* Reportagem atualizada às 19h45
Quando Gabriel Galípolo assumiu a presidência do Banco Central, em 1º de janeiro deste ano, duas questões se apresentavam como os principais obstáculos a serem enfrentados, já na largada, em sua gestão: a definição da política da taxa básica de juros e o controle da inflação.
Desde a sexta-feira, 28 de março, um novo desafio se impôs e passou a ocupar espaço no calendário de curto prazo do mandatário do BC. Nessa data, o BRB, banco estatal do Distrito Federal, anunciou um acordo para a compra do Banco Master, de Daniel Vorcaro, em um negócio estimado em R$ 2 bilhões.
A transação ainda depende do aval do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Banco Central. E, ao gerar uma série de especulações e dominar as conversas na Faria Lima desde que foi divulgada, alcançou o status de ordem do dia para Galípolo - que, vale ressaltar, herdou o problema do ex-presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Prova disso são as movimentações em seus compromissos desde então. Nesta terça-feira, 1º de abril, por exemplo, a agenda de Galípolo reservava um horário para uma reunião com Vorcaro, do Master, pela manhã, e a presença de Gilneu Vivan, diretor de regulação do BC.
Antes disso, na segunda-feira, 31 de março, ele cancelou cinco reuniões programadas para o dia. Mas separou um tempo para dois encontros que inicialmente não estavam previstos. Um deles, com Paulo Henrique Costa, presidente do BRB. E, o segundo, com André Esteves, fundador e chairman do BTG Pactual.
A inclusão de Esteves nessa agenda de Galípolo e como personagem desse enrede não foi por acaso. Segundo o colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, antes do acordo com o BRB, o BTG chegou a fazer uma proposta pelo Master.
Nessa oferta, costurada em reuniões realizadas em dezembro de 2024, o BTG pagaria R$ 1 pelo Master e usaria o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para cobrir todos os eventuais problemas de lastro da instituição, além de capitalizar a empresa. Vorcaro, por sua vez, deixaria a operação.
Recusada, a proposta ajuda a explicar as polêmicas que cercam o acordo. A começar pelo fato de que o mercado já esperava uma transação envolvendo o Master. Mas com uma instituição privada, como o BTG Pactual. E não com um banco público. E, ainda por cima, de menor porte que o alvo da aquisição.
Parte de uma família conhecida por sua atuação no mercado imobiliário de Minas Gerais, Vorcaro assumiu o controle do banco Máxima, em 2017. Quatro anos depois, ele rebatizou a operação de Master. E, desde então, a escalada da instituição despertou a atenção do mercado.
Entre outras frentes, o banco combinou uma série de M&As – casos do Voiter, do will bank e, mais recentemente, das posições montadas em empresas em dificuldades, como Biomm e Oncoclínicas. E se tornou um grande comprador de precatórios e outros ativos e companhias de baixa liquidez.
A grande questão é que boa parte dessa escalada foi financiada por um custo de funding extremamente elevado, principalmente por meio de emissões de CDBs, concentradas em plataformas destinadas a pessoas físicas. E que, em muitos casos, ofereciam rentabilidade bem superior a de seus pares.
O banco chegou a pagar 140% do CDI em seus CDBs. E fechou 2024 com um volume de depósitos de aproximadamente R$ 50 bilhões, o que, na prática, representou quase a metade da liquidez do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), de R$ 107,8 bilhões no período.
Para dar uma dimensão dessa equação, o FGC estabelece garantias de até R$ 250 mil, por instituição financeira, com um teto de R$ 1 milhão a cada quatro anos, por CPF ou CNPJ. E tem sido o motor de captação de bancos de menor porte, especialmente após o avanço das plataformas nos últimos anos.
O Fundo Garantidor é mantido com recursos das instituições financeiras privadas, com o objetivo de garantir a segurança do sistema como um todo. E, além do seu crescimento exponencial, o avanço do Master nessa esfera colocou o banco sob os olhares do mercado financeiro e de órgãos ligados ao setor.
Coincidência ou não, em outubro de 2023, o BC ampliou as exigências de capital para os bancos comprarem precatórios. E, no fim de 2024, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu limitar – gradualmente - a garantia do FGC a seis vezes o patrimônio de um banco ou a 80% da captação total.
Nos últimos meses, esse contexto alimentou as preocupações quanto à liquidez do Master e suas possíveis implicações para a operação, com uma eventual intervenção ou liquidação, e também para todo o sistema.
“Eu estava na linha de tiro. Tem um ano que estou lidando com fake news direto sobre o banco e a mudança do FGC complicou a situação do funding. O problema não é o estoque, mas restrição para captação. A transação com o BRB é uma virada de mesa nossa”, afirmou Vorcaro, ao portal Pipeline.
O ponto é que, à parte desse discurso, nem todo o mercado está convencido de que essa página está virada e de que não será preciso buscar uma nova capitalização ou acionar o suporte do FGC para sanar esses riscos.
Outros ingredientes alimentam essas dúvidas. Entre eles, a estrutura da operação. Uma das principais ressalvas é o fato de que o BRB ficará com 58% do capital total, 49% das ações ordinárias e 100% das ações preferenciais. O poder de voto, porém, será de Vorcaro, que terá a maioria das ações ordinárias.
Em mais um ponto, o BRB informou em fato relevante divulgado em 28 de março que o preço da aquisição irá corresponder a 75% do patrimônio líquido consolidado do Master, conforme demonstrações financeiras auditadas pela PwC.
O fato é que os últimos dados públicos do Master datam do primeiro semestre do ano passado. Até o momento, o banco não publicou os indicadores consolidados de 2024 e o prazo para que companhias listadas seguissem esse rito se encerrou ontem, dia 31 de dezembro.
Esse caldeirão se complementa com outras incógnitas nos termos divulgados. Entre elas, o acordo de acionistas que será assinado entre as duas partes. Além dos ativos que serão incorporados nessa aquisição e qual será o destino dos negócios restantes do Master.
Se existe um consenso sobre as incertezas que pairam sobre o negócio, não há uma concordância sobre quanto tempo levará para que o BC bata o martelo sobre a transação. Mas certeza é que não será nada fácil para que Galípolo cumpra mais essa agenda.
* Às 19h30, após a publicação desta reportagem, o Banco Master publicou seu balanço consolidado do ano de 2024 e nele consta um lucro de R$ 1,06 bilhão no período