Figura carimbada na mídia, seja por suas conquistas ou controvérsias, Elon Musk voltou a estampar as manchetes na manhã de quinta-feira, 25 de janeiro. O veículo para que ele ficasse novamente sob os holofotes foi a Tesla. E, desta vez, por motivos nada favoráveis.

Ao divulgar seu balanço do quarto trimestre de 2023, na noite anterior, a empresa de carros elétricos comandada pelo bilionário sul-africano decepcionou Wall Street com números abaixo do esperado. Entre eles, a receita de US$ 25,1 bilhões, abaixo da projeção de US$ 25,8 bilhões do mercado.

À parte desse e de outros indicadores, o que mais chamou a atenção dos investidores e analistas foram as perspectivas da companhia para 2024. Na carona do resultado, a montadora ressaltou que, em meio à desaceleração da demanda, o crescimento da operação no ano pode ser “notavelmente inferior”.

Em uma primeira resposta a essa previsão menos otimista, as ações da Tesla recuaram quase 9% nas negociações do pré-market na manhã de quinta, na Nasdaq. E registravam queda de 11,8% por volta das 12h15 (horário local), dando à companhia um valor de mercado de US$ 581,7 bilhões.

Essa reação foi acompanhada por atualizações na cobertura da empresa. O Barclays, por exemplo, rebaixou o preço-alvo da ação de US$ 250 para US$ 225. E foi seguido pela Cannacord Genuity, que reduziu sua projeção de US$ 267 para US$ 234.

A perspectiva de desaceleração no crescimento da empresa, a grande vedete dos carros elétricos, por si só, já acenderia um sinal de alerta para a categoria que, nos últimos anos, se tornou o principal destino dos recursos da indústria automotiva.

O fato é que, além da Tesla, não faltam casos e dados para ilustrar. Após um boom de investimentos, os veículos elétricos vêm mostrando dificuldade para se consolidarem como o futuro do setor e justificarem todo o hype em torno de suas promessas.

Nessa direção, um dos exemplos são as startups de veículos elétricos e baterias que surgiram na esteira da Tesla e atraíram um volume substancial de recursos. Muitas delas, inclusive, ganharam tração e conseguiram abrir capital nos Estados Unidos.

Depois de turbinarem seus caixas, uma parcela considerável dessas companhias luta agora para seguir em frente. É o que mostra um levantamento do The Wall Street Journal, divulgado em dezembro de 2023.

Segundo o estudo, ao menos 18 startups do setor que cumpriram o roteiro até um IPO entre 2020 e 2022 no país correm o risco de ficar sem dinheiro até o fim de 2024. Das 43 empresas que abriram capital no período, cinco faliram ou foram adquiridas.

Picape elétrica da Lordstown, fabricante que pediu proteção contra falência nos <a href=
EUA" width="860" height="484" /> Picape elétrica da Lordstown, fabricante que pediu proteção contra falência nos EUA

A lista inclui nomes como Lordstown, Proterra e Electric Last Mile Solutions, que acionaram o chapter 11 (proteção contra a falência). Além da fabricante de baterias Romeo Power e a empresa de carregamento Volta, que foram vendidas por um valuation bem abaixo comparado às avaliações obtidas em seus IPOs.

O pano de fundo por trás desse contexto não está restrito à demanda abaixo da explosão projetada para a categoria. Esse contexto também combina e é reforçado por constantes atrasos nos projetos ou mesmo pelas entregas muito aquém das promessas feitas por essas empresas novatas.

O pé no freio das grandes montadoras

A necessidade de recarregar as baterias e recalcular o roteiro vai além desses novos players. E ela é alimentada por outros números que traduzem o desafio para os veículos elétricos ganharem tração entre os consumidores.

A Europa traz alguns dos exemplos mais recentes da desaceleração nessa indústria. Segundo a Associação Europeia de Fabricantes Automobilísticos (ACEA, na sigla em inglês), em dezembro de 2023, as vendas de carros elétricos no Velho Continente caíram 16,9% sobre igual período, um ano antes.

O recuo foi o primeiro da categoria na região desde abril de 2020. A principal retração, de 48%, foi registrada na Alemanha, após o governo local cancelar os subsídios para a compra de carros elétricos no país.

Um dos principais nomes da indústria automotiva alemã e global, a Volkswagen já vinha acusando o golpe diante desse cenário. Em setembro de 2023, a montadora cancelou um investimento de US$ 2,2 bilhões para a construção de uma nova fábrica de carros elétricos no país.

Esse mapa desafiador do setor também vem trazendo reflexos para as grandes montadoras nos Estados Unidos. No fim de novembro de 2023, a Ford anunciou uma revisão no plano de investir cerca de US$ 3,5 bilhões em uma fábrica de baterias, em Michigan.

“Embora sigamos otimistas com a nossa estratégia de longo prazo para veículos elétricos, estamos reprogramando e redimensionando alguns investimentos”, afirmou a empresa, em nota divulgada na época.

No comunicado, a montadora americana informou que a unidade criará mais de 1,7 mil empregos e terá uma capacidade de produção de 20 gigawatts hora por ano. Segundo a rede americana CNBC, a revisão significou um corte de 43% na capacidade do projeto, anunciado em fevereiro do mesmo ano.

