Alvo frequente de denúncias de violações dos direitos políticos e das liberdades civis, a Arábia Saudita está se abrindo ao mundo. Quer, até 2030, se tornar uma potência do turismo global. E o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman não mede esforços (nem dinheiro) para chegar lá.
O reino do Oriente Médio vive um momento de grandes transformações. Cidades, ilhas, hotéis de luxo, parques temáticos, portos, marinas, resorts e até uma estação de esqui em pleno deserto são construídos em ritmo acelerado.
Financiadas principalmente pelo fundo soberano, as obras estão orçadas em US$ 800 bilhões. Mas, dada a velocidade das mudanças, esse valor já teria sido ultrapassado, informam os analistas do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC, na sigla em inglês).
Como outros países do Golfo Pérsico, a Arábia Saudita pretende diversificar a economia e, assim, diminuir sua dependência do petróleo. E o turismo é peça fundamental nessa equação.
Se tudo ocorrer conforme estipulado no grande plano Visão 2030, em seis anos a participação do setor no PIB saudita deve saltar dos atuais 3% para 10%. E até 2032 pode chegar a 17,1%, o equivalente a quase US$ 170 bilhões, segundo o WTTC.
93 milhões de visitas
A Arábia Saudita só liberou as viagens internacionais de lazer em 2019. Até então, era permitida a entrada de, basicamente, dois grupos de turistas: viajantes de negócios e peregrinos religiosos, rumo às cidades de Meca e Medina.
Hoje, vistos eletrônicos são concedidos na chegada ao país para passageiros de quase 50 nacionalidades (os brasileiros estão entre eles).
Desde a abertura até agora, o governo saudita comemora ter chegado à marca de 100 milhões de visitas. Uma surpresa até para as autoridades – a previsão era chegar a essa quantidade somente em 2030.
Os números são grandiosos, sem dúvida. Mas, sem uma análise mais criteriosa, podem passar a impressão de que o turismo na Arábia Saudita chegou a um patamar mais elevado do que aquele no qual o país realmente se encontra.
A quantidade de visitas nem sempre equivale ao montante de visitantes, como destaca a consultoria Euromonitor. E há de se considerar ainda: por enquanto, a imensa maioria das visitas é doméstica.
Diante das novas estatísticas, o Ministério do Turismo, por orientação do príncipe herdeiro, atualizou suas metas. O objetivo agora é chegar a 150 milhões de visitantes até o final desta década - 80 milhões domésticos e 70 milhões internacionais.
"Não livre"
Para atrair os estrangeiros, a ultraconservadora Arábia Saudita vem afrouxando algumas leis sociais, sobretudo para os turistas. As viajantes mulheres, por exemplo, estão liberadas do uso das abayas - os vestidos ou mantos, que cobrem o corpo, dos ombros aos pés, que são obrigatórios para as sauditas.
Elas estão autorizadas também a viajar sem a companhia de um homem (proibido às sauditas).
Apesar de alguns pequenos avanços nos últimos anos, sobretudo a partir de 2019, a Arábia Saudita é classificada pelos grupos de direitos humanos como uma das ditaduras mais violentas do planeta.
Além da segregação de gênero, a população saudita está sujeita a uma série de restrições – e punições severas. Lá, as execuções sumárias são frequentes.
“O regime depende da vigilância generalizada, da criminalização da dissidência, dos apelos ao sectarismo e da etnia e da despesa pública apoiada pelas receitas do petróleo para manter o poder”, lê-se no relatório Freedom in the World 2024, elaborado pela Freedom House, ONG responsável por medir a democracia nos países.
A entidade classifica a Arábia Saudita como uma nação “não livre”.
Um resort por semana
Nenhuma denúncia de violação à liberdade, porém, atrapalha os planos do governo saudita - tampouco os investimentos externos.
Só em 2023 foram lançadas ali 20 novas rotas aéreas. Até o final de 2024 serão mais dez, conectando o país à Europa. A presença de turistas europeus na Arábia Saudita cresceu 67%, no último ano.
As grandes marcas da hotelaria de luxo já estão no país. Em entrevista ao portal especializado Skift, Fahd Hamidaddin, CEO da Saudi Tourism Authority, diz que, a cada semana, um novo resort é inaugurado na Arábia Saudita. Um ritmo sem precedentes no mundo.
Os planos sauditas para o turismo são megalômanos. Além de incrementar pontos turísticos já estabelecidos, como tours por museus, visitas a mesquitas e passeios por desertos e oásis, o governo está criando novas atrações do zero.
Muitos complexos fazem parte do megaprojeto Neom, como destino sustentável e altamente tecnológico. Orçado em US$ 700 bilhões, fica nas fronteiras da Arábia Saudita com a Jordânia e o Egito.
Um dos lugares é a luxuosa ilha Sindalah, no Mar Vermelho. Com 840 mil metros quadrados, vai abrigar três resorts, 38 restaurantes e uma marina para uma centena de iates. Para 2028, é esperada a visita de 2,4 mil pessoas, por dia.
Já a futurista Qiddiya está projetada como um centro do entretenimento, dos esportes e da cultura. A partir de 2027, o Grande Prêmio de Fórmula 1 será transferido de Jeddah para o autódromo Speed Park, uma pista com 21 curvas e elevações da altura de um prédio de 20 andares.
Qiddiya também vai abrigar um parque de diversões da americana Six Flags. A empresa promete construir em terras sauditas a mais alta, mais longa e mais rápida montanha-russa do mundo.
Trojena, por sua vez , foca nos "esportes alpinos e de aventura". Com montanhas de 1,5 mil e 2,6 mil metros de altura, a futura estação de esqui sediará os Jogos Asiáticos de Inverno 2029.
US$ 25 milhões em publicidade
Além das atrações em Neom, o governo está construindo 22 ilhotas artificiais no Mar Vermelho ao estilo das Maldivas. Cinquenta resorts de luxo, abastecidos por energia eólica e solar, estão programados para o lugar.
Tem ainda o parque de diversões The Rig. O empreendimento está sendo erguido sobre plataformas de petróleo interligadas, perfazendo 150 mil metros quadrados.
Para apresentar as novidades e tentar convencer o mundo de que a monarquia saudita avança na proteção dos direitos humanos, o governo investe pesado em marketing, patrocinando a visita de jornalistas, influenciadores e agentes de viagem à Arábia Saudita.
Com custos declarados de US$ 25 milhões e batizada “Go Beyond What You Think” ("Vá além da sua imaginação", em tradução livre), a nova campanha tem o jogador argentino Lionel Messi como garoto propaganda.
Nenhuma publicidade, porém, seria mais contundente do que a notícia de um país verdadeiramente livre.