Do momento em que o cobre foi descoberto, cerca de 8 mil anos antes de Cristo, a mineração ajudou a moldar a história da evolução humana. E segue assim até hoje. Nós podemos até não perceber, mas quase tudo em nosso cotidiano tem minerais ou minérios — ou ambos.
Direta ou indiretamente, eles fazem parte de nossa alimentação, saúde, transporte, habitação, lazer, comunicação...
Contidos nas pastas de dente, o carbonato de cálcio e o óxido de silício (também chamado de sílica) revolucionaram a higiene bucal e, consequentemente, a saúde. O vidro é feito de calcário e óxido de minerais, entre outros compostos.
Nas lâmpadas incandescentes, está o cobre, que também se faz presente nos fios elétricos, nas peças dos carros e dos aviões, nos computadores, nos celulares, nos instrumentos médicos, nas moedas... e até em bijuterias e objetos de decoração.
O ferro está nos vergalhões que sustentam as casas e os edifícios, nos fogões e na grelha das churrasqueiras.... O níquel, nos botões das roupas, nos relógios, nos cosméticos, nas próteses ortopédicas, nos aparelhos ortodônticos... e por aí vai, impossível pensar a vida sem esses elementos.
Avaliada em US$ 2,2 trilhões, a indústria minerária deve chegar a US$ 2,8 trilhões até 2028.
Agora, frente aos desafios impostos pela crise climática, a mineração é, mais uma vez, peça-chave em um momento decisivo para a humanidade — a transição energética, rumo a um mundo mais sustentável.
Na busca por diminuir a dependência dos combustíveis fósseis, alguns compostos se revelam imprescindíveis para a descarbonização da economia. Os chamados minerais críticos, como lítio, cobalto, níquel, manganês, cobre, platina e elementos de terras raras, estão na base das novas tecnologias de energia limpa.
“Com alta capacidade de condução e propriedades específicas, como maleabilidade e resistência à corrosão, eles se mostram eficientíssimos nos painéis fotovoltaicos, nas turbinas eólicas, nas baterias dos carros elétricos, nos supercondutores e nas lâmpadas LED, entre outras áreas”, diz a engenheira Samara Santos, em conversa com o NeoFeed. Formada pela Universidade de Brasília, ela é especializada em energia renováveis e presta consultoria para a WWF-Brasil.
Sem lítio, por exemplo, as baterias dos veículos elétricos e os aerogeradores eólicos não funcionam. Sem as terras raras as células solares não produzem energia. E não há supercondutor se não houver alumínio e estanho.
E a demanda aumenta
Com a ampliação no uso das tecnologias limpas, a demanda pelos minerais críticos, naturalmente, aumenta. Entre 2017 e 2022, a procura por lítio triplicou, por cobalto cresceu 70% e por níquel, 40%. Nas projeções da Agência Internacional de Energia (IAE, na sigla em inglês), até 2030, a busca pelos minerais críticos elementos deve dobrar.
Conforme o estudo Global Critical Minerals Outlook 2024, também da IAE, o mercado global de minerais críticos deve chegar a US$ 770 bilhões, em 2040.
Se, em 2020, um em cada 25 carros vendidos no mundo era elétrico; atualmente, essa relação é de um em cinco. Em 2023, a capacidade de energia renovável adicionada aos sistemas globais cresceu 50%, atingindo quase 510 gigawatts (GW) — com a solar fotovoltaica respondendo por cerca de três quartos das adições.
No próximo ano, as energias renováveis devem ultrapassar o carvão como a maior fonte de eletricidade do planeta, apontam os analistas da IAE, no relatório World Energy Outlook 2023.
O Brasil no cenário global
Atualmente, os minerais críticos estão concentrados na Ásia, sobretudo na China. Mas há reservas importantes também na Europa, na África e na América Latina, incluindo o Brasil.