Em outubro de 2023, antes de colocar o pé no freio nessa iniciativa, a Ford já havia divulgado que iria cortar ou atrasar cerca de US$ 12 bilhões em investimentos para avançar na produção de veículos elétricos. Nessa trilha, a empresa adiou a construção de uma outra fábrica de baterias, em Kentucky.

Nesse contexto, quem também calibrou seus investimentos na área foi a General Motors (GM). No mesmo mês de outubro e com um discurso semelhante, a companhia suspendeu as metas de curto prazo em sua divisão de carros elétricos.

Até então, o plano era produzir 400 mil veículos elétricos até meados de 2024, dos quais, 100 mil seriam fabricados no segundo semestre de 2023. Uma semana antes desse anúncio, a GM já havia informado que atrasaria em um ano a inauguração de uma fábrica de picapes elétricas em Detroit.

O pacote de más notícias divulgado pela montadora americana em outubro do ano passado incluiu ainda o anúncio do fim de uma parceria com a japonesa Honda para desenvolver a quatro mãos veículos elétricos de baixo custo. O plano previa um aporte de US$ 5 bilhões.

A Ford é uma das grandes montadoras que vem revisando seus planos em carros elétricos
A Ford é uma das grandes montadoras que vem revisando seus planos em carros elétricos

Em paralelo a essas revisões e adiamentos dos planos, outro reflexo da desaceleração na demanda foi o estabelecimento de uma guerra de preços no setor. Diversas empresas embarcaram nesse movimento, entre elas, a Tesla, o que trouxe sérios impactos nas margens das operações.

Na semana passada, esse foi o contexto por trás de declarações do português Carlos Tavares, CEO Global da Stellantis, grupo dono de marcas como Peugeot, Fiat e Jeep. O executivo alertou sobre os riscos dessa prática para esse mercado, ainda em maturação.

"Será uma corrida para o fundo do poço e isso terminará em banho de sangue”, afirmou o executivo. “Quando você faz isso, você está pulando em um oceano vermelho. Quando isso acontece, as coisas ficam muito difíceis no futuro."

Fora da curva

Em meio a esse percurso cada vez mais acidentado, há quem esteja conseguindo se consolidar como um ponto fora da curva. É o caso da chinesa BYD. No último trimestre de 2023, a empresa vendeu 525.409 veículos e superou a Tesla, alcançando no período a liderança global nesse indicador.

No consolidado do ano, a empresa de Elon Musk seguiu na dianteira, com 1,8 milhão de veículos vendidos. Mas, com um patamar de 1,57 milhão de carros entregues, alta de 73% sobre 2022, a BYD mostrou que está acelerando na busca por desbancar a rival.

Maior mercado global de carros elétricos e com a projeção de movimentar US$ 319 bilhões na categoria em 2024, segundo a consultoria Statista, a China tem outros exemplos de empresas dispostas a ganhar tração no segmento. Entre eles, nomes como Xpeng e Nio.

Mais conhecida por sua atuação em smartphones, a Xiaomi também está engrossando essa fileira. No fim de 2023, a companhia apresentou oficialmente o seu primeiro sedã elétrico e reforçou suas ambições em elétricos, ao ressaltar o plano de investir US$ 10 bilhões nesse espaço, em dez anos.

Quem também está apostando alto nessa pista é a Huawei. Na mesma semana, a empresa ampliou seu portfólio com o Aito M9, um SUV elétrico de luxo. Como um atalho para ganhar tração em elétricos, o grupo vem investindo em parcerias com montadoras locais, como Chery e Changan.

Além da escala do mercado consumidor no país, o avanço dos players chineses, inclusive em outras fronteiras, conta com o suporte do governo local, que se reflete em subsídios, incentivos e investimentos em infraestrutura para facilitar a expansão dessas empresas.

Esse ganho de tração das companhias chinesas na categoria não passou em branco na apresentação do balanço do quarto trimestre da Tesla. Na ocasião, Elon Musk disse que essas empresas vão ter um sucesso “significativo” fora da China. Mas fez uma grande ressalva nesse contexto:

“Francamente, penso que, se não forem estabelecidas barreiras comerciais, elas irão praticamente demolir a maioria das outras empresas no mundo”, afirmou Musk, durante a teleconferência de resultados da Tesla.

O bilionário não é o único a mostrar essa preocupação. Desde 2023, a Comissão Europeia vem investigando os subsídios dados aos fabricantes de carros elétricos chineses. Uma das possibilidades na mesa é o estabelecimento de tarifas mais elevadas para os veículos dessas companhias na região.

Em outro capítulo desse imbróglio – que, por sua vez, reforça as tensões entre Estados Unidos e China -, uma reportagem do The Wall Street Journal, publicada em dezembro de 2023, ressaltou que há uma movimentação no governo americano para frear o avanço das empresas chinesas.

Segundo a publicação, a ideia é adotar medidas mais rigorosas na política fiscal aplicada às importações chinesas como uma forma de proteger as companhias americanas do setor. Hoje, os veículos elétricos importados estão sujeitos a uma alíquota de 25%, que pode ser ampliada para 27,5%.