Só a ideia de comer peixe que não está fresco já embrulha o estômago de muita gente. No Ocyá, no entanto, a clientela come pescados que ficaram fora da geladeira por até 100 dias e sai feliz da vida. Na Barra da Tijuca, o restaurante pertence ao chef Gerônimo Athuel, um dos grandes entusiastas da técnica de maturação a seco.
Inaugurado neste ano, o Ocyá tem levado muita gente, pela primeira vez, à Ilha Primeira, próxima da Ilha da Gigoia — para chegar ao restaurante, é preciso pegar um barco nos fundos do BarraPoint Shopping ou da Estação de Metrô Jardim Oceânico.
A maturação a seco é utilizada, geralmente, para dar maciez e um sabor amanteigado a cortes bovinos. Athuel recorre à ela, porém, para imprimir complexidade e dar firmeza a peixes pouco conhecidos como sororoca, faqueco e carapeba.
Todos eles descansam em uma câmara fria envidraçada mantida a cerca de 1°C e com baixa umidade. Repousam pendurados, o que favorece a perda gradual de umidade da pele e da carne. É a ausência de água, por sinal, somada às condições de higiene do ambiente, que impedem os peixes de estragar — miúdos e escamas são descartados.
Com o passar do tempo, eles adquirem um aspecto ressecado e não muito apetitosos — bem mais palatável, no entanto, que as versões bovinas. Geralmente, qualquer tipo de dry aged só vai para a grelha depois de uma senhora limpeza.
Na média, Athuel serve peixes com uns 30 dias de maturação. “É o suficiente para deixar o sabor bem mais intenso”, explicou ele ao NeoFeed. O prato que junta filé de peixe na brasa — a espécie varia de acordo com a disponibilidade —, brócolis tostado, fritas e farofa (R$ 82) é um dos mais pedidos.
Com a pele deliciosamente crocante, o pescado também pode chegar à mesa só com molho aïoli acrescido de salsa e limão (R$ 76). Outro hit, a versão empanada vem acompanhada de arroz de limão cremoso, tomate confit e alho assado (R$ 78).
Athuel recorre à maturação para dar mais sabor à principal matéria-prima do Ocyá e também para torná-lo mais sustentável. Graças a ela, não tem a obrigação de congelar, diariamente, todos os peixes que não foram consumidos ou jogá-los fora — como qualquer sushiman. “É vantajoso para os clientes e para o meio ambiente”, diz.
O veto a peixes que todo mundo conhece, como atum e robalo, também se deve à preocupação com a natureza. “Não vou aumentar a pressão sobre espécies excessivamente exploradas”, diz o chef, autointitulado "açougueiro marinho”.
Nenhuma parte é jogada fora. As cabeças, por exemplo, são defumadas e cozidas e, depois de desfiadas, viram matéria-prima para croquetas, terrines e rillettes. O camarão também é aproveitado por completo — as partes menos nobres viram caldo, manteiga, farinha e azeite, entre outros produtos.
No Rio de Janeiro, outro endereço que aposta na maturação de pescados é o Sabor das Águas, no Leblon, do chef Marcelo Malta. Em São Paulo, um dos grandes entusiastas da técnica é o chef Dário Costa, que comanda, entre outros negócios, o Açougue do Mar.
Com matriz em Santos e uma filial dentro do restaurante Churrascada do Mar, em Pinheiros, o empreendimento costuma maturar peixes como sororoca, linguado, vermelho, cioba e carapau por cerca de uma semana — a espécie mais em conta custa R$ 32, o quilo. Já o atum (a partir de R$ 175, o quilo) descansa por no mínimo dez dias.
Na Churrascada do Mar, também capitaneada pelo chef, esse peixe é preparado na brasa em duas versões, com acompanhamentos à parte. Na mais cara, o atum é servido como se fosse um prime rib (R$ 200). “Vende mais do que os pratos com camarão”, diz o cozinheiro. “Faz muito sucesso porque o atum maturado lembra muito a carne bovina”.
Ele aposta na maturação de pescados há quase seis anos. “Graças à textura que essa técnica propicia, podemos assar peixes inteiros sem desmanchá-los durante o processo”, afirma.
Os pescados dry aged ameaçam o reinado das versões bovinas? Costa acredita que não. “O consumo de peixe ainda representa um nicho se comparado ao mercado de carne vermelha”, diz. "Isso dificilmente muda”.
Um endereço que aposta boa parte das fichas em carnes vermelhas maturadas é o Cór, em Pinheiros — na ativa desde 2017, tem como consultor um especialista no assunto, o célebre assador peruano Renzo Garibaldi. O T-bone dry aged de até 60 dias (a partir de R$ 28 a cada 100 gramas) é um dos carros-chefes.
O que pouca gente sabe, e não é dito para os clientes, é que todos os peixes do Cór também são dry aged — e desde 2021. Atum, dourado, cavala e olhete são as espécies mais utilizadas. Repousam, em média, de sete a 12 dias em uma câmara exclusiva.
São servidos, por exemplo, com farofa de banana e creme de pupunha com leite de coco (R$ 98). “Um peixe maturado é como um prime rib de 30 dias”, compara Guilherme Mora, um dos sócios do Cór. “Você se dá conta de que é bem melhor ao comer, mas não entende o porquê”.