Carros, vans, motos e até mesmo bicicletas percorrem diariamente as ruas das grandes cidades lidando com desafios como o trânsito, os prazos e a segurança para entregar os pedidos cada vez mais frequentes realizados no comércio eletrônico.

Mais conhecido como última milha, esse trajeto ainda é um dos grandes gargalos para o avanço do setor no País. E está no centro de uma nova estratégia local da DHL Express, braço de serviços de encomendas expressas do grupo alemão DHL, um dos gigantes do setor de logística.

Em agosto, a DHL Express começa a testar o uso de lockers, como são chamados os armários instalados em pontos de grande movimentação e utilizados para a retirada de encomendas. O formato será adotado para atender aos pedidos feitos pelos consumidores nos sites de e-commerce clientes da companhia.

“Nós já prevíamos a adoção desse modelo para reforçar nossa estratégia multicanal, porém, mais para o fim de 2020”, diz Mirele Mautschke, CEO da DHL Express no Brasil, em entrevista ao NeoFeed. “Mas, com a pandemia, decidimos acelerar as conversas e antecipar esse plano.”

As conversas em questão vinham sendo mantidas desde o fim de 2019 com a Clique Retire, que é a parceira da DHL Express no projeto. Fundada em 2017, a empresa é uma das pioneiras desse mercado, bastante difundido em países como China e Alemanha, mas que ainda engatinha no Brasil.

A Clique Retire começou a instalar seus primeiros lockers em 2019. Hoje, sua rede tem 130 unidades, sendo 100 no Rio de Janeiro e 30 em São Paulo. A companhia mantém armários em estações de metrô, postos de combustível e shoppings, por meio de parcerias com as concessionárias dos serviços de transporte e também com empresas como BR Distribuidora e a administradora de shoppings BRMalls.

O projeto piloto da DHL Express terá início no Rio de Janeiro. Conforme a demanda, toda a rede de lockers na capital fluminense poderá ser usada pela companhia, que está negociando com dez sites de e-commerce interessados em participar do lançamento da ação. Nessa busca por parcerias, a empresa também tem o auxílio da Clique Retire, que hoje atende a clientes como B2W e O Boticário.

Ainda não há previsão de oferta do formato para outras cidades. A princípio, a ideia é testar a demanda e a aderência da ação no mercado carioca. A parceria inclui, porém, a possibilidade de seguir a expansão traçada pela Clique Retire.

“Nosso plano é fechar 2020 com uma rede entre 500 e mil lockers”, diz Gustavo Artuzo, diretor-executivo da Clique Retire. “E, em cinco anos, a meta é construir uma base de dez mil unidades no País.”

O plano da Clique Retire é fechar 2020 com uma rede de 500 a mil lockers no País

Nesse ano, essa expansão estará concentrada nos mercados do Rio de Janeiro e de São Paulo. As próximas paradas são as cidades de Curitiba (PR) e Belo Horizonte (MG). Na capital mineira, inclusive, a Clique Retire acaba de abrir um novo canal, com a instalação de lockers em um prédio comercial.

Na contramão de sua parceira na empreitada, a DHL Express guarda a sete chaves os números de sua operação local. O único indicador revelado é o crescimento de 7,3% da subsidiária de janeiro a maio desse ano, na comparação com o mesmo período, um ano antes.

Globalmente, a divisão que é o carro-chefe do grupo, com uma receita de € 17,1 bilhões em 2019, tem mais de 105 mil funcionários e atende 2,7 milhões de clientes, em mais de 220 países.

À margem dos cliques

Um dos principais motivadores do projeto da DHL Express é dar uma opção para as empresas que usam os seus serviços ampliarem suas fronteiras. “Estávamos buscando soluções para quem mora em áreas de risco e quem nem sempre têm a rua atendida, por diversas restrições”, diz Mirele.

Essa questão é também ressaltada por Patricia Starling, diretora comercial da DHL Express. “Hoje, no Rio de Janeiro, temos muitas zonas nas quais nosso courier não pode entrar”, observa. “E a necessidade de encontrar maneiras de contornar essa dificuldade foi ratificada pela Covid-19.”

