente baixos e uma taxa de juros que hoje é um diferencial”, pontuou. “Então, o País entrou de novo no radar.”