Em 2021, quando a Oracle anunciou a compra da Cerner – empresa que desenvolveu um sistema de registro de saúde eletrônico (EHR, na sigla em inglês), com dados de pacientes e usado em hospitais –, a aposta tinha tudo para dar certo.

Afinal, a Cerner administrava os registros de saúde eletrônicos de um quarto de todos os hospitais americanos, incluindo os geridos pelo Pentágono e pelo Departamento de Assuntos de Veteranos (AV, na sigla em inglês), que atende 9 milhões de veteranos das Forças Armadas dos Estados Unidos.

Mas o sistema Cerner acabou se tornando uma eterna fonte de problemas para a Oracle, com diversas falhas que resultaram, até agora, em três mortes, segundo uma reportagem do Business Insider.

O sistema de dados da Cerner já apresentava falhas até nas tarefas mais elementares de gerenciamento de dados antes de a empresa ser comprada pela Oracle. Os erros continuaram a aparecer após incorporação do sistema pela gigante de tecnologia.

Os EHRs estão no centro dos cuidados de saúde modernos, usados para armazenar informações médicas de um paciente, marcar consultas, solicitar receitas e acompanhar passos de um tratamento – o que explicaria o maior investimento até então feito pela Oracle, US$ 28,3 bilhões, para adquirir uma empresa.

Entre os vários problemas, uma falha recorrente do sistema de registros eletrônicos da Cerner fez com que mais de 11 mil pedidos de assistência médica desaparecessem em uma “fila desconhecida”. Como resultado, milhares de pacientes não receberam o tratamento prescrito pelos médicos.

Larry Ellison, cofundador da Oracle e atual CEO e CTO da empresa, começou a se interessar pela empresa em meados da década de 2000, quando a RAND Corporation divulgou um relatório estimando que a digitalização em massa de registos médicos reduziria os custos de saúde em US$ 81 bilhões por ano.

Num intervalo de dois anos, entre 2015 e 2017, a Cerner deu um salto ao fechar contratos com Departamento de Defesa e com o VA, no valor total de US$ 14,3 bilhões, para lidar com registros eletrônicos de saúde dos dois órgãos.

Desde então, uma série de fatores contribuíram para o acúmulo de problemas da Cerner. Primeiro, a morte precoce de Neal Patterson, cofundador e CEO da Cerner, por câncer, seguida de uma disputa sucessória.

Em 2020, quando o sistema inaugural da Cerner foi implementado nos hospitais de veteranos, os problemas vieram à tona. Médicos e enfermeiros queixaram-se de que o sistema era lento e difícil de utilizar, obrigando-os a gastar mais tempo a introduzir dados e menos tempo a cuidar dos pacientes.

As ações caíram e, em 2021, quando Ellison fez a proposta, a venda surgiu como uma solução para a empresa.

Tesouro de dados

Com a aquisição, a Oracle fincava um pé no trilionário setor de saúde, que, com US$ 4,4 trilhões, representava cerca de 18% da economia americana em 2022, quando a Cerne foi absorvida pela Oracle.

O objetivo manifestado na época por Ellison era incorporar o vasto tesouro de dados médicos do Cerne nos modelos de IA da Oracle e desenvolver um novo modelo de informação médica digital inovador.

Mas, seis semanas após o fechamento do acordo, a gigante da tecnologia foi convocada para um interrogatório perante o Comitê de Assuntos de Veteranos do Senado. Os senadores listaram 36 soluções que esperavam que a Cerner – agora Oracle – resolvesse.

A reportagem da Business Insider se debruça sobre os problemas do Cerner no atendimento à rede médica e hospitalar de atendimento aos veteranos de guerra, em especial ao sumiço de registros de consultas e procedimentos.

Funcionários dos hospitais administrados pelo VA reclamaram de “um estado constante de hipervigilância e angústia” enquanto lutavam para recuperar e reinserir as ordens perdidas.

As mortes agravaram a situação. Elas foram causadas por problemas de agendamento de consultas e falha na entrega de remédios a pacientes por parte do sistema.

Mais de dois anos após incorporar a Cerner, a gigante de tecnologia afirma ter feito várias melhorias, embora ainda esteja lutando para estabilizar o sistema que comprou.

A Oracle – que admitiu que não sabia de parte dos problemas do sistema quando adquiriu a empresa – ainda não transferiu totalmente o Cerner para a nuvem.

Embora as interrupções tenham diminuído, o VA afirma que elas continuam sendo “uma área de atenção significativa”. No final de abril, o sistema ficou fora do ar por 90 minutos, forçando a equipe a escrever notas à mão.

“Noventa minutos é uma eternidade no tempo clínico”, diz um funcionário de um VA. "Sem agendamento, gráficos, pedidos, leitura - nada."