Há menos de um mês, o Bradesco anunciou a mudança de CEO e alçou Marcelo Noronha, até então vice-presidente responsável pelo varejo, ao comando do banco. Desde então, Noronha não falava com a imprensa. Nesta segunda-feira, 18 de dezembro, ele quebrou o silêncio.

Ao lado de Luiz Carlos Trabuco Cappi, o presidente do conselho de administração do Bradesco, e acompanhado dos principais executivos do banco, Noronha recebeu um grupo de jornalistas em um almoço na sede do banco de atacado, o Bradesco BBI, na Faria Lima, em São Paulo.

Na ocasião, tanto Noronha como Trabuco falaram sobre o desempenho da economia em 2023, deram suas visões sobre 2024 e comentaram o que enxergam tanto nas questões macroeconômicas e políticas como no universo empresarial.

“Vemos crescimento da massa salarial, menor alavancagem das empresas e aumento no lucro delas”, diz Noronha. O otimismo, sobretudo depois da aprovação da reforma tributária, é compartilhado por Trabuco. “O Brasil voltou a estar entre os dez maiores PIB do mundo. Com pouco esforço, ele vai para o oitavo. Então é uma perspectiva boa”, diz ele.

Como será a estrutura do banco, as mexidas que Noronha pretende fazer e como o segundo maior banco privado do Brasil vai trabalhar, ainda é uma incógnita. O executivo não quis dar spoiler, mas disse está preparando um plano de restruturação que será apresentado somente em fevereiro do ano que vem.

Indagado pelo NeoFeed se o Bradesco está disposto a chacoalhar suas estruturas e mexer na cultura para a tal transformação, Trabuco foi direto ao ponto. “Sim. E nós temos uma visão muito clara que cultura não pode ser âncora. Cultura são as raízes. E então a cultura se alimenta de ingredientes, é o crescimento de uma árvore. Ela não é uma âncora estática.” Acompanhe a seguir os principais trechos da conversa:

MACROECONOMIA E OS SINAIS POSITIVOS
NORONHA: A gente deve terminar o ano aí com o PIB com crescimento próximo de 3%, um crescimento interessante, com um IPCA de 4,9%. E para o ano que vem eu vejo a perspectiva de a gente ter um crescimento ao redor de 2% do PIB e com uma inflação bem controlada ali na baixa de 4%. O que a gente está vendo de positivo, olhando para frente, são alguns pontos. Primeiro, o crescimento da massa salarial, que vem eminentemente dessa força empregada, de trabalhadores na economia, e não por outros incentivos. O crescimento vem do trabalho, desemprego controlado. A gente já teve um crescimento importante este ano e para o ano que vem a gente também tem um outro crescimento, acho que tem em torno de 6% da massa salarial atual.

NAS EMPRESAS BRASILEIRAS, MENOS ALAVANCAGEM E MAIS LUCRO
NORONHA: Olhando para as 438 empresas de capital aberto no Brasil, excluindo aquelas sempre dão algum desvio para melhor ou para pior, que são Petrobrás, Vale e Eletrobras, por conta dos números que são grandiosos no conjunto da obra, tem algum desafio em custos operacionais para o próximo ano. As empresas de commodities têm talvez até um pouquinho de pressão no preço, mas o dado positivo é que a gente vai sair de uma alavancagem de média, dívida líquida versus Ebitda, de 2,1 vezes para 1,8 vez aproximadamente, o que é um dado bem positivo. Devemos ter crescimento de lucro. Esse conjunto de empresas tem capacidade de balanço para fazer distribuição de dividendos no ano que vem. Isso deve gerar oportunidades de crescimento tanto no mercado de crédito para as grandes empresas quanto para o mercado de capitais.

HÁ JANELA NO MERCADO DE CAPITAIS?
NORONHA: A gente acha que deve ter janela em 2024. Os indicadores estão melhorando. Você vê a expectativa do mercado americano para queda da taxa de juros. Então, se a gente vê essa queda, isso favorece diretamente o mercado de capitais. O primeiro trimestre será o mais fraco para a economia no ano que vem. A gente deve observar um crescimento trimestre a trimestre até o último tri, quando estaremos com um crescimento relativo maior, apontando para anos vindouros, esse é o horizonte que estamos trabalhando.

