Há anos, os traders deixaram de frequentar diariamente o prédio da B3, no centro de São Paulo, para negociar ações. Mas o vazio da bolsa vai além: o interesse pelo mercado de ações no Brasil tem diminuído, tanto por parte dos investidores como das empresas.
Sem realizar IPOs desde setembro de 2021, a B3 registrou 49 fechamentos de capital no período, considerando as categorias A e B. Empresas como Mosaico, SulAmérica e Soma saíram da bolsa após processos de incorporação. Outras, como BR Properties e Gradiente, optaram pela deslistagem por escolha de seus controladores. Mesmo as companhias que se mantiveram na bolsa reduziram o percentual de ações em circulação no mercado.
De acordo com dados da B3 compilados pelo NeoFeed, 114 empresas têm programas de recompra de ações em aberto. Esse grupo representa cerca de um quarto das empresas listadas na bolsa e 60% do Ibovespa. O total dos programas de recompra, considerando os limites por operação e as cotações atuais, é de R$ 78,8 bilhões — três vezes mais do que o volume de emissões via follow-on realizadas neste ano. Os programas de recompra mais agressivos são os da Vale e Eletrobras, de até R$ 8,97 bilhões e R$ 7,16 bilhões, respectivamente.
O maior apetite dos empresários para recomprar ações de suas próprias companhias é um indicativo de que as ações estão baratas. No entanto, a demanda dos investidores está bem abaixo dos níveis vistos durante a pandemia. Atraído pelos retornos isentos de IR em produtos de renda fixa, o investidor brasileiro tem reduzido suas posições no mercado acionário.
A fatia alocada diretamente em ações por clientes private caiu 2,5 pontos percentuais desde 2021, chegando a 23,8%, enquanto a participação da renda fixa saltou de 18,7% para 30,2% do portfólio. Em carteiras de varejo, o recuo da alocação direta em ações foi ainda maior, de 7,24% para 4,57%, segundo dados da Anbima.
No mercado institucional, os pedidos de resgate voltaram a acelerar. Em novembro, os fundos de ações registraram a maior perda líquida do ano, com saídas de R$ 3,8 bilhões no mês. Esse movimento elevou o volume total de resgates no ano para R$ 9,5 bilhões, configurando a segunda maior saída anual desde 2016.
Com o cenário adverso para captação, a indústria de fundos atingiu a menor alocação em ações desde outubro do ano passado: R$ 560 bilhões. Em 2021, quando o volume estava próximo das máximas, era 35% maior.
“É mais difícil convencer o cliente a investir quando o mercado está barato do que quando está caro”, disse um gestor ao NeoFeed.
Uma métrica para avaliar se a bolsa está cara ou barata é o P/VP (Preço/Valor Patrimonial), que atingiu o menor patamar desde 2016, época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Segundo dados da Elos Ayta, o P/VP mediano das empresas listadas está em 1,25 vez. Na virada de 2021 para 2022, o indicador estava em 2,32 vezes.
Nem mesmo os fundos internacionais, historicamente compradores de ações brasileiras em momentos de baixa, têm mantido suas posições. Após aportarem agressivamente entre 2021 e 2023, com entrada de R$ 217 bilhões, os investidores estrangeiros viraram a mão e retiraram R$ 25 bilhões do mercado local neste ano.
Além da incerteza fiscal, que pressiona a taxa de juros e desvaloriza o câmbio, a saída de estrangeiros é explicada por fatores externos. Entre eles, o maior rendimento dos títulos do Tesouro americano e a concentração de investimentos em empresas de inteligência artificial, que assumiram o lugar dos mercados emergentes como tese de crescimento.
Impulsionadas pelas big techs, as bolsas de Nova York continuam superando (com folga) os mercados globais. Desde 2020, os índices Nasdaq e S&P 500 acumulam altas de 62,5% e 50,6%, respectivamente.
No mesmo período, o índice MSCI ACWI, que é composto por ações de grandes e médias empresas de mercados emergentes, subiu 35%, enquanto o Ibovespa avançou apenas 7,7% em quase quatro anos.
Mesmo com o mercado americano mais caro do que em anos anteriores, a BlackRock acredita que as ações dos EUA continuarão mais fortes em relação ao resto do mundo.
“Isso deve ser sustentado por uma perspectiva de crescimento favorável, além de potenciais cortes de impostos e flexibilização regulatória”, afirmou a gestora, que é a maior do mundo, com US$ 11,5 trilhões sob gestão. “Também acreditamos que a inteligência artificial, uma das megatendências do futuro, beneficiará mais as ações dos Estados Unidos.”