Depois da frustração com a quantidade de IPOs e follow ons em 2023, o UBS BB olha para o próximo ano com mais otimismo.

Com a Selic em trajetória de queda, a Reforma Tributária aparentemente encaminhada e o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) sinalizando que não vai subir mais os juros, o banco entende que as condições estão dadas para atrair os investidores locais e estrangeiros e puxar fortemente o volume de operações em 2024.

“Com o estrangeiro voltando na proporção que saiu e o rebalanceamento do portfólio local de volta a equity, isso dá o conforto de um mercado de, pelo menos, R$ 70 bilhões no ano que vem”, diz Teodora Barone, head de equity capital markets do UBS BB, ao NeoFeed. “Se tiver reação positiva, e o mercado surpreende, esse volume pode chegar a R$ 90 bilhões, R$ 100 bilhões.”

Otimista num primeiro momento quanto à retomada das operações em 2023, Barone diz que o cenário foi pior do que esperava para permitir uma retomada sustentável dos IPOs. Mesmo com a Bolsa apresentando períodos positivos, o aperto monetário conduzido pelo Fed, a falta de clareza quanto ao rumo da política econômica local e a turbulência dos casos Americanas e Light prejudicou o trabalho dos bancos de investimentos.

A situação fez com o mercado de capitais brasileiro registrasse um volume na casa dos R$ 30 bilhões em operações até o momento, volume que Barone diz ter sido o possível realizar, diante das circunstâncias. “Como não houve entrada de dinheiro novo nas assets locais e não houve a permanência do investidor estrangeiro no Brasil no segundo semestre, seria difícil viabilizar volumes muito acima disso”, afirma.

A estabilização do cenário macroeconômico brasileiro e internacional deve ser o gatilho para a retomada dos IPOs. A expectativa da head de equity capital markets do UBS BB é de uma corrida das companhias para lançarem suas ofertas no começo do ano, aproveitando o momento mais tranquilo da Bolsa.

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Teodora Barone, head de equity capital markets do UBS BB

Barone diz que os investidores estão abertos para discutir IPOs, em especial os estrangeiros, mas que eles estão mais conservadores. Por isso, os primeiros candidatos devem ser companhias grandes e bem estabelecidas no mercado.

“Vemos empresas de infraestrutura, saneamento, agricultura, energia, grandes empresas que conseguem combinar o tamanho mínimo de oferta interessante, geração de caixa importante e setores resilientes no longo prazo”, afirma.

Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

Como você avalia 2023 em termos de quantidade de IPOs e follow on? Ficou dentro do esperado?
Esperávamos um ano ativo, com a reabertura do mercado de IPO, o que não aconteceu. Acabamos tendo apenas ofertas de follow on. Grande parte do volume captado neste ano, que somou quase R$ 30 bilhões, ficou basicamente concentrado em junho e julho, por conta do rally do mercado. Se for pensar que ainda temos juros bastante altos e a entrada de estrangeiros foi relativamente tímida, o “volume de bolso” disponível no mercado era mais ou menos esse, de R$ 30 bilhões. Como não houve entrada de dinheiro novo nas assets locais e não houve a permanência do investidor estrangeiro no segundo semestre, seria difícil viabilizar volumes muito acima disso.

Qual era o cenário projetado pelo UBS BB para 2023?
A gente imaginava a retomada dos grandes IPOs, principalmente de infraestrutura, no primeiro semestre, mas havia pouco capital disponível. E imaginávamos entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões em ofertas de follow on. Foi metade do que a gente projetou. Dado que o mundo foi mudando muito, teve a quebra da Americanas, os investidores ainda cautelosos com a política econômica, as ofertas acabaram sendo postergadas. E vieram outros desafios, como a potencial volta de aumento de juros pelo Fed.

Diante do que foi 2023, a Selic começando a cair, os juros americanos em patamares historicamente elevados, o que esperar para 2024?
Estamos otimistas para 2024. Projetamos no UBS BB a Selic, para o fim de 2024, em 8% ao ano, enquanto o Focus aponta para em torno de 9% [última edição mostrava projeção de 9,25%]. No primeiro semestre, deve ter a migração de recursos da renda fixa para a variável. Deve ter fluxo para as assets que compram as ofertas. Tem ainda uma realocação dentro dos multimercados, na composição entre renda fixa e variável. Todo esse volume é positivo para a Bolsa, permitindo um rally no primeiro trimestre. E até o começo do ano que vem deve ter definições importantes, principalmente da reforma fiscal e tributária, o que vai levar os estrangeiros a reavaliar a entrada no Brasil.

"No primeiro semestre de 2024, deve ter a migração de recursos da renda fixa para a variável. E deve ter fluxo para as assets que compram as ofertas"

Como isso se traduz em termos de operações de IPO?
As empresas que estão aguardando um bom momento para IPO esperam o rally para conseguirem uma precificação melhor. E quando se tem a Bolsa melhorando em termos de precificação, o investidor perde as alternativas baratas de investimento que tinha. Para que ele ganhe um retorno adicional, o alfa, ele busca o IPO, porque consegue pedir um desconto em relação ao que os comparáveis daquela empresa estão negociando. Com o estrangeiro voltando na proporção que saiu e o rebalanceamento do portfólio local de volta a equity, isso dá o conforto de um mercado de pelo menos R$ 70 bilhões.

