Em três meses, o Brasil ganhou uma âncora fiscal; a economia cresceu mais que o esperado; o processo de desinflação prosseguiu; o real se desvalorizou ante o dólar; o Conselho Monetário Nacional reafirmou a meta de inflação de 3% a partir de 2024; dois economistas indicados pelo presidente Lula ingressaram no comando do Banco Central (BC); e a Selic caiu 1 ponto percentual para o menor nível em 16 meses.

Embora registro do passado, esse saldo é roteiro para análise do BC no Relatório Trimestral de Inflação (RTI), principal documento elaborado pela instituição, a ser divulgado na quinta-feira, 28 de setembro, na esteira do rali do petróleo e dos títulos do Tesouro americano – indicadores de relevância global.

O RTI é construído com a colaboração de economistas do mercado que, em reuniões realizadas no final de agosto, compartilharam com o BC informações sobre a trajetória mais animadora da inflação e da atividade neste ano, além de incertezas fiscais e com o cenário externo.

Os alertas continuam valendo e foram incorporados ao comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgado na quarta-feira, 20 de setembro, que anunciou a redução da Selic para 12,75% e mais cortes idênticos à frente, esvaziando a possibilidade de acelerar a queda da taxa.

As ponderações do Copom tradicionalmente compõem o RTI que, na edição de setembro, acabou atropelado pelo salto dos preços do petróleo e das Treasuries. O prazo de 10 anos, benchmark de renda fixa – avançou ainda mais na quinta-feira, 21 de setembro, após o Federal Reserve (Fed) indicar que elevará o juro novamente este ano. E deve cortar pouco em 2024.

O ambiente externo mudou em três meses e analistas torcem para que o BC avalie em detalhes os eventos recentes que transcendem fronteiras.

Se isso não ocorrer no documento, o presidente Roberto Campos Neto e o diretor de Política Econômica, Diogo Guillen – responsáveis pela apresentação do RTI – terão a oportunidade de enriquecer os debates com informações que podem colaborar para reavaliação de cenários. E até de expectativas.

Entre elas, a de que o BC se tornará mais pró-redução de juro com a substituição de dois diretores a partir de janeiro de 2024. Uma visão que tende a ganhar força quanto maior a desaceleração da atividade neste semestre.

Outros dois diretores, que saíram do BC por fim de mandato, já foram substituídos por indicação de Lula. Em 31 de dezembro deste ano, mais dois deixam os cargos. E a diretoria – de oito integrantes mais o presidente da instituição – passará a ter 50% de sua composição alinhados ao governo.

Do Copom um bem-vindo recado ao governo

Por esse cenário à frente e o ceticismo presente quanto à execução fiscal, o atual comando do BC tem, na saideira de setembro, a oportunidade de reforçar seu compromisso com a meta de inflação, mesmo que patente no comunicado do Copom que contou com uma inesperada (e bem-vinda) defesa “da firme persecução das metas fiscais já estabelecidas” – um recado ao governo.

Na terça-feira, 26 de setembro, dois dias antes da publicação do RTI, será divulgada a ata do Copom com o detalhamento de sua decisão. A questão fiscal pode ganhar espaço.

No mesmo dia, o IBGE publicará a prévia da inflação de setembro. O IPCA-15 poderá ultrapassar 5% em 12 meses. Embora expressiva, ante a meta de 3,25% deste ano, a variação “está no preço”, no jargão do mercado.

No RTI, analistas estarão particularmente atentos às projeções do BC para PIB e inflação, embora o Copom já tenha anunciado ligeiro aumento para o IPCA de 2023, a 5%; de 2024, a 3,5%; e, de 2025, a 3,1%.

Quanto ao PIB deste ano, no RTI de junho, o BC elevou sua previsão de 1,2% para 2%. De lá até a edição da Focus da segunda-feira, 18 de setembro, a projeção de uma centena de contribuidores da pesquisa subiu de 2,19% para 2,89%; para 2024, de 1,22% para 1,50%; e, para 2025, de 1,83% para 1,95%.

Os ajustes são positivos, especialmente para este ano, mas grandes bancos, consultorias e governo esperam resultado melhor: expansão de 3% ou mais.

Na segunda-feira, 18 de setembro, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, via Boletim MacroFiscal, aumentou a previsão do PIB deste ano de 2,5% para 3,2%. Para 2024, a estimativa permaneceu em 2,3%. No dia seguinte foi a vez da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ajustar sua projeção de 2023, de 1,7% também para 3,2%.

Petróleo a US$ 100?

Entre as instituições persiste o entendimento de que a atividade vai desacelerar no segundo semestre em meio às incertezas quanto aos riscos inflacionários globais e decisões de investimentos impostos pela arrancada do petróleo.

A commodity é negociada há semanas nas máximas do ano. Há três meses era cotada a US$ 75 o barril do tipo Brent que ultrapassou US$ 95 e flerta com US$ 100. Movimento derivado de restrições de oferta a curto prazo e percepção de que Pequim continuará lutando para conter a desaceleração da economia chinesa.

Para entornar o caldo, a Rússia anunciou na quinta-feira, 21 de setembro, restrições “temporárias” às suas exportações de petróleo e diesel na tentativa de estabilizar os preços domésticos.

Entretanto, a escalada do petróleo não vem azedando sozinha o humor de analistas internacionais que monitoram com lupa a reprecificação dos títulos do Tesouro americano também negociados em patamares históricos.

Essa combinação de eventos é vista como prenúncio de mudança do cenário econômico global com repercussão local, sobretudo, se a alta do petróleo se mostrar persistente e a Petrobras elevar os preços dos combustíveis.

Um movimento da petroleira pressionará a inflação, disparando alertas no BC que assumiu um discurso mais conservador no último Copom e que reverbera no mercado futuro de juros, onde prazos mais curtos resistem a romper o suporte de 10% há semanas e os mais longos avançam com as Treasuries.

Na boca do forno, o RTI é destaque de um pesado calendário de encerramento de trimestre que contempla: indicadores de confiança da FGV, balanços do BC sobre setor externo, crédito e política fiscal. Caged e Pnad contribuem com mercado de trabalho. Na agenda externa, indicadores industriais, de confiança e inflação nos EUA, Europa e China. O PIB dos EUA é parte do combo.