Em abril, a Organização das Nações Unidas lançou seu Relatório de Síntese Mudança Climática 2023. O estudo faz uma análise de ações e soluções em relação ao aquecimento global e indica que ainda há tempo para assegurar um futuro habitável, mas para isso é necessário tomar medidas urgentes.

O professor da Columbia Business School Bruce Usher concorda com o parecer da ONU. Para ele, uma catástrofe climática pode ser evitada com investimentos rápidos e robustos em empresas e projetos que reduzam as emissões de gases.

Usher demonstra o raciocínio no seu mais recente livro "Investing in the Era of Climate Change" (Investindo na era das mudanças climáticas, ainda sem tradução e previsão de lançamento em português), um dos melhores livros sobre meio-ambiente do ano segundo o Financial Times.

Em entrevista exclusiva ao NeoFeed, o autor diz que as dores das mudanças climáticas já são visíveis e acenderam o sinal de alerta para investidores, mas é necessário fazer mais. “A descarbonização da economia exigirá investimentos maciços. Esses esforços só serão atingidos com muito capital dos investidores”.

Focando mais nas soluções do que nos problemas, o livro lista tecnologias que podem mitigar os efeitos do aquecimento global – passando por energia renovável, veículos elétricos, armazenamento de bateria, hidrogênio verde e remoção de carbono – e coloca o capital de investimento como meio de “salvar-nos de nós mesmos.”

Os capítulos norteiam o investidor sobre soluções a serem tomadas e passa por temas como Mitigação de riscos; Desinvestimento; Investimento ESG; Investimento de impacto temático (financiar negócios que abordam um desafio ambiental ou social específico); e Investimento de primeiro impacto (quando investidores estão dispostos aceitar menor retorno financeiro ao investir na solução de problemas sociais e ambientais).

O autor Bruce Usher, professor da Columbia Business School

O autor adequa as estratégias para cada perfil de investidor. Para um futuro mais verde, ele sugere que fundos universitários foquem por Desinvestimento, grandes gestores de fundos por ESG, gestores de fundos especializados por Investimento de Impacto Temático, e filantropos por Investimento de Impacto Primeiro.

Usher argumenta que, apesar das crises, a agenda ESG tem crescido nas últimas duas décadas e que não há recuo. “Crises tendem a aumentar o foco em questões como segurança energética, uma boa vitrine para a energia renovável, eólica e solar”, fala com a mesma resolução que exprime nas 304 páginas do livro.

Como os investidores ajudarão descarbonizar a economia?
As mudanças climáticas são o resultado de 300 anos de crescimento econômico que gerou muito progresso civilizatório, mas que se tornou insustentável para o planeta. A única forma de evitar uma catástrofe é descarbonizar toda a economia global, reduzindo a zero as emissões de gases de efeito estufa nos próximos 30 anos. No entanto, a descarbonização da economia exigirá investimentos maciços em energia limpa, agricultura, transporte, indústria e muito mais, um total de mais de US$ 100 trilhões. Esses esforços só serão atingidos com muito capital dos investidores. Escrevi o livro para informar os investidores sobre o importante papel que eles desempenham nessa mudança de chave e principalmente para mostrar a eles como deter as mudanças climáticas é um bom investimento.

O autor diz não haver recuo na pauta ESG

Como pode ser um bom investimento?
Gosto de dizer que existem quatro tendências recentes que estão acelerando os investimentos em soluções climáticas. Primeiro, a manifestação física dessas mudanças, presentes no dia a dia. Segundo, as normas sociais estão mudando. A medida que os riscos físicos se tornam mais reais, muitas pessoas, especialmente os jovens, estão mudando as empresas em que desejam trabalhar e os produtos que desejam comprar, mostrando uma forte preferência por empregadores e empresas sustentáveis.

Quais as outras duas?
Terceiro, há uma ação governamental mais forte do que se via antes. Os governos estão sob crescente pressão da sociedade para agir em torno da questão ambiental. Em quarto lugar, as mudanças climáticas também estão trazendo certa inovação empresarial. A tendência mais importante é a inovação em produtos e modelos de negócios que reduzam emissões. Por exemplo, a energia renovável não é a fonte de energia de menor custo em muitos países, mas os veículos elétricos estão crescendo rapidamente mesmo assim. Juntas, essas quatro tendências estão criando uma oportunidade crescente de investimento.

"A descarbonização da economia exigirá investimentos maciços em energia limpa, agricultura, transporte, indústria e muito mais, um total de mais de US$ 100 trilhões"

Quais os maiores casos de sucesso dessa ‘economia verde’?
Poucas empresas são tão disruptivas como a Tesla, que sozinha transformou toda a indústria automobilística tradicional, que passou a investir nos carros elétricos tardiamente. Outro exemplo de sucesso que cito no livro é a NextEra, uma concessionária de energia limpa com sede na Flórida que se tornou a maior proprietária de energia renovável nos EUA e a concessionária mais valiosa em valor de mercado.

Quem ficou para trás?
As empresas automobilísticas tradicionais tiveram dificuldade em direcionar seu modelo de negócios para veículos elétricos, levando mais de uma década para produzir carros para competir com a Tesla. É difícil recuperar esse tempo.

Quais são os maiores desafios para os investidores?
Diria que são três grandes desafios. Ainda existem poucos regulamentos de emissões de gases do efeito estufa. Com isso, há uma quantidade significativa de greenwashing por parte de empresas que relatam emissões incorretamente. Isso pode confundir os investidores e levar a más escolhas de investimento. O segundo desafio é mantê-los comprometidos com investimentos verdes de longo prazo, mesmo quando eventos inesperados, por exemplo, o aumento dos preços do petróleo em 2022 devido à invasão da Ucrânia, ocorrem.

E o terceiro?
Outro grande obstáculo é que as políticas governamentais são inerentemente instáveis, o que pode afetar o valor dos investimentos focados nas mudanças climáticas, já que muitas soluções dependem (pelo menos no curto prazo) de subsídios ou regulamentações governamentais. Os investidores precisam aprender navegar nesse cenário.

"Há uma quantidade significativa de greenwashing por parte de empresas que relatam emissões incorretamente. Isso pode confundir os investidores e levar a más escolhas de investimento"

A agenda ESG perde força em momentos de crise como a guerra de Ucrânia?
Não necessariamente. O interesse em investimentos ESG têm crescido por mais de duas décadas, mesmo com várias crises, incluindo a grande crise financeira de 2008 e a invasão da Ucrânia. Na verdade, as crises tendem a aumentar o foco em questões como segurança energética, uma boa vitrine para a energia renovável, eólica e solar. No entanto, o ESG está enfrentando críticas porque, até muito recentemente, não era totalmente regulamentado e alguns grupos exageravam os benefícios dos investimentos em ESG.

Qual é o papel dos governos e dos investidores?
O papel dos governos é promulgar políticas que aumentem a velocidade e a escala do investimento privado em soluções climáticas. Por exemplo, oferecendo subsídios para novas tecnologias de baixo carbono que ainda em estágio inicial de desenvolvimento comercial. Já o papel dos investidores é fornecer financiamento para novas soluções climáticas e financiar a ampliação das soluções existentes.