A LojasKD e a MadeiraMadeira foram fundadas em Curitiba. As duas empresas também atuavam em áreas similares, vendendo móveis pela internet. Mas, ao longo de suas histórias, ambas viveram trajetórias diferentes.

Em janeiro deste ano, a MadeiraMadeira recebeu um aporte de US$ 190 milhões liderado por Softbank e Dynamo e se tornou um unicórnio, como são chamadas as startups que valem mais de US$ 1 bilhão.

A LojasKD, que havia feito uma rodada seed com a Astella Investimentos em 2012, depois de um processo de recuperação judicial, fechou as portas em 2018, com dívidas milionárias.

O que fez a MadeiraMadeira conseguir ser uma das poucas startups brasileiras a se tornar um unicórnio e a LojasKD virar uma estatística das empresas que não conseguem sobreviver é uma linha tênue que separa o sucesso do fracasso.

“Não foi um único motivo, foi um conjunto de fatores”, diz Thiago Fiorin, ex-CEO da LojasKD, que chegou a faturar R$ 120 milhões em 2016 e a contar com 160 funcionários. “Não trouxemos um CFO em um determinado momento e não levantamos mais capital, pois a empresa gerava caixa que financiava seu crescimento.”

A partir de meados de 2017, as coisas começaram a piorar. Como um acidente de avião, o cenário se deteriorou por vários motivos. Primeiro, a migração do centro logístico para outra cidade deu errado. Na sequência, uma falha no algoritmo de precificação baixou os preços dos produtos, levando a prejuízos.

A companhia também contratou um executivo financeiro júnior, que atrasou pagamentos. A partir daí, os protestos começaram a chegar. No auge, foram mais de mil – a maioria de valores baixos –, mas que gerou um efeito cascata e impediu que a LojasKD conseguisse mais crédito em bancos.

Quando se deu conta, o "avião" da LojasKD estava em queda. A companhia até tentou uma recuperação judicial no fim de 2017. Mas pouco tempo depois teve, literalmente, que fechar as portas. “Tínhamos crescimento parecidos (LojasKD e MadeiraMadeira), mas a nossa estrutura de capital não permitiu seguir adiante.”

A trajetória de Fiorin, exposta de forma nua e crua (e também com coragem), é o caminho que muitas startups seguem no Brasil. Mas por que as startups falham e fecham as portas? Uma pesquisa da consultoria americana CB Insights, que acaba de ser divulgada, traz algumas pistas sobre as razões.

O relatório, que acompanhou 111 startups que foram à falência nos Estados Unidos desde 2018, mostrou que 38% delas deixaram de existir porque ficaram sem dinheiro ou não conseguiram mais levantar capital. Na sequência aparece um item crucial: o produto ou o serviço não tinha necessidade de mercado (35%).

Outros fatores importantes, segundo a pesquisa da CB Insights, são o fato de a startup ser vencida por um competidor (20%), ter um modelo de negócios falho (19%), ter enfrentado questões regulatórias ou desafios legais (18%), mantinha custos altos (15%) e não havia conseguido construir um time certo (14%).

O relatório da CB Insights mostrou que 38% delas deixaram de existir porque ficaram sem dinheiro ou não conseguiram mais levantar capital

“É do jogo falhar”, diz Edson Rigonatti, sócio da Astella Investimentos. “Em venture capital, a gente brinca que o importante não é a frequência do erro, mas a magnitude do acerto.”

Outra pesquisa da própria CB Insights joga cores às palavras de Rigonatti. De mais de mil empresas que captaram rodadas seed em 2008, 2009 e 2010 nos Estados Unidos, 46% conseguiram levantar uma segunda rodada. E só 2% chegaram a uma sexta rodada. Quantas se transformaram em unicórnios? Apenas 1%.

O NeoFeed conversou com investidores de venture capital e empreendedores brasileiros para entender se esses dados, que levam em conta o mercado americano, podiam ser aplicados ao Brasil. De uma forma geral, sim. Mas com algumas adaptações.

No Brasil, questões como desentendimentos com sócios, desalinhamento entre investidores e empresa, dificuldade para levantar capital e para competir com alguém de fora e foco na solução em vez do problema a ser resolvido são citadas como fatores que levam uma startup à falência.

“A maioria das startups morre de suicídio, por questões internas como briga de sócios ou times errados, em vez de homicídio, que são os fatores externos como o mercado ou os aspectos regulatórios”, afirma Luiz Guilherme Manzano, sócio do fundo de venture capital Big Bets.

Não é fácil encontrar histórias de startups que falharam – o fracasso ainda tem um peso muito grande aos empreendedores que não deram certo. Casos conhecidos são do site de compras coletivas Peixe Urbano, que foi reduzindo de tamanho até ser vendido para o chinês Baidu e, na sequência, para um grupo de investidores antes de ser fechado, e da empresa de patinetes Grow (fusão da Grin com a Yellow), que faliu em 2020.

A verdade é que, muitas dessas histórias de falhas, que poderiam ser usadas para aprendizados, são escondidas e colocadas para debaixo do tapete. A percepção geral é que o investidor brasileiro demora para fechar a startup (até por questões burocráticas) e busca formas de encontrar uma saída honrosa. Em geral, uma fusão com outra empresa.

Observe o caso da Smartbill, uma startup de pagamento recorrentes fundada pelo empreendedor Maurício Kigiela. A empresa foi criada para atender pequenos negócios. Mas o produto desenvolvido era tão completo e complexo de instalar que se destinava a outro público. “Migrei para um mercado que não era nem de pequenas empresas, nem de grandes. O foco eram companhias com faturamento entre R$ 50 milhões e R$ 300 milhões”, afirma Kigiela.

