No tabuleiro do jogo de guerra e estratégia War, as grandes redes de farmácia já posicionaram os exércitos em seus territórios.
A RD Saúde, por exemplo, está concentrada em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, assim como a DPSP, grupo dono das drogarias Pacheco e São Paulo. A Pague Menos tem força no Norte e Nordeste. E a Panvel ocupou o Sul.
Embora todas elas estejam fortalecendo suas praças principais com mais lojas, uma consequência natural do envelhecimento da população brasileira, a próxima batalha deve ser em outro território: as pequenas cidades brasileiras.
Essa é uma das conclusões de estudo realizado pela corretora RB Investimentos, a qual o NeoFeed teve acesso com exclusividade. “A tendência para as 26 redes presentes no país é ocupar esse espaço ‘vazio’ visto no interior”, afirma Gustavo Cruz, responsável pela análise. “Para isso, é preciso que essas companhias apostem em centros de distribuição mais completos e equipados.”
O caminho para o interior é fácil de ser entendido. Hoje, as grandes redes dominam 76% das farmácias em cidades com mais de 1 milhão de habitantes. Em municípios com até 20 mil habitantes, as farmácias independentes representam 55% das unidades, as associações, 36%, e apenas 9% delas são das redes. Em 50 mil pessoas, são 38%, 33% e 30%, respectivamente.
“Acreditamos que, nos próximos anos, o Brasil seguirá observando uma consolidação, com pequenas farmácias independentes perdendo seu espaço e as grandes aproveitando essa oportunidade”, diz Cruz.
O NeoFeed conversou com três grandes redes de farmácias para entender suas estratégias e como pretendem se movimentar daqui para frente. A conclusão é que elas seguem com seus planos de expansão agressivos, com abertura de lojas. Mas o digital é uma forma que vai ser cada vez mais usada para buscar clientes.
“É nítido que não falta concorrência no setor de farmácias, mas há muito espaço disponível”, afirma Flavio Correia, diretor-executivo de relações com investidores e assuntos corporativos da RD Saúde.
Atualmente, a RD Saúde conta com 3.080 unidades abertas. Boa parte delas está no Estado de São Paulo (1.200), seguido de Minas Gerais (218) e Rio de Janeiro (213). A empresa projeta abrir até 300 unidades por ano, entrando em até 70 novas cidades no período. Atualmente, a RD está presente em todos os estados e em mais de 600 cidades.
A Pague Menos, que tem 1.654 farmácias, está em fase de absorção da Extrafarma, negócio comprado da Ultrapar, por mais de R$ 700 milhões, em 2021. Por esse motivo, deu uma tirada no pé na expansão para melhorar a alavancagem da companhia, que se encontra com nível de endividamento de 2,6 vezes o Ebtida.
“Assim que a casa estiver organizada em relação ao endividamento, coisa que deve ocorrer até o fim do ano, nós vamos voltar o foco para a expansão nessas áreas”, diz Luiz Novais, CFO da Pague Menos.
Apesar disso, nos últimos anos, a Pague Menos já tem movimentado “seus exércitos” para cidades pequenas. Elas foram responsáveis por 60% das aberturas de novas unidades – apenas 40% ficavam nas capitais.
No grupo DPSP, terceiro maior grupo do setor com 1,4 mil farmácias, o reforço acontece nas praças onde já é forte. O ritmo de expansão de novas lojas está na casa de 120 por ano.
“No momento, queremos fortalecer as praças que já temos grande presença, como São Paulo e Rio de Janeiro, para não deixar a empresa perder a sua saúde em um processo de expansão muito agressivo”, diz Leandro Rocha, diretor de tecnologia do grupo.
As vantagens das grandes redes de farmácia não se limitam apenas a ocupar o território. O estudo da RB Investimentos traz alguns aspectos que mostram como elas podem ir minando as pequenas drogarias em cidades pequenas.
As redes não só tem poder de compra, como conseguem oferecer descontos generosos aos clientes. Além disso, o mix de produtos é muito mais amplo e completo. Soma-se a isso programas de fidelidade e a criação de hubs para oferecer serviços de saúde, como vacinação, testes rápidos, consultoria farmacêutica e monitoramento de doenças crônicas.
“Embora as farmácias independentes de bairro também ofereçam vantagens, como atendimento personalizado e maior flexibilidade, as grandes redes de farmácias possuem várias vantagens competitivas que as tornam atraentes para muitos consumidores. Projetamos uma tendência de concentração cada vez maior”, diz um trecho do estudo da RB Investimentos.
