As propostas de revisão do estatuto propostas pela Petrobras não estão sendo bem digeridas pelos investidores nesta segunda-feira, 23 de outubro, diante dos riscos para a governança da companhia e para a possibilidade de distribuição de dividendos extraordinários em um momento de preços altos do petróleo.

Por volta das 15h40, as ações preferenciais recuavam 6,39%, a R$ 35,43, repercutindo a decisão do conselho de administração de propor, em assembleia geral extraordinária a ser convocada, a criação de uma reserva de remuneração do capital e alterações dos requisitos necessários para o apontamento de pessoas-chave para a companhia, entre outros temas.

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No caso da reserva, o comunicado informa que ela terá como finalidade permitir que a administração da Petrobras submeta à aprovação dos acionistas “a constituição de reserva para assegurar recursos para o pagamento de dividendos, juros sobre o capital próprio, suas antecipações, recompras de ações autorizadas por lei, absorção de prejuízos e, como finalidade remanescente, incorporação ao capital social”.

A companhia diz que a reserva não altera a política de remuneração aos acionistas e que a efetiva constituição da reserva só poderá ocorrer após o pagamento dos dividendos.

Ainda assim, analistas e investidores veem a notícia como negativa, ao retirar um ponto positivo para a atual tese de investimento da Petrobras. “A política de dividendos permanece a mesma, mas a nova reserva, em nossa opinião, pode dar à companhia mais flexibilidade ou não para pagamentos de futuros dividendos extraordinários”, diz trecho do relatório do Citi, assinado pelo analista Gabriel Barra.

A questão da flexibilização também foi citada em comentário enviado pela Ativa Investimentos, que classificou a possibilidade como negativa para a tese da Petrobras. Se estivesse valendo, a medida poderia colocar em risco o pagamento de até R$ 19,7 bilhões (ou R$ 1,51 por ação) em 2023 e R$ 35,6 bilhões (R$ 2,73 por ação) em 2024 em dividendos extraordinários, segundo cálculos da área de research.

“Com a criação da nova ferramenta financeira, o montante efetivamente distribuído poderá ser sensivelmente inferior ou até mesmo extinto a depender do seu tamanho”, diz trecho do comentário.

O tema dos dividendos está há tempos no radar dos investidores da Petrobras, considerando críticas feitas por membros e pessoas ligadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos montantes pagos pela Petrobras aos acionistas.

No fim de julho, a empresa divulgou sua nova política de distribuição de dividendos, com a principal mudança sendo a redução de 60% para 45% sobre o fluxo de caixa livre de cada trimestre para calcular a remuneração aos acionistas.

Antes temidas, as mudanças acabaram bem recebidas pelo mercado. Em relatório divulgado em setembro, o Bank of America previa que a Petrobras manteria um rendimento elevado de dividendos em 2024, acima de seus pares internacionais. Para o banco americano, o dividend yield poderia chegar a um mínimo de 7% no segundo semestre e 15% em 2024.

Os cálculos levam em conta o preço do barril de petróleo a US$ 80 neste ano e US$ 90 no ano que vem. Mas em meio aos receios de que a guerra entre Israel e Hamas se alastre pelo Oriente Médio e corte de produção de países membros da Opep, existe a possibilidade de o barril alcançar a casa dos US$ 100, segundo relatório da EIU, divisão de pesquisas e análises econômicas do grupo controlador da revista The Economist.

Governança

O segundo ponto visto como polêmico da proposta da Petrobras é excluir vedações para indicação, a empresas estatais, de conselheiros e diretores que sejam titulares de alguns cargos públicos, ou que tenham atuado na estrutura de partido político ou em campanha eleitoral nos últimos três anos.

A proposta está baseada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) em dezembro do ano passado, que contesta os dois pontos trazidos em 2016, pela Lei 13.303, conhecida como Lei das Estatais. Em março, o então ministro Ricardo Lewandowski suspendeu as restrições a nomeações para a direção de estatais, tema que ainda precisa ser analisado pelo STF.

A medida tem sido interpretada como um duro golpe para a governança da Petrobras, tema altamente sensível após as revelações feitas pela Operação Lava Jato, deflagrada em 2014. A Lei das Estatais é vista como fator a impedir não apenas atos de corrupção, como a utilização de empresas públicas politicamente. No caso da Petrobras, interferências na política de preços para controle da inflação.

Em relatório, os analistas Bruno Amorim, João Frizo e Guilherme Costa Martins, do Goldman Sachs, o estatuto da Petrobras representava uma proteção adicional contra intervenções na companhia. A proposta, porém, muda isso. “A proposta deixa espaço para nomeação de pessoas politicamente expostas para posições administrativas”, diz trecho do relatório.

A proposta na Petrobras vem meses após o governo federal, via BNDESPar, indicar para o conselho de administração da Tupy os nomes de Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, e Carlos Lupi, ministro da Previdência Social e presidente do PDT.