Na infância, o sonho do paulistano Marllos de Souza Silva era o mesmo de grande parte dos meninos brasileiros: ser jogador de futebol. Mas, hoje, aos 45 anos, ele é ator, cantor, diretor e dramaturgo. E, ao que tudo indica, ele fez bem ao trocar os campos pelos palcos.
Como criador do Prêmio Bibi Ferreira, Marllos é um dos principais nomes por trás do sucesso do teatro musical no Brasil. Ao longo de 25 anos de carreira, perdeu as contas de quantos espetáculos dirigiu — a grande maioria baseada em histórias brasileiras, uma missão autoimposta na busca por disseminar a cultura nacional para o mundo.
Agora, por exemplo, o diretor está discutindo com a China a apresentação do musical A escrava Isaura. Se os chineses continuam fãs da história criada pelo mineiro Bernardo Guimarães, o negócio pode ser dado como certo.
De 1875, o romance virou novela da Globo, em 1976, e, quando chegou à China, na década de 1980, fez um tremendo sucesso — um dos primeiros programas estrangeiros a ser transmitido no país depois da morte de Mao Tsé-Tung.
Marllos está trabalhando também na adaptação do clássico musical de Natal da Disney, que, pela primeira vez, desembarca no Brasil, com apresentações em Curitiba, no final do ano.
E pensar que ele parou no teatro por birra com o pai. “Eu queria jogar pela Portuguesa, mas meu pai não gostava da ideia”, lembra em entrevista ao NeoFeed. “Adolescente, eu queria irritá-lo e fui tocar pagode.”
Ele acabou se interessando por cavaquinho e dali foi aprender harmonia musical. Graças à música, ele aprendeu a lidar com a timidez dos palcos, mas afirma que continua sendo bastante introspectivo.
“Naquela época, existia uma separação muito grande entre teatro e música. O mercado vivia um momento em que você era ator, bailarino ou cantor, não tudo ao mesmo tempo, o que me fez entrar em um grande conflito interno sobre qual caminho seguir dali para frente”, diz.
Essa questão, porém, foi resolvida no momento em que Marllos se deparou com o teatro musical, cerca de dois anos depois de começar a atuar. “Eu costumo dizer que o teatro musical resolveu todos os meus problemas”, afirma.
O momento, porém, não era dos mais positivos para a categoria no Brasil. Até a década de 1970, muitas produções foram criadas e consumidas no País. Porém, após esse período, o número de musicais caiu de forma significativa, levando ao “limbo” vivido nos anos 2000.
Na visão dos produtores, diretores e especialistas da época, como Iacov Hillel e Renato José Pécora, ídolos e referências de Marllos, existia uma solução para o problema, que girava em torno de transformar o teatro musical em um negócio — o que era visto com muito preconceito pelo meio artístico, que acreditava na produção de obras por “paixão” e não por dinheiro.
Quando a arte combina com os negócios
A partir daquele momento, o foco virou outro: como atingir o maior número de pessoas possível? Para isso, foi preciso entender estratégias mercadológicas como qualidade dos títulos, divulgação, público-alvo, custo dos bilhetes… “No fundo, nós precisamos aprender a atender a demanda do público e foi isso que fizemos”.
Essa estratégia deu resultado. Em 2000, dez musicais foram apresentados nos teatros brasileiros. Em 2010, esse número atingiu 14 produções. Cinco anos depois, 25 espetáculos estiveram em cartaz.
Em 2024, esse número ultrapassou a casa dos 30, se tornando uma das mais novas paixões dos brasileiros. Atualmente, os espetáculos registram 85% de ocupação nas sessões.
E os impactos vão além das paredes dos teatros. Segundo um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) realizado em 2023 e divulgado em 2025, o teatro musical resultou em uma movimentação econômica, direta e indireta, de R$ 1,1 bilhão para São Paulo, a “capital” brasileira dos musicais. Esse valor representa um avanço de 8,91% frente ao resultado de 2019, período pré-pandêmico.
Ao contrário do que se imagina, apenas um terço das produções são importados dos Estados Unidos ou da Inglaterra, segundo Marllos. “Há um pensamento de que o teatro musical feito no Brasil é baseado nas obras de dramaturgia estrangeira, né? E ele não é. A maior parte dos musicais que são encenados no Brasil é de dramaturgia brasileira, feitos com histórias nacionais”, explica.

