A argentina Paula Harraca completa dois meses na liderança da Ânima Educação na sexta-feira, 30 de agosto. A data coincide com um encontro online que ela fará com os funcionários do grupo educacional, dono de 25 marcas, 70 campi e 600 polos.

Harraca, que passou 20 anos na siderúrgica produtora de aço ArcelorMittal, vai anunciar a importância da Ânima se agarrar a três pilares nos próximos meses.

O primeiro ela chama de power to the edge ou poder para as pontas. Isso significa tornar a estrutura da Ânima mais simples, ágil e acabar com os diferentes níveis para a tomada de decisões. Aqui, a nova CEO quer uma empresa mais dinâmica.

“Ter uma visão central acabou pasteurizando a comunicação de uma empresa regional. Têm um resgate que estamos começando a fazer. As decisões estavam em muitos níveis, havia muito freio de mão. Isso está sendo enxugado”, diz Harraca, ao NeoFeed.

O que a nova CEO chama de “pasteurização da comunicação” foi a preservação dos legados e das marcas regionais que se juntaram ao grupo, como Unicuritiba e Faculdade Jangada, no Sul, e as universidades Salvador e Potiguar, no Nordeste, por exemplo.

Foi, na época, uma decisão estratégica importante, na visão dela. Mas que não privilegiou a manutenção da linguagem e do histórico de relacionamento que tudo isso trazia de valor com o vínculo formado.

Nas próximas semanas, ela anunciará as decisões para simplificar essa estrutura e dar mais autonomia a algumas posições de liderança para conseguir executar esse projeto.

O segundo pilar, que se liga diretamente ao primeiro, é ser mais data driven. A CEO identificou que havia uma cultura na empresa de valorizar mais as ideias do que os dados. E, para uma empresa que opera regionalmente, esse tipo de decisão prejudica o negócio.

“Precisamos sair do lugar de “opiniologia”. Temos de entender o mercado, com dados, para ter uma organização perene que consiga retroalimentar a sua estratégia”, diz ela.

O último pilar é transferir responsabilidade para as pontas e descentralizar as tomadas de decisão para ganhar dinamismo e conseguir captar rapidamente os valores de cada mercado.

“O processo de dar poder à ponta é difícil, mas com dados você consegue administrar, com confiança, alinhamento, proximidade, ritmo e gestão”, afirma Harraca.

Com base nesses três pilares, Paula Harraca começa a trabalhar com três horizontes de tempo. O primeiro é o que ela chama de imediatíssimo, com olhos e energia na disciplina de olhar dados no presente para conectar ao futuro do negócio da educação.

Em paralelo a esse tempo, ela começa a olhar o curto prazo, mas com ações que estão sendo estruturadas, desenhadas e avaliadas neste momento para serem apresentadas no início de 2025. Isso estará focado na diferenciação da Ânima.

Por fim, os projetos de médio e longo prazo que já existiam internamente, mas que nunca conseguiram ir além do campo das ideias. “As ideias já estavam dentro de casa. Mas é preciso organizar os esforços, porque os recursos são limitados”, diz ela.

“A Ânima continua a avaliar ativamente as oportunidades de eficiência em suas operações, mas as margens se tornarão mais difíceis no segundo semestre de 2024, e o foco principal em seu novo ciclo deverá depender da aceleração do crescimento”, alerta Leandro Bastos, analista do Citi.

Uma necessária desalavancagem

No fim do primeiro semestre deste ano, a Ânima reportou um Ebitda ajustado de R$ 733,3 milhões, 16,2% maior do que no mesmo período do ano passado. Mas o desafio da empresa estava no seu endividamento líquido consolidado, que chegou a pouco mais de R$ 4 bilhões pelo último balanço.

A empresa vem trabalhando na sua desalavancagem para não descumprir os covenants. A alavancagem, que estava em 3,91x há 12 meses, caiu para 2,76x no fim do primeiro semestre.

“Os resultados do segundo trimestre devem reduzir o risco da tese de investimento com outra rodada de desalavancagem do balanço”, escreveram Samuel Alves e Yan Cesquim, analistas do BTG Pactual, em relatório.

No início de agosto, o conselho de administração da Ânima aprovou a realização de uma nova emissão de debêntures, não conversíveis em ações, no valor total de R$ 360 milhões, que iria diretamente para o reforço do caixa.

No segundo trimestre, porém, a empresa fechou com uma posição de caixa de R$ 1,2 bilhão, que é 4,5x superior ao cronograma de amortização da dívida neste segundo semestre.

