Aos 39 anos, o lituano Olegas Orlovas acumulou uma boa quilometragem como empreendedor desde que desembarcou no Brasil, em 2009. De lá para cá, foram dois restaurantes, uma incorporadora e uma loja virtual de dermocosméticos.

Acostumado a trafegar por diferentes roteiros no mundo dos negócios, ele, no entanto, nunca se desviou de seu principal objetivo: oferecer uma nova alternativa para a última milha, como é chamado o trecho final percorrido para que uma encomenda chegue nas mãos de seu destinatário.

Batizada de NewPost, a nova tacada do empreendedor começa a ganhar tração. Com um investimento próprio de R$ 8 milhões e em operação desde o fim de 2018, a startup está construindo uma rede de armários, mais conhecidos como lockers, para serem usados como pontos de envios, recebimentos e logística reversa de pacotes e remessas, com maior foco nos produtos comprados via e-commerce.

Os equipamentos estão sendo instalados em locais de grande fluxo, como lojas e condomínios comerciais. E a lógica é simples. De um lado, o consumidor passa a ter uma nova alternativa para receber as suas encomendas. No local e horário que forem mais adequados à sua agenda.

Ao mesmo tempo, essa conveniência abre caminho para que as lojas virtuais atraiam mais cliques dos internautas. Hoje, a última milha é um dos grandes gargalos desse mercado. Das restrições de segurança em áreas de risco ao fato de o consumidor nem sempre estar em casa, vários são os fatores que dificultam, encarecem ou mesmo impedem as entregas no setor, cujas vendas, mesmo diante dessas barreiras, cresceram 12% em 2018, para R$ 53,2 bilhões.

Locker da New Post

“A comodidade aumenta o bolo de usuários”, diz Olegas, CEO e fundador da NewPost. Para reforçar sua tese, ele faz uma comparação. “O Uber não tirou mercado dos taxistas. Ele trouxe um novo usuário para esse tipo de transporte. Nosso plano é fazer o mesmo com o e-commerce.”

A NewPost já mantém uma base de 66 lockers em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. Os primeiros projetos envolvem lojas da Leroy Merlin, varejista de materiais de construção, e da Cobasi, rede de pet shops. Outros 300 equipamentos já estão contratados e em fase de produção.

Competição em redes

A startup não está sozinha nessa jornada até as mãos do consumidor. Fundada em 2017, a Clique & Retire é mais uma a investir em lockers no País, com um aporte de R$ 10 milhões. O montante inclui os R$ 6 milhões captados em duas rodadas de investimentos, que contaram com a participação da consultoria Odgers Interim e do family office da família Gontijo, conhecida por seus negócios no setor de construção civil.

A Clique e Retire programa o início da operação de sua rede para outubro. Até o fim do ano, serão 200 máquinas no Rio de Janeiro. O ponto de partida é um contrato com a Invepar, para a instalação, já em andamento, de equipamentos nas estações do metrô carioca.

Hoje, a última milha é um dos grandes gargalos do comércio eletrônico

No primeiro ano de funcionamento da rede, o plano é chegar a mil pontos, divididos entre a capital fluminense e São Paulo. “Em cinco anos, queremos ter uma rede de 10 mil lockers, com capacidade de movimentar 1 milhão de pedidos por dia”, diz Márcio Artiaga, CEO e fundador da Clique e Retire.

Ele cita o exemplo de países nos quais essa abordagem está consolidada. Nos Estados Unidos, iniciativas de empresas como a Amazon popularizaram os lockers. A China, por sua vez, tem a maior base instalada, com 300 mil equipamentos. No Brasil, Artiaga estima, inicialmente, um mercado potencial de 50 mil máquinas.

A possibilidade de reduzir custos e tempo, ao concentrar o roteiro de entregas e coletas em determinados pontos, é mais um componente que favorece o avanço dessa tendência. “A última milha é o maior peso na logística, especialmente para o e-commerce”, afirma Mauro Schluter, professor de logística do Mackenzie. “Com iniciativas desse porte, é provável que o preço dos fretes caia na ordem de 15% a 20%.”

