O lançamento de fundos de investimentos com foco em empresas e gestores de ativos alinhados à pauta ESG (sigla em inglês que representa a sustentabilidade ambiental, social e de governança corporativa) praticamente secou nos últimos seis meses nos Estados Unidos.
Apenas seis fundos ligados à causa ESG foram lançados no mercado financeiro americano no segundo semestre de 2023, em comparação com 55 no primeiro semestre e uma média anual de quase 100 entre 2020 e 2022, segundo dados da Morningstar Direct, plataforma de análise de investimentos.
A pouca aderência a esses fundos ESG é atribuída, principalmente, à queda de rendimentos nos últimos dois anos, por causa do impacto causado pelo ciclo de inflação e juros elevados nos investimentos em projetos verdes de alto custo, como de energia eólica offshore, que trouxeram prejuízos aos investidores.
O cenário por aqui, no entanto, é diferente. Um amplo relatório do Itaú BBA sobre a estratégia ESG no Brasil, aponta um avanço consistente do tema da sustentabilidade no meio corporativo e financeiro do País nos últimos anos.
Como exemplo, são citadas as oportunidades a serem criadas com a regulamentação do mercado de carbono do Brasil, que acaba de ser aprovado pela Câmara dos Deputados, com potencial de movimentar o equivalente a US$ 120 bilhões.
O relatório, coordenado pelos analistas Victor Natal e Daniel Gewehr, afirma que participantes do mercado financeiro no País (proprietários e gestores de ativos) estão cada vez mais convencidos das vantagens de aderir ao tema ESG.
Uma pesquisa recente indica que 85% dos investidores afirmaram que os produtos financeiros ESG proporcionam rendimentos semelhantes ou superiores aos tradicionais.
“Até agora, esta abordagem da estratégia ESG rendeu retornos excessivos: o índice MSC Brazil ESG proporcionou um ganho de 206% desde 2013, em comparação com um ganho de 177% para o índice MSCI Brazil”, diz o relatório.
A aderência à pauta ESG tem se mostrado superior no Brasil em comparação com outros países. O número de signatários dos Princípios para Investimento Responsável (PRI) – organizações que publicamente demonstraram o seu compromisso com o investimento responsável –, por exemplo, cresceu 90% no Brasil desde 2020, contra a média global de 74%.
O Brasil também está acima da América Latina em difusão de ratings, com o dobro da proporção de empresas com classificação A ou superior em comparação com seus respectivos índices não ESG, de acordo com o MSCI ESG.
Otimismo
Entre os fatores alinhados pelo estudo do Itaú BBA que explicam o crescente otimismo dos investidores em apoio à causa ESG - e em relação ao recém-criado mercado de carbono no País - está a constatação de que as questões ambientais constituem seis dos dez principais riscos globais.
“As alterações climáticas, as emissões de gases de efeito estufa e o controle da temperatura ganharam prioridade porque os progressos nestas áreas foram considerados insuficientes”, diz um trecho do relatório, lembrando que a ONU estima que, ao ritmo atual, as emissões sejam 40% superiores à meta estipulada até 2030.
Isso significa que os investimentos na transição energética rumo à descarbonização da economia tendem a crescer nos próximos anos, o que justifica a opção por empresas e fundos interessados em aderir à agenda da sustentabilidade.
Marcha a ré
Por ironia, foram justamente esses argumentos que impulsionaram uma onda de investimentos em fundos verdes nos EUA a partir de 2020, capitaneada pela BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, com US$ 9,1 trilhões sob gestão.
Na época, o seu presidente-executivo, Larry Fink, decidiu apostar alto na transição para uma economia de baixo carbono, estimulando investimentos verdes e adotando uma postura considerada radical para o padrão de Wall Street.
Os efeitos da pandemia na economia global, porém, minaram parte dessa estratégia. Os custos globais dos grandes projetos verdes aumentaram 39% desde 2019, impulsionados pela elevação da inflação e dos juros, que encareceram gastos com mão-de-obra, financiamentos e preço de matérias-primas, como aço.
Pelo menos quatro grandes projetos para construção de usinas eólicas offshore, nos EUA, Escócia, Taiwan e Suécia - a maioria bancados por fundos de investimentos verdes -, foram cancelados devido aos custos elevados.
Com isso, os fundos ESG do mercado amplo dos EUA, que haviam superados seus equivalentes convencionais em 2019, 2020 e 2021, caíram em 2022 e 2023, de acordo com a Morningstar.
“Sabemos que, infelizmente, o comportamento dos investidores é o de realocar os fundos em função do desempenho”, diz Alyssa Stankiewicz, diretora associada de pesquisa de sustentabilidade da Morningstar.
Stankiewicz, no entanto, ressalta que a maior parte das saídas ESG em 2023 foram retiradas de um único fundo -- o ETF iShares ESG Aware MSCI USA da BlackRock, conhecido como ESGU.
Apenas esse fundo perdeu mais de US$ 9 bilhões em ativos ao ser removido de um portfólio modelo da BlackRock. No entanto, o desempenho não tem sido o único fator que tem afastado investimentos em fundos ESG.
Nos EUA, políticos republicanos de estados ligados à produção de petróleo, como Texas, passaram a criticar Fink, da BlackRock, e outros investidores considerados militantes da pauta ESG, propondo boicotes aos fundos verdes.
A ofensiva teve início no ano passado e certamente impactou na redução de oferta desses produtos no segundo semestre. Para se ter uma ideia da campanha de cancelamento, os rótulos ESG também foram removidos de alguns nomes de fundos.
A gestora de ativos Abrdn, por exemplo, planeja retirar a expressão “líderes sustentáveis” de dois fundos em fevereiro, de acordo com um documento apresentado à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA. O Morgan Stanley e o UBS já haviam retirado rótulos referentes à sigla ESG de alguns fundos no ano passado.
As iniciativas ocorrem à medida que as estratégias ESG recebem mais atenção de reguladores, políticos e investidores.
A SEC, agência responsável pela regulamentação do mercado de capitais americano, atualizou recentemente as regras para que os fundos tenham pelo menos 80% dos seus ativos investidos de acordo com os seus nomes, incluindo aqueles que divulgam apoio à pauta ESG. Os gestores de ativos terão dois anos para atualizar seu portfólio.