Artuzo, da Clique Retire, ilustra esse cenário com números. “Cerca de 47% da população do Rio de Janeiro têm algum tipo de restrição logística. Em São Paulo, esse índice é de 25%”, afirma. “Hoje, muitas pessoas e comunidades estão, na prática, fora do alcance do comércio eletrônico.”

Para Mauro Schluter, professor e especialista em logística do Mackenzie, além da inclusão desse público, o investimento em lockers vai ao encontro de uma questão que deve ganhar corpo no e-commerce, a partir do impulso gerado pela pandemia.

Ele destaca que a última milha representa, em média, 40% dos custos de transporte do e-commerce. “Com o salto esperado desse canal, há uma tendência de aumento no fracionamento das cargas, o que pode elevar essa fatia até 80%”, diz Schluter. “Nesse contexto, os lockers são uma alternativa mais barata e eficiente.”

Cerca de 47% da população do Rio de Janeiro têm algum tipo de restrição de logística. Em São Paulo, esse índice é de 25%

Nesse período de validação do modelo, a intenção da DHL Express é concentrar o uso dos lockers apenas para a retirada de encomendas. A empresa e a Clique Retire já avaliam, no entanto, estender o formato a outras finalidades.

Uma das possibilidades na mesa envolve outra dor do e-commerce e de todo o setor de logística no País. “Temos um pipeline de diversas oportunidades a partir dos lockers”, conta Patricia, da DHL Express. “Entre elas, usar esse modelo para devoluções de pedidos e logística reversa.”

Mirele Mautschke, CEO da DHL Express no Brasil

A DHL Express e sua parceira não estão sozinhas na última milha. A startup NewPost investe em lockers e tem parcerias com varejistas como Leroy Merlin e Cobasi. Os Correios também anunciaram recentemente o investimento nesse segmento. O aplicativo de delivery iFood e a rede de farmácias Panvel são outras empresas que apostam nesse conceito.

A última milha também vem atraindo a atenção de grandes varejistas, que têm fortalecido seus serviços de entrega para os produtos vendidos em seus canais de e-commerce e de marketplace. É o caso do Mercado Livre, com o Mercado Envios, sua unidade de negócios de logística, que concentra uma parcela considerável do investimento de R$ 4 bilhões projetado pela empresa no País em 2020.

Magazine Luiza, com o Magalu Entregas, e B2W e Lojas Americanas, com o Ame Flash, antes batizado de Voe, também estão nesse roteiro. Ao mesmo tempo, o mercado ainda comporta startups que oferecem uma alternativa aos serviços tradicionais de entregas do e-commerce da DHL Express, como a Loggi.

Além dos lockers

Para se posicionar diante da concorrência, a ampliação do campo de atuação é também o norte da estratégia local da DHL Express para sua rede de lojas, formada hoje por 11 unidades próprias, além de 350 pontos ativos por meio de acordos com parceiros como lojas de câmbio e de agências de viagens.

Hoje, essa rede opera basicamente como um ponto de envio dos produtos de pequenas e médias empresas – perfil que responde por 79% da base de clientes da empresa no País – a seus clientes. Um dos planos para ampliar o leque de serviços é incorporar o recebimento de encomendas, inclusive importações.

A companhia também quer usar essas unidades para reforçar sua atuação como consultora para que esses varejistas explorem as oportunidades do comércio eletrônico cross-border. Segundo a consultoria Ebit Nielsen, o segmento movimentou R$ 12,9 bilhões em 2019, um salto de 67% sobre 2018. Boa parte desse montante, no entanto, veio de brasileiros comprando em sites do exterior.

Ao mesmo tempo, a DHL Express está segurando o plano de expansão de suas lojas para avaliar os reais impactos da pandemia no comportamento dos consumidores.

“Há uma tendência de as empresas investirem mais em home office e das pessoas migrarem para cidades menores”, diz Mirele. “Como já temos uma boa capilaridade, vamos aguardar para entender qual cobertura precisaremos ter para atender essa mudança.”

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