A PROVA DE FOGO EM 2023 E O QUE VEM EM 2024
TRABUCO: Se a gente olha os fatores extraordinários esse ano, foi bom. O retrato e o prognóstico em janeiro deste ano, após a sucessão e após 8 de janeiro, assim por diante, jogava um PIB bem inferior, o que mostrou que no Brasil dá a resposta. E a aprovação da reforma tributária e esses ajustes na tributação, os fundos offshore, essa discussão foi um ganho da política fiscal e a política monetária acho que seguiu. Então, embora os prognósticos de 2024 possam estar ainda um pouco em construção, eu acho que o Brasil tem condições de ter um ano muito bom em 2024, até porque a mudança da direção da política monetária americana já sinalizou isso. É ver o preço dos ativos, o preço do ouro, a curva de juros dos Estados Unidos... O Brasil voltou a estar entre os dez maiores PIB do mundo. Com pouco esforço, ele vai para o oitavo. Então é uma perspectiva boa.

POR QUE O CONSELHO ESCOLHEU NORONHA?
TRABUCO: A perspectiva com relação à chegada do Marcelo, retomar os desafios de reestruturação em relação os aspectos estratégicos que aí estão nos faceando, a gente vê o processo muito evolutivo, não só da segmentação como da digitalização. Então, acho que cabe assim, um novo olhar do Marcelo, pela experiência dele, como banqueiro, como bancário, tempo que possui uma liderança reconhecida. O Conselho reconheceu no Marcelo as condições de liderança, de liderar um processo de transformação, respeitando aspectos culturais da empresa, princípio colegiada, visão participativa, enfim, eu acho que é uma tarefa para a qual ele está preparado.

O ITAÚ MUDOU A CULTURA, O BRADESCO PODERÁ FAZER O MESMO?
TRABUCO: Sim. E nós temos uma visão muito clara que cultura não pode ser âncora. Cultura são as raízes. E então a cultura se alimenta de ingredientes, é o crescimento de uma árvore. Ela não é uma âncora estática.
NORONHA: A gente tem que fazer uma certa distinção e tomar um certo cuidado com isso. Em uma organização, você tem valores que ancoram a cultura. Você não muda certos valores, mas a cultura evolui e você tende a evoluir com ela. Agora você mantém o quê? Aquilo que está no seu DNA, que são valores importantes. Os valores estão aqui, na base, no DNA das organizações, inclusive lá do Itaú. Com os valores continua na cultura, fazendo parte da construção dessa cultura.

SETORES QUE CHAMAM ATENÇÃO DO BANCO
NORONHA: A gente estava vendo que o setor, talvez de maior destaque, também positivo, é o setor de real estate. Você vê que é um setor que, depois daquela crise que a gente viu no passado, que tinham aqueles distratos e tudo mais, e o setor se equilibrou completamente. O agro é um setor que vai continuar crescendo. A gente vai observar isso nos próximos anos. Está ganhando produtividade, altamente competitivo. Agora vai ganhar participação em relação ao nosso PIB, que hoje é 7,7% ainda. Você tem espaço para ganhar participação aqui dentro. Tudo que é produzido de PIB para gente, a gente tem uma presença forte.

O PRÊMIO DA REFORMA TRIBUTÁRIA
NORONHA: Os economistas estimam um prêmio de crescimento com esse IVA da ordem de 0,5 ponto percentual a mais no PIB no longo prazo. Estou falando da década de 2030. Acho que essa discussão da reforma tributária não acabou porque toda essa discussão de leis complementares que vamos observar no próximo ano vai consumir grande parte da agenda política, não é trivial.
TRABUCO: Esse ganho que nós tivemos esse ano com a reforma tributária é uma coisa que, com o passar do tempo, vamos olhar para trás, e veremos que foi uma coisa assim, formidável. Uma reforma aprovada dentro de um ambiente democrático, pleno, com todos pesos e contrapesos. Ela aconteceu e está sucedendo um sistema tributário que foi implantado durante o regime militar. Então, ela foi aprovada porque amadureceu na sociedade brasileira. Por isso que eu acho que é o seguinte: o ano foi bom para o Brasil. A reforma tributária vai dar um gás na indústria.

A OPORTUNIDADE QUE O BRASIL NÃO PODE PERDER
NORONHA: Se tem uma perspectiva extremamente positiva é o setor de energia. Mas não só o setor de energia, com toda a estrutura de energia limpa que a gente tem no Brasil, mas essa regulação do mercado de carbono. Temos até 2029 para o Congresso entregar essa legislação e o governo federal vai ter que estabelecer metas até 2029. Não é longo esse tempo. As empresas estão longe de estar preparadas para isso. E aí, a partir de 2030, a gente vai ter o mercado regulado e não regulado de carbono. Estão dando de graça para um país como o Brasil, que tem essa matriz energética e tem outras fortalezas, para fazer esse negócio acontecer. Acredito aqui que a gente tem um bônus para frente. Acho que esse governo está antenado com isso, o Congresso está antenado com isso, mas as empresas também precisam estar antenadas porque é uma grande oportunidade para o Brasil.