E ele completa: “Eu olhava para essas grandes produções da Broadway – como eu continuo olhando –, admirando, encantado, vendo como eles construíam perfeitamente os espetáculos, mas, assim como Oswald de Andrade, tentava engolir aquilo e regurgitar uma coisa brasileira, só nossa”.
O primeiro musical dirigido por Marllos nasceu em 2007 e falava sobre a jovem-guarda. Feito no conhecido formato jukebox, no qual a história é escrita com base em músicas famosas, ele incluía referências às gírias usadas pelos paulistanos e lugares frequentados por eles, já que era encenado na capital de São Paulo.
Prêmio Bibi Ferreira
Cinco anos após começar sua carreira como diretor, em 2012, Marllos observou o crescimento da qualidade e do apelo das produções brasileiras, porém, ainda havia alguma coisa faltando. Isso porque, segundo ele, apesar das produções estarem cada vez mais impressionantes, o mercado artístico não valorizava e nem premiava esses feitos, o que gerava frustração na categoria.
"É frustrante ver um cara que canta, dança e atua; um espetáculo com grandes produções e cenários enormes muito bem construídos, simplesmente não sendo indicados a nenhum prêmio”, conta o dramaturgo.
Naquela época, muito do modus operandi da Broadway já havia sido incorporado pelos espetáculos brasileiros, o que transformou o negócio em ainda mais profissional — mas não o levou ao destaque merecido.
Foi aí que Marllos teve a ideia de lançar o prêmio Bibi Ferreira, o maior e mais importante do teatro musical do Brasil, semelhante ao americano Tony Awards.
Logo de início a ideia ganhou bastante apoio de grandes nomes do teatro musical. Com o Bibi, Marllos acreditava ser possível avaliar os profissionais, fazer um registro histórico do mercado e gerar união da classe. E isso efetivamente aconteceu.
Hoje, chegando a sua 13ª edição, o prêmio tem história de sobra para contar. Em 2012, 12 musicais foram avaliados. Na edição deste ano, serão 31. Além disso, pelos palcos da premiação passaram nomes como a própria Bibi, que fez um show completo na 3ª edição, Suely Franco, Juca de Oliveira, Laura Cardoso, Lucinha Lins, Claudia Raia e muitos outros.
“Essas pessoas têm uma história muito forte com o teatro musical no Brasil e seus trabalhos não eram reconhecidos até aquela época”, conta Marllos. “Hoje, tenho muito orgulho de olhar para esses 25 anos e ver que as pessoas que realmente construíram o teatro musical no Brasil estão sendo homenageadas e valorizadas.”
Para fazer o prêmio sair do papel, Marllos precisou de apoio de patrocinadores externos como o Banco Santander e outras empresas privadas, além do suporte da Lei Rouanet. Segundo o dramaturgo, para as marcas essa troca faz bastante sentido, já que não há nada no Brasil que forme mais plateia do que o teatro musical.
Apesar do teatro ainda ser focado para um público mais velho, já que os bilhetes têm um valor elevado, toda a categoria está se esforçando para levar os jovens aos espetáculos. Seja por meio de ingressos de graça distribuídos pelos patrocinadores, ou por peças juvenis.
Marllos afirma que tem se dedicado a ultrapassar fronteiras e levar as produções brasileiras para os grandes palcos do mundo. Para ele, a parte “fácil” é que as pessoas entendem o talento brasileiro para o teatro musical e sabem o quanto os artistas são versáteis. Porém, é preciso entender o que vender para fora, já que alguns temas não chamam a atenção e outros são super requisitados.
Como o musical A escrava Isaura, por exemplo. Para ele, Nova York seria o local mais simples de “furar a bolha”, por sua pluralidade de gêneros artísticos, aceitação de estrangeiros e história com o teatro.
Porém, com o atual governo de Donald Trump, esse processo pode ser dificultado, em sua visão. Londres, por outro lado, se mostra um mercado mais fechado para obras do exterior.
Apesar da complexidade de exportar um produto tão nosso, Marllos tem grandes expectativas para que, nos próximos anos, seja possível assistir um musical da Broadway encabeçado por um brasileiro.
Enquanto isso não acontece, o produtor segue com seus projetos por aqui mesmo. Atualmente, além das produções da Disney e A escrava Isaura, Marllos está trabalhando na nova turnê de Kafka e a boneca viajante e de Itapuca, outro espetáculo sucesso de bilheteria.