Quando anunciou uma nova lista de privatizações do Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), na quarta-feira, 21 de agosto, o governo federal informou que o processo começará pelos Correios. A mensagem, esperada há um bom tempo, foi bem recebida pelos críticos da ineficiência estatal, da qual a empresa se tornou um dos principais símbolos nos últimos anos.

Mas, à parte de qualquer comemoração, a privatização da companhia promete ser o processo mais complexo entre as operações incluídas no pacote. E para concluir esse roteiro, será preciso enfrentar uma série de barreiras e desvios.

“O caso dos Correios não é trivial. Os trâmites e discussões tendem a levar muito mais tempo”, diz José Carlos Berardo, especialista em concorrência e regulação do Lefosse Advogados.

Um dos pontos que tornam esse caminho mais lento é o fato de que a empresa detém o monopólio do serviço postal e do correio aéreo nacional garantido pela Constituição. E, em razão disso, a privatização do ativo passa, necessariamente, pelo aval do Congresso.

Outra questão é o debate sobre como ficará a fiscalização do serviço, caso ele seja privatizado. E, por fim, como impedir que um eventual comprador priorize apenas os grandes centros urbanos, em detrimento das localidades mais distantes.

“O poder executivo não pode simplesmente passar por cima da necessidade de autorização legislativa”, afirma Berardo. “E, nessa esfera, vai haver muitos gargalos, pois a discussão envolve elementos que vão além do escopo jurídico.”

“O caso dos Correios não é trivial. Os trâmites e discussões tendem a levar muito mais tempo”, diz José Carlos Berardo, do Lefosse Advogados

Mesmo entre os que enxergam a alternativa como positiva, há quem entenda que o processo deve ser conduzido com calma. “O ideal seria fatiar a privatização”, afirma José Alberto Panzan, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Campinas e Região. “Até porque grandes operadores globais vão ter dificuldade para digerir, de uma vez, um mamute com mais de 100 mil funcionários.”

O volume de funcionários da empresa, bem como a atuação dos sindicatos e associações de classe são outros dois componentes que prometem ajudar a ferver esse caldeirão. “Nós criamos uma frente unindo todas as entidades e já estamos trabalhando junto ao Congresso”, diz Maria Inês Capelli Fulginiti, presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap).

Ela, assim como seus pares, é contrária à privatização. “Espero que os estudos que serão conduzidos pelo BNDES consigam enxergar que os Correios prestam um serviço essencial, mas podem, sim, gerar lucro.”

Monopólio deficitário

Os péssimos resultados reportados pelos Correios em boa parte dos últimos anos são alguns dos motivos que ajudaram a colocar a estatal na berlinda. Entre 2015 e 2016, a companhia somou um prejuízo de R$ 3,58 bilhões. “Como pode uma companhia que possui um monopólio ser deficitária”, diz Panzan, repetindo um questionamento de muitos dos críticos da operação.

Maria Inês atribui o período de perdas a dois fatores, em especial. O primeiro deles, o congelamento, entre 2012 e 2014, das tarifas postais, segundo ela, muito em função da campanha da reeleição da então presidente Dilma Rousseff. O segundo aspecto foi o repasse de dividendos dos Correios para o governo, no fim de 2015. O valor de R$ 3,8 bilhões superou os 25% obrigatórios por lei.

Impactado ou não por esse montante, o fato é que os Correios passaram a ter pouco fôlego para investir e acompanhar as mudanças no mercado. Ainda mais quando comparado aos aportes milionários recebidos por rivais que até pouco tempo não estavam no roteiro da empresa, entre eles, startups de logística como a Rappi e a Loggi.

As trocas constantes de presidentes, acompanhando as correntes políticas em alta em cada momento, só ajudaram a reforçar o cenário incerto da empresa. Desde 2015, cinco nomes ocuparam o posto.

Entre 2015 e 2016, a companhia somou um prejuízo de R$ 3,58 bilhões

Apesar dessa movimentação intensa, os Correios voltaram a operar no azul em 2017 e 2018, com lucros líquidos de R$ 667,3 milhões e R$ 161 milhões, respectivamente. O resultado positivo na última linha do balanço não veio sem episódios de impacto. Entre eles, o fechamento de agências e o anúncio de uma série de programas de demissão voluntária.

Procurado pelo NeoFeed, os Correios afirmaram, em comunicado, que aguardam a orientação do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações para a qualificação de estudos que serão realizados no âmbito do PPI.

“A atual administração ratifica as orientações do Presidente da República de recuperar os indicadores financeiros e a eficiência para garantir a sustentabilidade da empresa. Na operação, iremos assegurar a continuidade na prestação de serviços de qualidade ao cidadão”, escreveu a companhia, na nota.

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