Rumo à economia de baixo carbono, os desafios enfrentados pela indústria de transporte marítimo de carga são tão grandes quanto sua importância para o comércio global. Seja de cabotagem ou de longo curso, 80% de todas as mercadorias negociadas no mundo chegam aos consumidores em navios.
A cada ano, 6 bilhões de toneladas de carga cruzam os mares em cerca de 30 mil embarcações, movimentando US$ 14 trilhões. E a tendência é de crescimento. Até 2027, o setor deve avançar, anualmente, a uma taxa de 2,1%, informam os analistas da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas, é impossível continuar como está.
O transporte marítimo responde por 3% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE). Pode parecer pouco, mas não é. Se os navios cargueiros fossem um país, a quantidade de sujeira lançada na atmosfera equivaleria à da Alemanha, quarto lugar no ranking das nações mais poluidoras do planeta.
Há de se considerar ainda o descarte da água de lastro, utilizada para compensar a perda de peso provocada pelo desembarque de cargas. Contaminada por organismos patogênicos, ao ser despejada no mar, prejudica os ecossistemas marinhos, ameaça a saúde humana e impõe prejuízos financeiros às economias costeiras. Sem contar os vazamentos de combustível e de produtos armazenados nas embarcações.
Governos, grandes companhias e empresas de tecnologia têm se mobilizado na busca por inovações capazes de levar o setor a um futuro mais limpo. Não é fácil, afinal, trata-se de um setor gigantesco, complexo e pouco afeito a mudanças. Mas há avanços.
Avaliada em US$ 2,7 bilhões, em 2022, a transformação digital da indústria de transporte marítimo de carga deve movimentar US$ 38,4 bilhões, até 2027, evoluindo a uma taxa de crescimento anual composta de quase 10%, avalia a consultoria Maximize Market Research.
Um dos movimentos mais recentes em direção à descarbonização foi dado pela gigante inglesa Lomar, fabricante de cargueiros do Libra Group, e pela startup californiana Blue Dot Change. Os termos do acordo não foram divulgados, mas ambas se uniram em torno de projeto para retirada metano do ar, a partir dos navios. Ainda que seja emitido em menores quantidades e se decomponha mais rápido, o gás é cerca de 28 vezes mais potente para o aquecimento do que o dióxido de carbono.
Fundada por David Henkel-Wallace, pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e atual CEO, e por Rocío Herbert, antropóloga e ativista climática, a startup do Vale do Silício desenvolveu uma tecnologia para “dar uma mãozinha à natureza” e acelerar a decomposição do metano, durante o vaivém dos navios da Lomar pelo mundo.
A substância responsável pela quebra do gás em pequenas partículas é o cloro, ingrediente abundante no sal marinho. Ou seja, não há melhor lugar para se livrar do metano do que a água do mar. Os oceanos estão continuamente lançando compostos químicos no ar – além do cloro, os óxidos de nitrogênio, por exemplo. Tais substâncias precisam do sol, em específico da radiação ultravioleta, para destruir o metano.
Os ventos são também importantes nessa equação, ao espalhar a poeira dos continentes sobre os oceanos. O ferro contido nesse pó funciona como um catalisador para as reações nas quais o cloro decompõe o metano. A ideia da colaboração entre a Lomar e a Blue Dot Change é instalar o sistema criado pela climatech nas chaminés dos cargueiros. Se tudo correr dentro do previsto, o primeiro navio antimetano está previsto zarpar no segundo semestre de 2024.
"Asas de vento"
A solução apresentada por Henkel-Wallace e Rocío é apenas uma das propostas dos inovadores do clima para transformar a frota global de navios de carga mais “ecofriendly”. Em agosto do ano passado, o cargueiro Pyxis Ocean partiu de Cingapura com destino ao porto de Paranaguá, no Paraná.
Fretado pela multinacional de alimentos Cargill, a embarcação foi carregada aqui no Brasil com farelo de soja e, em seguida, levantou âncora com destino à Polônia. Aparentemente foi uma operação das mais simples e corriqueiras. Não fosse um detalhe: de propriedade da Mitsubishi Corporation, o Pyxis Ocean foi o primeiro cargueiro do mundo a navegar movido pela energia do vento.
As duas velas do navio, porém, não são quaisquer velas. Batizadas WindWings, têm 37,5 metros de altura cada uma, são dobráveis e feitas de aço e fibra de vidro; funcionam como turbinas eólicas. Com tecnologia da startup britânica BAR Technologies e fabricadas pela empresa norueguesa Yara Marine Technologies, as WindWings tem potencial para reduzir o uso de combustíveis em 30%.
Se um navio equipado com o sistema “asas de vento” trocar o óleo tradicional por alternativas ecológicas, o corte de emissões de GEE seria ainda maior. Aliás, os combustíveis verdes são uma das grandes apostas para descarbonização do setor. Há o biodiesel e o metanol, entre outros. A dinamarquesa Maersk, por exemplo, planeja usar amônia, obtida a partir do hidrogênio verde, como combustível de sua frota de navios.
Há quem investigue materiais que reduzam o atrito do casco do navio com a água, reduzindo assim o consumo de energia fóssil. Sistemas de inteligência artificial (IA) monitoram, em tempo real, as condições das embarcações para que, caso seja necessário fazer algum reparo no cargueiro, a manutenção seja feita o quanto antes.
Algumas startups pesquisam ainda novas formas de propulsão. A maioria se dedica a sistemas elétricos, mas um produtor musical americano descobriu que uma hélice sob a forma de laço faz muito menos barulho do que as tradicionais. E isso tem um impacto direto nos ecossistemas marinhos – e, consequentemente, para o planeta.