“O bom trimestre reforçou nossa visão positiva sobre a Ânima. No futuro, esperamos que a discussão sobre a alavancagem fique no espelho retrovisor, com a empresa enfrentando uma base comparável de margem mais forte”, escreveram Caio Moscardini, Karoline Silva Correia e Guilherme Gripp, analistas do Santander.

Além disso, o custo da dívida é o menor desde a aquisição da Laureate, em 2021, quando a empresa estava pagando um spread de CDI + 4,5%. Agora, essa diferença está em CDI + 1,9%.

“O momento é fértil para crescer, mas o desafio não é trivial. O setor ainda está passando pelos desafios que ocorrem no Brasil em um contexto amplo de incerteza”, diz Harraca. “Mas eu nunca subestimei o tamanho da missão.”

O “inimigo” agora é outro: os streamings

O setor de educação superior viveu por muitos anos na dependência do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o programa do Ministério da Educação que financia estudantes de cursos de graduação. Os recursos, que já chegaram a R$ 19,9 bilhões, hoje estão na casa dos R$ 5 bilhões.

Todos os grupos educacionais tiveram de se adaptar a essa nova realidade e vencer a ressaca que o programa federal deixou. Na Ânima, a participação do financiamento público vem diminuindo.

No primeiro semestre, por exemplo, 8,5% dos novos alunos contrataram algum tipo de financiamento, sendo apenas 1,4% via Fies. Os 7,4% restantes escolheram algum financiamento privado (há uma parceria com a Pravaler).

“A educação não concorre com outro player de educação, necessariamente. Ela concorre com a Netflix e com o celular novo”, diz Harraca. “Nossa missão é preparar o jovem para o futuro. Muitas vezes chegam nem-nem [não trabalham, não estudam]. Mas em busca do diploma para abrir uma porta do elevador social.”

Na jornada da educação desenhada pela nova CEO, ainda há valores a serem destravados pelas marcas. A integração entre Ânima e Laureate está finalizada, mas a executiva enxerga potencial para as marcas com o conceito de lifelong learning - ou aprendizado contínuo.

A Singularity University, destino de muitos brasileiros que buscam excelência em inovação e tecnologia, por exemplo, é uma parceira da Ânima. Para Harraca, há uma proporção de 20% de pequenos ajustes para destravar 80% do valor.

A Ânima tem cobertura de oito analistas de mercado. Todos estão com call de compra, com preço médio de R$ 7,03 para a ação ANIM3 - um upside de 108% sobre o preço de tela de R$ 3,38 na quarta-feira, 28 de agosto.

Em 2024, o papel da Ânima acumula desvalorização de 21,7% na B3, para um valor de mercado de R$ 1,4 bilhão. Suas pares na bolsa de valores também estão em baixa: o Ser Educacional recua de 11,6%, a Cogna Educação, -58,3%; e a Yduqs, -52,8%.

De Paula para Paula

Goleira de hóquei sobre a grama (ou hóquei em campo), Paula Harraca chegou à seleção argentina da modalidade. A “cicatriz” desse período é a falta de rotação no ombro direito. Mas do esporte ela trouxe algumas lições para melhorar as competências, principalmente a necessidade do trabalho em equipe e deixar de lado egos e vaidades.

Quando deixou a ArcelorMittal em março do ano passado para um período sabático, fez contato com Daniel Castanho, presidente do conselho de administração e um dos fundadores da Ânima.

Mas os dois só vieram a se encontrar em maio, quando Harraca, que mora em Belo Horizonte, foi a São Paulo participar de um evento da Cargill. No café da manhã também estava presente Marcelo Bueno, sócio-fundador do grupo de educação e então CEO.

Naquele momento, a Ânima estava em “processo seletivo” de um novo executivo para liderar o negócio e substituir Bueno. E Harraca, em transição de carreira, já tinha sido procurada por oito empresas, desde ONGs até gestoras de private equity.

O resultado dessa conversa, Harrara escreveu em seu diário, um hábito de infância que ele mantém até os dias de hoje. O texto começa assim: "Hoje, 27 de maio de 2023, é um dia muito especial para mim. Um dia que ficará gravado na minha jornada de vida. Ou, como o Jeff Bezos fala, um day one. Dia em que eu decidi iniciar um novo livro. Me atrevo a dizer que algum dia se tornará um best-seller." E termina com um "feliz e ânima-díssima."