O Santander era visto pelos clientes como uma instituição financeira mais voltada ao serviço de banking e oferta de crédito do que de investimentos. Em 2022, o banco liderado por Mario Leão iniciou um projeto para mudar essa percepção e fazer a marca entrar com tudo na disputa pelo cobiçado mercado de alta renda.
Essa estratégia tem rendido frutos. Nos últimos dois anos, o banco dobrou o número de clientes no segmento de alta renda (Select), alcançando 1,5 milhão de correntistas, e conseguiu parar a evasão de recursos para plataformas - recursos que eram depositados no Santander, mas acabavam transferidos para investimento em outras plataformas.
Os resultados vieram com o tripé: rever a oferta de produtos de investimento trazendo uma plataforma mais aberta; apostar na Toro como a plataforma de investimentos e melhorar a experiência do cliente com investimento em tecnologia; e criar o Santander AAA com assessores de investimento focados. Agora, o banco vai em busca de capturar o share of wallet dos seus concorrentes.
“A vertical de investimentos não usa capital próprio do banco, não nos deixa alavancados e nos traz o funding da pessoa física, que é mais diversificado”, afirma Carlos André, vice-presidente de wealth management do Santander Brasil, ao NeoFeed. “É essencial para o projeto do Santander de diversificar suas receitas. E, agora, iremos em busca da principalidade do cliente.”
Para ter robustez na plataforma de investimentos, o Santander comprou em 2021 a corretora Toro, cuja conclusão de 100% de sua aquisição ocorreu no início deste ano. Agora, a total integração aos aplicativos e sites do Santander é a prioridade da área de wealth management para os próximos meses.
O plano do Santander é concluir a integração e extrair sinergias até o fim de 2025. E essa nova plataforma será o hub de assessoria para o investidor ter acesso a todos os ativos - o Itaú fez algo nessa mesma linha com o íon. “Mas operações de bolsa já são feitas pela plataforma [da Toro]. E, recentemente, passamos a oferecer aluguel de ações”, diz André.
Na época do anúncio da aquisição, o Santander afirmou que a Toro possuía 1,3 milhão de clientes e R$ 16 bilhões em ativos sob gestão - esses números não foram atualizados. Além de custódia e tecnologia, a Toro trouxe 145 assessores, considerando também a equipe comercial que faz a abordagem inicial com os clientes.
A plataforma da Toro foi também essencial para abrir de vez a arquitetura do Santander, que há alguns anos era a mais fechada do mercado e estava muito concentrada em produtos da sua própria grade (que também passaram por uma reformulação e trouxeram mais estratégias de renda variável e alternativos).
Com essa infraestrutura por trás, veio também a força de uma nova distribuição e captação com o Santander AAA. Com pouco mais de dois anos, a divisão chegou a 1,7 mil assessores de investimento e mais de R$ 150 bilhões sob custódia. Presente em 180 cidades, o plano é alcançar a marca de 2 mil assessores até o fim deste ano.
Segundo o banco, a captação líquida por assessor praticamente dobrou no último trimestre e chegou a R$ 4,2 milhões. O que foi fundamental para a captação de R$ 9,4 bilhões junto à pessoa física no segmento de varejo no segundo trimestre, aumento de quase 65% em relação ao mesmo período do ano passado.
Com o Santander AAA, o cliente do banco passa a ter além do seu gerente, que cuida do banking, um assessor de investimentos que analisa as necessidades e perfil de investimento para aconselhar um portfólio. Com isso, o Santander conseguiu parar a evasão de recursos para as plataformas e começou a ganhar mais share of wallet em relação a outros bancos.
Foi dessa maneira que o Select mais que quintuplicou (624%) a sua captação líquida de clientes em dois anos - o banco não informou o valor, mas marcou esse ponto inicial como base 100 da mudança. O próximo passo é reconquistar aqueles que transferiram seu dinheiro para outras plataformas.
Para ser classificado como Select, o cliente precisa ter R$ 15 mil de renda mensal ou R$ 100 mil em investimentos. Mas é possível ser Select pagando a tarifa mensal. O Santander foi o primeiro a lançar esse conceito.
“Hoje, o cliente do AAA se sente bem atendido, não à toa nosso NPS está em torno de 80, e secamos a evasão de recursos. Conseguimos até mesmo trazer o que está em outros bancos, mostrando uma estratégia acertada em montar um time de assessores com incentivos de captação”, afirma André.
O Santander tem um diferencial para atrair os clientes de alta renda. Como banco global, o cliente tem acesso a estruturas robustas no exterior. O principal hub desses investidores é o Banca Privada Internacional (BPI), que é a estrutura de banco de investimento do Santander em Miami, presente há mais de 40 anos nos Estados Unidos. Os clientes podem ter o cartão de crédito internacional Select Global, que é a principal opção para gastos de brasileiros no exterior.
“Estamos vendo a concorrência correr atrás de estruturas internacionais, mas nesse espaço já somos maduros. Agora, com uma distribuição focada, estamos podendo oferecer melhor o que já temos”, diz o vice-presidente de wealth management do Santander Brasil.
Todos querem a alta renda
De janeiro de 2023 até julho deste ano, a carteira do investidor de varejo cresceu 55% e atingiu mais de R$ 4,8 trilhões sob custódia, segundo dados da Anbima. Mas o maior crescimento veio da alta renda, que evoluiu 73% totalizando R$ 2,5 trilhões - o chamado “varejão”, de tíquetes menores, cresceu 39% no mesmo período.
Se há 10 anos os bancos negligenciaram esse cliente e deixaram as plataformas de investimento crescerem (por meio das assessorias de investimento plugadas principalmente na XP e no BTG), nos últimos anos os bancos vem contra-atacando e reformulando suas estratégias para ter a principalidade desse cliente investidor.
Líder desse segmento, o Itaú Personnalité se reformulou e está apostando no conceito 'phygital' (unindo a facilidade do digital com a proximidade do pessoal) para reter o cliente no banco, e agregou a estrutura do íon para focar nos investimentos, enquanto o gerente segue atendendo o cliente no banking e em outras demandas.
Já o segundo maior player, o Bradesco, colocou o segmento de wealth management como prioritário na estratégia de crescimento com a entrada do novo CEO, Marcelo Noronha, e criou uma vertical que tem como principal objetivo alcançar a liderança. O banco vai lançar, neste segundo semestre, um novo recorte para quem tem entre R$ 300 mil e R$ 10 milhões e são clientes de alta renda.
Quem também entrou mais recentemente no mercado foi o BTG Pactual, que não estava no varejo. Para captar esse cliente, apostou tanto no B2B por meio de escritórios de assessoria como criou o seu B2C, o BTG Pactual Advisors, que busca clientes com patrimônio acima de R$ 1 milhão.
E mesmo a XP também partiu para a conquista no B2C, mirando clientes com, pelo menos, R$ 300 mil investidos, deixando o varejo para suas outras marcas - principalmente a Rico.
O Santander é o último a entrar nesse mercado e terá de enfrentar esses concorrentes que vem se fortalecendo. “Os indicadores de captação crescentes e satisfação do cliente mostram que estamos na direção correta. Podemos ter começado depois, mas soubemos ler rapidamente o que o mercado buscava”, diz André.