Os lockers não são a única proposta nesse novo pacote. Com o avanço das estratégias multicanal, muitos varejistas já usam suas lojas físicas para a retirada de produtos comprados em seus canais online, sejam eles do próprio portfólio ou de parceiros presentes em seus marketplaces. O Magazine Luiza é um exemplo. Hoje, 60 lojas da empresa oferecem esse formato.

Os sócios do Pegaki: João Cristofolini (à esq.) e Daniel Frantz

No mercado desde 2016, a Pegaki, que captou R$ 1,7 milhão via equity crowdfunding, investe em um modelo parecido. Mas sem unidades próprias. De grandes redes a pequenos estabelecimentos, a novata estabelece parcerias com farmácias, lojas de conveniência, franquias e outros segmentos do varejo para a instalação de pontos de retirada nesses locais. A lista passa por nomes como Carrefour, Mundo Verde e 5àsec.

A startup cuida da logística, além de fornecer sistemas de gestão e treinamento para que os funcionários do parceiro façam o atendimento na ponta. Hoje, essa rede é formada por 600 pontos distribuídos em diversas regiões do Brasil. E movimenta um volume mensal de 10 mil pedidos. “Queremos alcançar 3 mil pontos e 100 mil pedidos por mês até o fim de 2020”, afirma João Cristofolini, CEO e cofundador da Pegaki.

A rede da Pegaki é usada como canal de entrega dos produtos do e-commerce de empresas como Renner, Dafiti, Printi e Wine. Hoje, essa carteira é formada por dez clientes. “Nós conectamos todas as pontas e todos ganham nesse processo”, diz Cristofolini. Os pontos de venda parceiros ilustram esse discurso. Além de aumentar o fluxo de consumidores na loja em questão, a empresa desenvolve promoções para incentivar compras no local. “A conversão, em média, chega a 30%”.

Os lockers da NewPost também contabilizam ganhos para os parceiros. A Leroy Merlin é um deles. “Em três meses de operação, reduzimos o tempo de retirada dos produtos nas lojas da rede de 17 minutos para 21 segundos”, diz Orlegas. “E aumentamos o fluxo em 30%”.

Novos roteiros

Para consolidar os seus modelos de negócio, essas startups já estão desenvolvendo novos caminhos. Entre outras novidades, a NewPost quer impulsionar a modalidade de envios. E projeta, até o fim do ano, oferecer planos de assinatura específicos para consumidores, empresas de pequeno e médio portes, e grandes companhias.

A rede da Pegaki é usada como canal de entrega dos produtos do e-commerce de empresas como Renner, Dafiti, Printi e Wine

A Pegaki, por sua vez, acaba de lançar um serviço voltado à “primeira milha”. Trata-se de pontos, disponíveis inicialmente em São Paulo, para a coleta de produtos de pequenos e-commerce, que realizam até vinte vendas por dia. A ideia é ganhar escala no vácuo das ineficiências dos Correios, já que esse perfil de loja costuma ter a estatal como único recurso.

A companhia também testa novos modelos. Um dos projetos é um piloto em parceria com a Dafiti, e-commerce de moda. A Pegaki instalou provadores em dez pontos de retirada de sua rede. “O consumidor vai retirar a peça, prova na hora e, se não gostar, já deixa na loja para que a gente faça a logística reversa”, explica Cristofolini.

Investir em outros recursos é também a estratégia da Clique e Retire. Entre as possibilidades, estão o uso de seus lockers como mini-hubs para estocar produtos de pequenos lojistas nas estações de metrô e a veiculação de publicidade nos monitores instalados em suas máquinas. “O mercado está apenas no começo e tem espaço para todos”, afirma Artiaga, com uma ressalva. “Esse negócio é uma maratona, não uma corrida de cem metros. Só vai ficar quem tiver um projeto de longo prazo.”

Ao que tudo indica, na disputa pela última milha, a largada já foi dada.

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