Atualmente, as redes concentram apenas 33% das farmácias brasileiras. Em uma breve análise internacional, de acordo com a RB Investimentos, nos Estados Unidos a concentração é de 82%, no Chile, 73%, Canadá, 71% e Colômbia, 62%. “A concentração brasileira crescerá, nos próximos anos”, informa o estudo.
Os executivos com quem o NeoFeed conversou acreditam que, daqui a 10 anos, 50% do mercado deve ser dominado pelas grandes redes. As pequenas devem se associar com outras empresas, serem vendidas ou, simplesmente, serem “varridas” do tabuleiro deste War.
Tabuleiro digital
Uma das ferramentas dessa batalha é que o avanço das redes de farmácias não acontece apenas por terra com a abertura de unidades físicas – embora isso ainda seja um fator importante dessa disputa.
O processo de digitalização, que foca em levar o consumo para o meio digital com sites e aplicativos, também é um grande motor para o avanço das redes para as cidades menores, na visão de Cruz, da RB Investimentos.
Com o crescimento do digital, as farmácias também se transformam em um hub de distribuição e não precisam, necessariamente, estar na esquina da casa dos consumidores.
“O processo de digitalização custa dinheiro, coisa que as farmácias pequenas não têm. Nós investimos cerca de R$ 700 milhões por ano somente nesse segmento, é muita coisa”, diz Correia, da RD. “Isso acaba fazendo uma seleção natural de quem tem condições para continuar crescendo no mercado.”
A DPSP já conta com 17% de sua receita digital. “A estratégia digital é mais complexa do que a expansão física, mas nos traz uma oportunidade de crescimento em áreas que talvez não chegássemos presencialmente”, afirma Rocha, da DPSP.
Neste item, a Pague Menos sai em desvantagem. Na visão de Novais, da Pague Menos, a adesão ao digital ainda é vista de forma mais abrangente nas regiões Sul e Sudeste. No Norte e no Nordeste, os moradores têm menos interesse pelo assunto, pelo menos até o momento.
“O telefone ainda é muito forte nas regiões Norte e Nordeste do país, o que ajuda as redes menores a terem força. Por lá, esse meio de comunicação é utilizado até de forma mais abrangente, para tirar dúvidas com os farmacêuticos e realizar compras, trazendo o modelo das farmácias de bairro ainda para o dia a dia”, afirma Novais.
Um setor em expansão
Com um crescimento real de 8% esperado para o setor nos próximos 20 anos, o faturamento do segmento de farmácias está projetado para atingir R$ 430 bilhões até 2030, com total de 121,7 mil unidades, segundo o estudo da RB Investimentos.
Apesar disso, as ações das redes de farmácias estão sofrendo. “Os papéis das redes de farmácias sofreram tanto com o cenário macroeconômico como com questões específicas deste mercado”, afirma Andréa Aznar, analista do BB Investimentos. “A maioria das ações do setor apresentam queda superior a do Ibovespa no ano. E a manutenção da taxa de juros em níveis mais elevados impacta ainda mais as empresas mais endividadas”.
No último ano, os papéis da RD Saúde perderam 5,6% de seu valor, enquanto as ações da Pague Menos recuaram 34,1% no mesmo período. A Dimed, dona da Panvel, contou com desvalorização de 23,8% nos últimos 12 meses.
Desta forma, a RD está avaliada em R$ 47,3 bilhões, enquanto a Pague Menos tem um valor de mercado de R$ 1,46 bilhão. Por fim, a capitalização da Panvel gira em torno de R$ 1,5 bilhão. A DPSP não tem capital aberto.
Na visão de Gustavo Senday, analista da XP Investimentos, apesar das quedas, o setor de farmácias costuma ser bastante defensivo no momento de volatilidade no âmbito macro. “O setor conta com alguns ventos a favor, como o envelhecimento e o crescimento do digital, e sempre se mostrou resiliente, sendo mais impactado pelo reajuste de medicamentos do que pelo cenário econômico”, diz Senday.
Nesse cenário, a RD Saúde continua sendo a “queridinha” do setor, na visão dos analistas, por ser considerado um negócio mais consolidado, com crescimento consistente ao longo dos últimos anos e um nível de alavancagem financeira saudável, na visão do BB.
A Pague Menos, por sua vez, ainda precisa equalizar sua dívida, acredita Aznar, do BB. “Apesar de ter apresentado números interessantes especialmente em relação ao processo de integração com a Extrafarma, a Pague Menos ainda possui endividamento elevado, o que acaba sendo precificado de forma negativa pelo mercado em função do alto impacto das despesas financeiras”, diz.
Para Senday, da XP, o desafio para os próximos anos é crescer o faturamento das lojas maduras dessas redes acima da inflação, o que tem sido um fator importante para a expansão do setor.