Como você chegou nesse número de R$ 70 bilhões?
Com o dinheiro do estrangeiro voltando para o Brasil e a realocação de dívida para equity. Com isto, eu consigo precificar R$ 70 bilhões com certa facilidade. Se tiver reação positiva, e o mercado surpreende, esse volume pode chegar a R$ 90 bilhões, R$ 100 bilhões.

Que empresas são elegíveis para ir a mercado?
Os follow ons continuam abertos para todo e qualquer setor. A gente prevê grandes operações no ano que vem, como a privatização da Sabesp. Já IPOs serão para companhias grandes, com ofertas de, pelo menos, R$ 1,5 bilhão, que permitam uma liquidez mínima de US$ 5 milhões a US$ 10 milhões no mercado secundário. São empresas geradoras de caixa, com relacionamento longevo com o mercado, que já tentaram ir ao mercado e tem todos os aspectos de governança implementados. Muitas delas viram as janelas se fechando rapidamente na frente delas, então hoje, quando vislumbram uma reabertura, elas querem ter certeza de que serão as primeiras a chegar, para conseguirem boas precificações. Todas elas devem competir pela mesma janela, de fevereiro a maio.

As operações ficarão restritas no primeiro semestre? Ou serão diluídas ao longo do ano?
Vamos ter uma concentração de protocolos no fim deste ano e começo do ano que vem, para precificar em fevereiro. Isso vai levar empresas um pouco atrás no processo a correrem. Teremos essa primeira leva de empresas reabrindo o mercado, depois isso automaticamente leva as empresas a terem mais coragem para tentar, aumentando o pipeline continuamente.

Pegando esse modelo de companhias, quais setores atendem melhor esses critérios?
Vemos empresas de infraestrutura, saneamento, agricultura, energia. São grandes empresas que conseguem combinar o tamanho mínimo de oferta interessante, geração de caixa importante e setores resilientes no longo prazo.

"O humor do investidor está desafiador, por isso estamos sendo cautelosos em como e quais empresas vamos expor"

O que as empresas estão olhando para tomar a decisão de realizar o IPO? Tem algum ponto de preocupação comum entre elas?
A maior preocupação é o desconto aplicado no valor da companhia pelos investidores. Atualmente, todos que estão no pipeline estão em fase de educação do mercado, conversando com analistas e investidores, explicando a tese de investimento e tentando encontrar os investidores âncoras para a operação. Essa primeira negociação é crítica, porque estamos numa situação de mercado complexa, algo que não enxergo para o começo do ano. O humor do investidor está desafiador, por isso estamos sendo cautelosos em como e quais empresas vamos expor.

O investidor não está conseguindo olhar para frente e avaliar que tem companhias interessantes para entrar no mercado?
O investidor está vendo uma volatilidade global bastante significativa, indefinição sobre os juros nos Estados Unidos. O estrangeiro ainda não voltou a colocar dinheiro no Brasil e a Selic continua alta. O investidor está cauteloso, mas entende que não vamos trazer um IPO neste momento. Estamos conseguindo fazer non deal roadshow, falando sobre teses. Isso está sendo muito bem recebido, por locais e estrangeiros, porque ninguém está pedindo um cheque agora. Estamos pedindo uma construção a quatro mãos para que a tese, uma vez trazida, esteja alinhada com o esperado pelos investidores.

Os estrangeiros parecem ter interesse em participar de IPOs, mas os fatores globais preocupam? Ou tem alguma questão brasileira?
Todos que olham emergentes tem uma alocação importante no Brasil, e não vimos o rebalanceamento dos portfólios. O País continua sendo um mercado com profundidade para que os estrangeiros aloquem capital. E temos pontos positivos, como o P/E, que está em patamares historicamente baixíssimos. A estabilidade política e econômica é bem mais interessante que em outros países. No primeiro semestre, o estrangeiro teve um retorno de 18% em dólar. Quando foi embora, ele saiu esperando o reequilíbrio de juros lá fora e o entendimento sobre a política fiscal e a Reforma Tributária. Ele deve retornar a 2024 muito mais otimista, porque tem uma visão mais clara sobre o Fed e um entendimento sobre a Reforma Tributária.

"Vamos ter uma concentração de protocolos no fim deste ano e começo do ano que vem, para precificar em fevereiro"

Os IPOs vão ficar concentrados nessas grandes companhias? Porque durante a pandemia vimos um fluxo grande de pequenas e médias empresas indo a mercado…
Eram mais techs. Como era um segmento muito bem avaliado lá fora, se conseguia colocar múltiplos de receita como base da precificação muito altos, então empresas pequenas ganhavam tamanho. E era um mercado muito diferente, com juros muito baixos. Agora, a gente volta a um mercado de IPO tradicional, “pão com manteiga”. Ano que vem não será um mercado para empresas pequenas, ele preza pelo conservadorismo. Não é que o mercado não apareceria para outras teses, mas provavelmente o desconto pedido será tão grande que não vale a pena a companhia se expor.

O movimento de companhias listando nos Estados Unidos vai retornar com a mesma força que vimos nos últimos anos?
Vai voltar a ocorrer, mas não nos mesmos níveis. Companhias grandes, com crescimento fora do Brasil, com estratégia de crescimento via M&A fora da América Latina, podem se beneficiar de se listar lá fora. A listagem lá fora traz uma moeda líquida para pagamento de M&As. O que provavelmente não teremos  são companhias pequenas que querem um IPO na Nasdaq buscando uma diferenciação de avaliação relativa. Empresas que só crescem no Brasil e fazem arbitragem terão dificuldade para irem listar lá fora.