A colonização tentou subtrair, ao longo de séculos, as perspectivas das histórias dos povos originários, afirma ao NeoFeed Renata Tupinambá, umas das curadoras da mostra “Histórias Indígenas”, que entra em cartaz no Masp (20/10), com cerca de 170 artistas elencados da América do Sul, América do Norte, Oceania e países da Escandinávia.

A exposição abriga aproximadamente 285 criações, de mídias e tipologias distintas, assim como de origens e períodos diferentes, desde antes da colonização europeia até o presente.

Por sua representatividade, a mostra, que termina em 25 de fevereiro de 2024, em São Paulo, parte na sequência para o complexo de museus Kode, em Bergen, na Noruega.

Segundo a curadora, cada artista indígena tem em sua identidade uma memória milenar, que é levada de geração a geração entre seu povo. “Neste cenário contemporâneo, estamos falando de realizadores que retomam as perspectivas das histórias que a colonialidade tentou apagar”, ressalta.

“Os realizadores indígenas acabam desconstruindo generalidades sobre ser indígena e o mais importante rompendo paradigmas entre o tradicional e contemporâneo. Esse diálogo entre gerações é muito presente”.

Tupinambá também pondera que, neste diálogo entre gerações proposto por “Histórias Indígenas”, vem à tona o fato de que para muitos povos originários o tempo não é separado da natureza.

“Essa relação do tempo está relacionada aos universos cosmológicos das culturas indígenas em que o passado, presente e futuro entram em outras concepções também”, explica.

Clifford Possum Tjapaltjarri (Alice Springs, Austrália,) Bush-fire II [Incêndio silvestre II] (1972), tinta sintética sobre compensado

“Na parte da mostra que envolve os artistas do Brasil, por exemplo, temos o Tempo não tempo, provocando sobre essas diferenças culturais e modos de ser, pensar, dentro desses outros espaços de pensamento”.

“Histórias indígenas” se junta a uma série de exposições, iniciada em 2016, dedicadas às Histórias no Masp: “Histórias da infância” (2016), Histórias da sexualidade” (2017), “Histórias afro-atlânticas” (2018), “Histórias das mulheres, histórias feministas” (2019), “Histórias da dança” (2020) e “Histórias brasileiras” (2021-2022). Tupinambá considera que, com a quantidade de obras que a exposição abriga, trata-se da primeira vez que o país abriga uma mostra de arte indígena transcontinental.

A exposição é também um reflexo do crescente interesse pela arte indígena, por parte de instuições museológicas e colecionadores, vide o sucesso de Jaider Esbell (1979-2021) posterior à 34ª Bienal de São Paulo (2020), a criação do Museu das Culturas Indígenas no ano passado, na capital paulista, a realização da 1ª Bienal das Amazônias, que ocorre em Belém (PA) até 5 de novembro, e a presença renovada de artista indígenas, como Denilson Baniwa, na 35ª Bienal de São Paulo, atualmente em cartaz.

A coletiva é composta de oito núcleos, sete dedicados a diferentes regiões do mundo: “Relações que nutrem: família, comunidade e terra” (Canadá); “A construção do ‘eu’” (México); “Histórias de pintura no deserto” (Austrália); “Pachakuti: o mundo de cabeça para baixo” (Peru); “Rompendo a representação” (Maori, Nova Zelândia); “Tempo não tempo” (Brasil); “Várveš: escondidos do dia” (Sami, Noruega).

Joar Nango (Alta, Noruega) e Katarina Spik Skum (Boden, Suécia),Rákkas III (2020): couro e pelo de rena, lã, seda e impressão digital

Por fim, um núcleo organizado por todos os curadores da mostra, “Ativismos”. Esse último, que inicia a coletiva no 1º andar do museu, abriga trabalhos de diferentes movimentos sociais indígenas, entre bandeiras, fotografias, vídeos, pinturas e pôsteres.

Nas palavras de Edson Kayapó, Kássia Borges Karajá e Tupinambá, os três curadores-adjuntos brasileiros da mostra, “o núcleo pretende mostrar várias formas de luta, e nos faz um convite para sairmos do estado de dormência que, por vezes, nos encontramos.”

Se o corpo é território de colonizações, destacam, “também pode ser território de descolonizações, principalmente na medida em que é acionado artisticamente como potência política subversiva”.

As histórias, mesmo vindas de povos diferentes, revelam uma resistência originária legítima de pessoas que “produzem territorialidade” em suas obras. “Estamos falando de histórias não contadas por conta da violência colonial, do racismo, da invisibilidade da população Indígena em diferentes continentes, visões equivocadas sobre as produções indígenas”, acrescenta Tupinambá, ao NeoFeed.

Acelino Tuin Huni Kuin, Movimento dos Artistas Huni Kuin (MAHKU) (Aldeia Chico Curumin, Acre): Kapewë pukeni [Jacaré-ponte] (2022), Acrílica sobre lona

Um dos núcleos que a curadora destaca é “Relações que nutrem: família, comunidade e terra”. Tupinambá ressalta que a maioria dos povos tem em comum sua relação com a natureza, em que o homem não é o centro de tudo. “

São outras formas de pensar a vida, relacionar-se com a terra, principalmente. “São cosmopoeticas, cosmoestéticas e, de forma impressionante como tudo nas culturas está relacionado, os temas se envolvem de forma fascinante”. Sonhos, memórias, histórias da criação do mundo, sentimentos, luta por direitos, subjetividades de pessoas que são parte de um povo.

Entre os artistas brasileiros que compõem a seleção de “Histórias Indígenas”, Tupinambá destaca Aislan Pankararu, Feliciano Lana, Yacunã Tuxá, Ziel Karapotó, Yawar, Miguela Moura e Gustavo Caboco. Já entre aqueles dos demais países, a curadora enfatiza Māhia Te Kore e Tanu Gago (Nova Zelândia), Ana Hernández (México) e Santiago Yahuacani (Peru).