Desde novembro de 2023, quando foi anunciado como novo presidente do Bradesco, em substituição a Octavio de Lazari Júnior, Marcelo Noronha vem trabalhando em um plano de reestruturação do banco da Cidade de Deus.
A primeira menção a esse movimento foi feita em dezembro, três semanas depois de sua nomeação, durante um almoço com jornalistas, que marcou sua “estreia” oficial no posto. Naquela ocasião, o executivo de 58 anos prometeu que os detalhes do plano seriam divulgados em fevereiro de 2024.
Menos de dois meses depois, Noronha cumpriu sua promessa. Nesta quarta-feira, 7 de fevereiro, durante a apresentação do balanço do quarto trimestre e do ano de 2023, ele revelou as linhas mestras do que já está em curso nos bastidores do banco nos últimos 60 dias.
“Um plano dessa envergadura, em uma organização do tamanho do Bradesco, deveria demandar seis meses de trabalho”, disse Noronha, em conversa com jornalistas. “Nós só não trabalhamos na noite de Natal e na virada do ano. Precisávamos entregar agora. Era a nossa ambição.”
Na contramão desses esforços acelerados e da urgência em mostrar que o banco está começando a virar a página, o executivo procurou tirar o peso de eventuais cobranças por resultados imediatos do plano em questão, cuja extensão, a princípio, será de cinco anos.
“Não tenho expectativa de que vamos virar o jogo nesse ano”, afirmou Noronha. “Vamos entregar cada iniciativa, passo a passo, e buscar uma rentabilidade crescente, trimestre a trimestre. E, à medida que eu comece a entregar, o mercado vai poder medir e avaliar.”
Uma das etapas iniciais dessa jornada passa por mudanças na dinâmica de gestão do banco, sob o norte de tornar a estrutura mais leve e ágil, em linha com o que tem sido feito no Itaú Unibanco, desde que Milton Maluhy Filho assumiu o comando do banco, há exatos três anos.
“Não estamos reinventando a roda, não tem uma bala de prata e não estamos montando um banco novo”, disse ele. “Sabemos fazer esse negócio, mas estamos nos organizando melhor. Encurtamos camadas e aumentamos em 50% o número de pessoas que respondem diretamente a mim.”
Em outro exemplo dessas medidas, ele citou que, antes, 40% dos diretores estavam alocados entre os níveis um e três da gestão do banco. Agora, 100% deles estão reunidos sob um único guarda-chuva. “Vamos ter um custo de operação menor e a comunicação vai ser muito mais fluida”, disse.
Baseada em cinco unidades de negócio, o que incluiu a criação de uma divisão de negócios digitais, fruto de um spin-off da área de varejo, a estrutura de gestão também está sendo separada em dois times, com atribuições diferentes.
“Um time vai trabalhar no ‘run the bank’, tocando o dia a dia, produzindo para pagar conta”, observou Noronha. A outra equipe, por sua vez, será responsável pelo “change the bank”, com projetos, líderes e times específicos, que serão tocados em paralelo em todo o banco.
Para coordenar a transformação embutida nessa nova engrenagem, o Bradesco também criou o cargo de Chief Transformation Officer, que será ocupado por um executivo de mercado. Outra posição nova é a de Chief of Staff, cujo foco será olhar para novas estratégias, especialmente no que diz respeito a M&As.
A escolha por esse novo modelo foi resultado de um trabalho a quatro mãos com a consultoria McKinsey. A dupla também dedicou parte desse tempo a outras medidas, como um diagnóstico sobre iniciativas internas em curso e a definição de quais seriam os grandes “profit pools” do banco.
“Em primeiro plano, nossa grande fortaleza é o fato de termos 71 milhões de clientes ativos e de sermos top 3 em todos os segmentos de mercado”, afirmou Noronha. “Então, não estamos começando do zero e temos um ponto de partida bem alto.”
Na largada desse plano, uma das novidades envolve a criação de um novo segmento voltado a alta renda, o afluente, com foco em clientes com renda mensal acima de R$ 25 mil e que estará acima do Bradesco Prime, agora centrado em clientes com renda entre R$ 8 mil e R$ 25 mil.
Segundo Noronha, a estruturação desse novo perfil é um dos exemplos das iniciativas já em andamento e do modelo proposto agora nas salas e corredores da Cidade de Deus. Em menos de dois meses, o time responsável por essa área já mapeou e colocou “na rua” 105 iniciativas ligadas a essa frente.