A “pivotada”, jargão dos startupeiros para se referir a mudança do modelo de negócio, deu certo. A companhia cresceu, ganhou clientes e ia de vento em popa. Mas, em 2016, o impeachment da presidente Dilma Rousseff, intensificou a crise econômica e os clientes sumiram.

“Eu precisava fazer uma reestruturação para atender os pequenos negócios ou as grandes empresas”, diz Kigiela. Mas, para isso, seria necessário mais dinheiro, que não veio. A solução foi ser vendida para a rival Vindi (comprada, em 2020, pela Locaweb). Na época, o negócio foi anunciado como fusão. Na verdade, era uma compra.

Essa é, na verdade, uma estratégia bastante usada para manter viva uma startup, segundo diversas fontes com as quais o NeoFeed conversou. Em vez de fechá-la, faz-se uma fusão e a startup é absorvida com parte do time. Assim a vida segue como se nada tivesse acontecido.

“Preste atenção nesses negócios cujos valores não são anunciados. Na maioria das vezes, são com startups que estão com dificuldades”, diz um empreendedor que conhece diversos casos desse tipo.

Outro sintoma de que algo não vai bem, segundo essa fonte, é quando uma empresa está há três ou quatro anos sem captar recursos. “É um sinal de que os investidores não acreditam mais na empresa.” E, sem dinheiro, como mostra a pesquisa da CB Insights, as chances de falir crescem de forma exponencial.

Mas receber dinheiro dos investidores não necessariamente será sempre a solução. Às vezes, é o contrário. O empreendedor Leonardo Simão, fundador do site de comércio eletrônico Bebê Store, que o diga.

A startup, um comércio eletrônico de artigos para bebês, havia captado com o fundo europeu Atomico, de Niklas Zennström, o fundador do software de comunicação Skype. Em 2014, comprou o rival americana Baby.com e se consolidou no mercado brasileiro.

Simão, então, buscou um novo investidor e trouxe o fundo sul-africano Naspers à mesa de negociações. “Nessa época, os problemas começaram”, lembra ele.

Segundo a versão de Simão, o Atomico ficou relutante com o novo sócio e complicou as negociações. Sem o Naspers, o próprio fundo de Zennström fez uma proposta de aporte, que praticamente tirava o empreendedor da base de acionistas. “Era uma diluição enorme e a coisa azedou”, diz Simão.

Sem acordo, Simão negociou sua saída da empresa em 2015. A partir daí, a startup passou a ser tocada por executivos e durou mais três anos até ser fechada. “O Atomico deixou a tese de e-commerce e também tinha problemas macroeconômicos do Brasil, como o dólar muito alto na época”, afirma Simão, como fatores que atrapalharam a conversa com o fundo europeu.

Mas o que leva uma startup a fechar, enquanto outras ficam à beira da falência, conseguem não só superar a crise, como fazer um reviravolta em sua trajetória? Tome como exemplo o Méliuz, que foi a primeira startup brasileira a abrir o capital na B3, em novembro do ano passado, e hoje vale R$ 8,1 bilhões – as ações valorizam-se mais de 500% desde o IPO.

Em 2017, o Méliuz quase foi à falência. Neste ano, a companhia lançou o “Projeto Guerra”, um plano audacioso para levar o cashback, até então exclusivo do mundo online, para offline. E deu tudo errado, conforme lembra Lucas Marques, COO e sócio do Méliuz.

“Começamos gigantes, sem fazer um MVP (minimum viable product), contratamos gente sem avaliar a cultura, não fizemos o planejamento financeiro correto e lançamos o produto na correria o que fez o aplicativo ter uma experiência ruim e estar cheio de bugs”, conta Marques.

Como o Méliuz saiu dessa situação? De acordo com Marques, rapidamente eles perceberam o erro. A solução, no entanto, não foi sem dor. A companhia teve de fazer uma grande demissão e fechar linhas de negócios.

E teve ainda de buscar mais recursos com os investidores (Monashees, Lumia Capital, FJ Labs e Endeavor Catalyst). “Sem o dinheiro dos investidores, conseguiríamos sobreviver, mas ia demorar mais tempo para reconstruir a moral da equipe”, afirma Marques.

Para Marques, que escreveu o livro Empreender: a arte de se f*der todos os dias e não desistir, em conjunto com Israel Salmen, CEO do Méliuz, o que conta é a capacidade dos empreendedores apanharem todos os dias e se adaptarem. “É preciso muita resiliência”, afirma.

Não deixa de ser verdade. Fiorin, da LojasKD, Kigiela, da Smartbill, e Simão, da Bebê Store, são exemplos de que, mesmo depois de falharem, não desistiram e, hoje, são mais experientes para enfrentar novos desafios.

Kigiela, por exemplo, além de ser um investidor-anjo de startups, está em seu quarto empreendimento: a DocSales, uma plataforma de assinaturas eletrônicas. Simão criou o e-captei, que ajuda empreendedores a captar recursos com investidores. Ele também escreveu o livro Do Zero ao Exit: um manual completo da criação e da captação de recursos para startups.

Fiorin, por sua vez, atua como advisory de diversas startups, enquanto ainda lida com alguns problemas jurídicos da falência da LojasKD. Ele, no entanto, diz que já tem várias ideias para empreender e que, em breve, deve voltar a esse universo.

Afinal, errar é do jogo (e até esperado). O importante é aprender com os erros – e só cometer novos erros.