A Unicred, quarta maior instituição financeira cooperativa do Brasil, está prestes a receber o aval do Banco Central para atuar como DTVM. O modelo de “corretora light” é o mesmo utilizado por EQI e Monte Bravo. E será usado pela primeira vez com um sistema de cooperativismo.
Focada em profissionais da saúde como médicos, dentistas, psicólogos e enfermeiros, a Unicred tem mais de 300 mil cooperados e R$ 28 bilhões de ativos totais. O objetivo é deixar de ser a principal fonte de crédito dos cooperados para ser também a principal plataforma de investimento deles.
“Somos o principal parceiro do crédito dos nossos cooperados e a DTVM vem para preencher uma lacuna para também assessorá-los nos investimentos”, diz Remaclo Fischer Júnior, presidente da Unicred, em entrevista ao NeoFeed. “Iremos fazer isso de forma diferenciada, porque conhecemos melhor os cooperados que o restante do mercado.”
A ideia da Unicred de conceber a própria corretora foi a constatação de que os cooperados sacavam mensalmente suas reservas e ganhos do sistema para aplicar em bancos e corretoras. De acordo com uma pesquisa conduzida pela cooperativa, o perfil do público é de alta renda, mas com pouco conhecimento financeiro. Há um excesso de conservadorismo, com cerca de R$ 10 bilhões desses cooperados aplicados em uma conta poupança.
Ao contrário de Sicred e Sicoob, as maiores cooperativas com R$ 325 bilhões e R$ 298 bilhões em ativos, respectivamente, que têm sua própria plataforma de investimentos, mas apenas para vender seus produtos, a Unicred apostou no modelo de plataforma aberta para distribuir produtos de todo o mercado como uma intermediária do BTG Pactual (conforme previsto no modelo de corretora light).
O objetivo é ter uma vantagem competitiva e poder navegar nesse mercado gigante de cooperativas do Brasil, com mais de 700 instituições e cerca de R$ 670 bilhões em ativos. Só a carteira de crédito é de quase R$ 400 bilhões para mais de 19 milhões de cooperados, entre pessoas físicas e jurídicas.
Para isso, a corretora da Unicred terá uma marca diferente para facilitar a adesão de outras cooperativas, que poderão se plugar à plataforma. A apresentação dessa nova marca acontece em junho, quando a operação deve ter início.
“Esse é um mercado que exige escala e o cooperativismo é sobre ampliar as possibilidades para o sistema”, afirma Fischer Júnior, que diz ter conversas em andamento com outras cooperativas. Acordos devem ser anunciados em breve.
Diferenciais competitivos
Mesmo sem a adesão de outras cooperativas, a corretora da Unicred começa grande. São mais de 7 mil contas e cerca de R$ 1,5 bilhão sob custódia. A projeção é alcançar R$ 4 bilhões em dois anos.
A corretora terá o seu home broker para negociações de bolsa, como ações e fundos imobiliários, e também uma oferta de fundos de investimento e de produtos de renda fixa corporativo, além dos já usuais recibos de depósito bancário (RDB) da cooperativa.
Apesar da legislação que exige transparência dos custos de transação e remuneração pelas corretoras entrar em vigor apenas em novembro, a Unicred irá implantá-la desde a fundação. E com um detalhe: dentro do princípio sem fins lucrativos da cooperativa, todo o lucro gerado com as operações voltará para o sistema cooperativo. Dessa forma, quanto mais os cooperados usarem, mais receitas voltam.
A Unicred aposta que o diferencial competitivo é o relacionamento de mais de 34 anos com o cooperado. Além disso, a capilaridade pode ser um ponto favorável. São 350 pontos de atendimento espalhados no interior do País.
“No cooperativismo, o cliente é a própria instituição e os conhecemos como ninguém. Os profissionais de saúde são na maioria autônomos e empreendedores e possuem desafios em diferentes momentos da carreira, seja para investir em uma clínica ou para poupança de longo prazo”, afirma Patrícia Palomo, diretora-executiva da DTVM.
Dentro das possibilidades a serem exploradas estão o uso da custódia de investimentos como garantia de crédito na cooperativa. E, ao ganhar a principalidade do cliente, será possível crescer em outras frentes de negócios e dar mais robustez à cooperativa, que também oferece outros produtos financeiros como cartão de crédito e seguros.
A ideia de utilizar o modelo de corretora light é para deixar a operação mais leve, já que seria necessário um grande investimento em tecnologia e não haveria escala tão cedo para retornar os investimentos, que, no fim das contas, vem dos cooperados. Por isso, a escolha por terceirizar esse serviço com o BTG.
Competição no mercado
A entrada de uma nova corretora traz mais competição para um mercado que vem se consolidando entre os players independentes. A XP comprou a corretora Clear (2014), a corretora Rico (2016) e banco Modal (2022), consolidando-se como o maior player do mercado.
O próprio BTG, hoje a segunda maior corretora do País, fez uma uma série de M&As. Nessa lista estão Ourinvest DTVM, Necton, Fator e Empiricus/Vitreo, sendo a mais recente a compra da Órama no ano passado. E o terceiro player nesse mercado, o Safra, acelerou recentemente seu crescimento com a compra da Guide Investimentos neste ano - antes tinha adquirido a DTVM do Crédit Agricole no Brasil.
Esses movimentos já eram esperados, uma vez que a chave desse mercado é o ganho de escala. Mas a Unicred chega com uma proposta diferente e inédita por aqui: uma assessoria de nicho. No caso dela, focada para profissionais de saúde.
Nos Estados Unidos, o mercado equivalente ao de assessoria de investimentos no Brasil são os Registred Independent Advisors (RIA). Por lá, esse tipo de assessoria já está consolidada. Há escritórios voltados para o atendimento de advogados ou de médicos, por exemplo, não sendo aceitos outros clientes.
A lógica é que tanto a empresa do cliente como as suas finanças pessoais precisam de um especialista do mercado que o entenda de forma profunda para melhor orientar sobre as oportunidades.
"Acreditamos no poder do atendimento especializado porque somos frutos disso. E temos certeza que conseguiremos com o tempo o mesmo sucesso que temos com o crédito em investimentos para podermos atender nosso cooperado como um todo", afirma Palomo.
O cooperativismo no Brasil
O cooperativismo cresce mais que o restante do sistema financeiro. Segundo os últimos dados anuais disponíveis no Banco Central, que regula o sistema financeiro, em 2022, as cooperativas de crédito cresceram suas carteiras de crédito em 22,4%. Bancos, caixas econômicas e corretoras avançaram 14% no período.
E, desde 2011, o crescimento das cooperativas é superior ao restante do mercado. Em relação aos ativos totais, a diferença é ainda maior com um crescimento de 29,2%, enquanto o restante do sistema financeiro ficou em 9,9% em 2022.