Isso não significa que o segmento de varejo, o grande motor do Bradesco, ficará em segundo plano nesse novo momento. “A receita total do mercado bancário brasileiro foi de R$ 1,3 trilhão depois de riscos em 2023 e, entre 30% e 40% disso veio do varejo massificado. O desafio aí é o custo de servir”, disse Noronha.
Outra área no foco é a de tecnologia. A começar pelo plano de reduzir a contratação de produtos e serviços de terceiros e ampliar a equipe própria. “Fizemos essa conta de produtividade e o fato é que, se colocarmos mais 3 ou 4 mil pessoas na área de tecnologia, vamos acelerar as entregas”, disse Noronha.
Noronha reservou tempo ainda para falar sobre a proposta de fechamento de capital da Cielo, anunciada na última segunda-feira e encampada pelo Bradesco e o Banco do Brasil, a dupla de controladores à frente da operação.
Segundo o executivo, no caso do banco da Cidade de Deus e do plano anunciado hoje, esse possível passo dialoga, por exemplo, com a ambição do banco em avançar em pagamentos, especialmente de olho no segmento de pequenas e médias empresas.
“Com o capital fechado e uma estratégia mais velada, teremos mas liberdade para potencializar não só esse segmento, mas também as empresas de outros portes”, disse ele, que projetou um prazo de 150 dias para concluir a oferta descartou a compra da fatia do Banco do Brasil na Cielo nesse processo.
“Isso não está sendo discutido. Gostamos do Banco do Brasil e, aparentemente, eles gostam da gente”, brincou Noronha. “Já temos esse modelo na Elopar, com um chinese wall e convivemos bem. É um bom parceiro e nos confere escala.”
Ações despencam
Não são poucos os indicadores que mostram, porém, que Noronha ainda tem um longo caminho para mexer os ponteiros, recolocar o Bradesco nos trilhos e resgatar a confiança dos investidores. A reação inicial do mercado ao plano e ao balanço não foi nada positivo.
Depois de abrir o dia em queda de mais de 7%, as ações preferenciais do Bradesco estavam sendo negociadas com uma queda de 14,10% por volta das 12h, dando ao banco um valor de mercado de R$ 142,2 bilhões. E os números do quarto trimestre e do ano consolidado de 2023 ajudam a explicar uma boa parte dessa resposta.
Entre outubro e dezembro, o banco reportou um lucro líquido recorrente de R$ 2,8 bilhões, o que representou um avanço de 80,4% sobre doze meses antes, mas um recuo de 37,7% sobre o número apurado no terceiro trimestre de 2023. No ano, a queda foi de 21,2%, para R$ 16,2 bilhões.
Já a rentabilidade sobre o patrimônio líquido no período ficou em 6,9%, contra 11,3%, no trimestre anterior e 3,9% no fim de 2022. O banco reportou uma margem financeira de R$ 16,1 bilhões, uma retração, em base anual, de 3,3%.
A margem com clientes, por sua vez, registrou uma queda 11,7%, para R$ 15,4 bilhões, na comparação com igual período, um ano antes. Enquanto a receita de prestação de serviços recuou 2,4%, para R$ 9 bilhões, e as despesas operacionais tiveram alta anual de 10,7%, para R$ 14,9 bilhões.
A carteira de crédito expandida foi de R$ 877,2 bilhões, um desempenho 1,6% inferior em relação ao último trimestre de 2022. No segmento de pessoas físicas, houve alta anual de 1,2%, para R$ 365,4 bilhões. Em contrapartida, em pessoas jurídicas, a queda foi de 3,6%, para R$ 511,8 bilhões.
O banco fechou 2023 com uma inadimplência acima de 90 dias de 5,1%, contra 5,6% no terceiro trimestre e 4,3% doze meses antes. Já a inadimplência de 15 a 90 dias foi de 4,1%, os mesmos patamares reportados de julho a setembro de 2023 e no último trimestre de 2022.
Já a provisão para devedores duvidosos (PDD) teve uma retração de 29,3%, em doze meses, para R$ 10,5 bilhões, mas cresceu 14,5% na comparação com terceiro trimestre de 2023.
Juntamente com o balanço, o Bradesco divulgou seu guidance para 2024. Na carteira de crédito, a projeção é de um crescimento entre 7% e 11% e, na margem financeira, de 3% a 7%. No PDD, a estimativa gira entre R$ 35 bilhões e R$ 39 bilhões.
Na receita de prestação de serviços, o guidance aponta para um avanço entre 2% e 6%, enquanto no resultado das operações de seguros, previdência e capitalização, a alta projetada é de 4% a 8%. E, nas despesas operacionais, de 5% a 9%.