Na semana passada, o executivo Felipe Bottino, diretor da Inter Invest, que reúne a asset, a wealth management, o investment banking, a área de research e a plataforma de investimentos do Inter, publicou uma mensagem enigmática na rede social corporativa LinkedIn.
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A mensagem não teve sequência e deixou muita gente curiosa no mercado financeiro. Afinal, o que o banco digital da família Menin, hoje com 10 milhões de correntistas e avaliado em R$ 39,56 bilhões na B3, estaria preparando?
Pois a resposta para a pergunta foi antecipada para o NeoFeed e vai, de fato, mexer com o setor de investimentos. Como se diz nas redes sociais para definir um evento que vai gerar confusão, o Inter vai “botar fogo no parquinho”. Ou, como diz Bottino, vai apertar o botão que aciona a bomba atômica.
A companhia vai lançar um cashback de ofertas públicas. Ou seja, em toda oferta pública que o banco receber comissão de distribuição, como em IPOs, follow ons, debêntures incentivadas ou não, CRIs, CRAs e fundos imobiliários, vai repassar 50% para os investidores de sua plataforma.
“Seremos os primeiros a fazer isso. Até então, não existia no mercado”, diz Bottino com exclusividade ao NeoFeed. Além de ser, de certa maneira, inovador no tradicional mercado brasileiro, isso deve pressionar outros players a fazer o mesmo.
Há muito dinheiro em jogo na mesa. De acordo com um estudo do Inter, baseado em números da Anbima, os bancos receberam R$ 4 bilhões em comissões pela coordenação e distribuição de ofertas públicas que totalizaram R$ 313,4 bilhões no ano passado.
Isso inclui fundos imobiliários, ações e renda fixa, com exceção de Fidcs. Só em comissões de distribuição, foram R$ 403 milhões. Para 2021, como é esperado um recorde de captação, estima-se que esse montante atinja R$ 1 bilhão.
Com 1,5 milhão de investidores em sua base de clientes, dos quais 350 mil que operam no home broker, o Inter, com R$ 44 bilhões sob custódia, se tornou um importante distribuidor de produtos. São mais de 130 fundos e, na área de renda fixa, entre títulos e emissão própria, são outros 100. Seus executivos acreditam que o banco poderá devolver aos clientes investidores algo entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões por ano.
Em média, a comissão de distribuição de renda fixa é 1%, ações 0,30% e fundo imobiliário é 1,5%. Lucas Fonseca, head de produtos da Inter Invest, diz que “no mercado, praticamente 100% dessas ofertas têm uma cláusula de comissão de sucesso ou de remuneração de incentivo. E o sucesso aqui é o do coordenador, não do investidor.”
Fonseca explica que, nas cláusulas de comissão, o coordenador recebe uma remuneração de 30% do benefício econômico obtido pela emissora na diferença entre a taxa teto e a taxa final alocada.
“Isso quer dizer que, se eu sair na rua com uma operação de IPCA mais 5% e o coordenador tiver a capacidade de fazer sair IPCA mais 4% - ou seja, mais barata para a companhia, o investidor de varejo está ganhando menos e a companhia terá um custo de captação mais barato”, afirma. E prossegue. “Porém, o coordenador diz que 0,30 ponto percentual dessa diferença fica com ele.”
Na prática, o que o Inter está propondo ao criar esse cashback de oferta pública é dividir esse bolo. Numa oferta de ações, por exemplo, é como se o papel tivesse valorizado 0,15% na cabeça. “É como se tivesse entrado num IPO com o papel a R$ 100,00 e ele estivesse valendo R$ 100,15 de um dia para o outro. Em fundo imobiliário, 0,75%”, diz Fonseca.
“É um negócio inovador, que deverá trazer mais competição ao mercado de investimentos”, diz Roberto Attuch Jr., CEO da empresa de análise independente Ohmresearch.
Um executivo de uma grande gestora internacional com o qual o NeoFeed conversou diz que esse movimento do Inter pode ter um efeito parecido com o causado pela XP, quando a empresa zerou as taxas de corretagem para quem investisse em tesouro direto.
“A XP zerou para trazer mais recursos para dentro e depois gerar outros negócios”, diz esse executivo. “Outros bancos acabaram seguindo. Mas ninguém dá nada de graça, não acredito em um paladino da justiça, sempre há uma intenção de gerar outros negócios lá na frente e o Inter deve ter isso em mente”, diz ele.
O efeito desse cashback de ofertas públicas, diz esse mesmo gestor, também é muito psicológico. Todo mundo quer comprar o melhor produto pelo melhor preço e a palavra cashback soa como música aos ouvidos dos investidores.
Ainda mais no Brasil, um mercado ainda muito “selvagem” em termos de cobrança de taxas. O mercado brasileiro de hoje faz lembrar o mercado americano de antes do estouro da bolha pontocom nos anos 2000. “Ou você pagava 1% na entrada ou entrava num fundo e pagava taxas embutidas sem saber e ficava preso a ele por quatro anos”, diz um gestor que conhece profundamente o mercado americano.
Hoje, nos EUA, dependendo de quanto o investidor tem em conta, algumas corretoras cobram um fee fixo e o cliente consegue ter acesso a produtos mais baratos. Outra modalidade que vem ganhando força é a chamada fulcrum fee, na qual o fee sobe e desce de acordo com a performance.
O fato é que por aqui a atitude do banco digital comandado por João Vitor Menin vai também jogar luz às taxas que são praticadas por distribuidores. “É algo que a indústria não gosta de mostrar e ainda é um tabu. O ideal seria que os investidores soubessem tudo que eles pagam”, diz um executivo com grande trânsito na Anbima. “Isso pode chamar a atenção dos investidores.”
Além de cobrir a ponta, no varejo, a meta de Bottino é levar isso também para as coordenações de IPOs. O Inter ainda atua timidamente nesta área onde imperam BTG Pactual, Itaú BBA, Credit Suisse, Bradesco BBI, XP, entre outros.
No primeiro trimestre, coordenou um total de emissão de ofertas de R$ 350 milhões. Entre elas, uma emissão de debêntures da Alsol Energias Renováveis, da Energisa, no valor de R$ 130 milhões. “Estamos estudando, mas nesse segmento poderemos cobrar a metade das taxas de comissão praticadas no mercado”, diz ele.
Ao fazer isso e participar de um sindicato de bancos num IPO, por exemplo, o banco, em tese, pode trazer mais “call” para ele. “Isso, sim, faz pegar fogo”, diz Attuch Jr., da Ohmresearch.
Mas nem tudo no segmento de investment banking está relacionado a preço. De acordo com um gestor de uma casa bilionária, na hora de uma abertura de capital, o que conta também é o tipo de investidor que a empresa pretende atrair.
“Quer um investidor como um fundo de pensão que vai ficar por um longo período ou um hedge fund que vai sair rápido?”, indaga ele. E continua. “Tudo isso depende dos relacionamentos e conexões do banco de investimentos”, afirma. Mas essa é uma discussão para o futuro. E, se depender de Bottino, ela virá.