Nos últimos meses, o governo brasileiro tem colocado o tema mineração e sustentabilidade em pauta, em uma série de eventos sobre o assunto. Em fevereiro, Brasília sediou o evento Mineração e Transformação Mineral de Minerais Estratégicos para a Transição Energética, organizado pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
No mês seguinte, Rodrigo Cota, diretor do Departamento de Transformação e Tecnologia Mineral do MME, representou a pasta durante o evento Brazil-Canada Mining Brunch, realizado em Toronto. Lá ele apresentou o Guia Para o Investidor Estrangeiro em Minerais Críticos para a Transição Energética no Brasil.
“O Brasil tem um cenário favorável. Se os demais países estão mesmo comprometidos com a transição energética, devem investir no Brasil e na cadeia da transformação dos minerais estratégicos para transição energética pensando, entre outros objetivos, na fabricação de baterias para carros elétricos”, defendeu ele, na ocasião.
O País possui cerca de 2% das reservas globais de lítio e um quinto das de grafite, níquel, manganês e elementos de terras raras. Em termos de produção, porém, detém 0,2% da de elementos de terras raras e 7% de grafite.
Novas soluções
O futuro, como se vê, exige do presente inovações radicais e alternativas para garantir o fornecimento sustentável não só dos minerais críticos como de todos os produtos minerários — uma espécie de transição dentro da transição.
E, várias companhias já vêm trabalhando para adaptar a mineração aos novos tempos. Entre as medidas estão, por exemplo, a eletrificação das frotas e a substituição das fontes de eletricidade por energia renovável.
Uma outra estratégia, apontada como eficaz pelos analistas, é a adoção dos preceitos da circularidade, ao longo de toda a cadeia de produção.
No documento Global Critical Minerals Outlook 2024, a IAE dá a dimensão da importância da prática para o setor:
“Intensificar os esforços para reciclar, inovar e incentivar a mudança comportamental é vital para aliviar potenciais tensões na oferta. Serão necessários cerca de US$ 800 bilhões de investimentos na mineração entre agora e 2040 para se avançar rumo a um cenário de 1,5 °C [de aumento da temperatura do planeta até o final do século, em comparação aos níveis pré-industriais]. Sem a forte adesão à reciclagem e reutilização, os requisitos de capital precisarão ser um terço mais elevados”.
Um estudo encomendado pelo WWF ao Sintef, instituto global de pesquisa, sediado na Noruega, indica que a demanda pelos minerais críticos pode ser reduzida em 58% até 2050 com novas tecnologias, modelos de economia circular e reciclagem.
No relatório The Future is Circular — Circular Economy and Critical Minerals for the Green Transition, os pesquisadores do Sintef sugerem que muitos minerais críticos, como o cobalto, podem ser recuperados como subprodutos do processamento de outros minerais, como o cobre e o níquel.
Resultados promissores
Aos poucos, os efeitos dos investimentos na chamada mineração verde começam a surgir. Pesquisadores da empresa de análise de mercado GlobalData avaliaram 85 mineradoras, de todo o mundo, para as quais havia dados disponíveis. Delas, 42% registraram uma queda de 14,3% nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), ao longo de cinco anos, entre 2018 e 2022.
As reduções aconteceram no âmbito dos escopos 1 e 2. As primeiras referem-se aos GEE lançados na atmosfera como resultado direto das operações da própria companhia. E as segundas estão associadas ao consumo de eletricidade e energia.
Na busca por modelos mais sustentáveis, a colaboração entre governos, empresas, academia e startups tem se revelado fundamental. As soluções desenvolvidas em hubs de inovação se revelam promissoras.
O uso de inteligência artificial (IA) e drones, equipados com câmeras multiespectrais, refinam a busca por depósitos minerais; modelos 3D levam para a tela do computador simulações dos depósitos minerais e projetos de minas, e robôs, integrados a sistemas de geolocalização, tornam as perfurações mais precisas.
Esses são apenas alguns dos exemplos de como a mineração pode não apenas se renovar como levar a humanidade (e o planeta) ao próximo estágio de evolução.