A Renova Energia criou uma nova unidade de negócios neste momento em que o mundo discute a necessidade de mais energia elétrica para alimentar a revolução da inteligência artificial, ao mesmo tempo que o excesso de energia renovável tem gerado prejuízos bilionários às empresas por conta do curtailment, como são como são chamados os cortes de geração de eletricidade.
Enquanto países como os Estados Unidos consideram retomar usinas nucleares para suprir a demanda por energia, o Brasil tem condições únicas de liderar essa corrida com renováveis. "Necessariamente, implementar um data center de 100 a 150 Megawatt (MW) vai ter de ser com energia nova e renovável. E nós temos esse portfólio relevante para crescimento", diz Sergio Brasil, CEO da Renova Energia, ao NeoFeed.
O primeiro contrato assinado pela Renova será de 80 Megawatt (MW), o que representa quase 15% de toda a capacidade de processamento de dados instalada no Brasil neste momento, que gira em torno de 600 MW.
A expectativa é que a energia para data centers comece a ser fornecida até o fim do terceiro trimestre, com resultados financeiros esperados no balanço da empresa ao longo deste ano - Brasil não informou o guidance da operação.
A infraestrutura atual da empresa suporta uma expansão para até 400 MW, o que colocaria a Renova em posição de liderança no segmento.
O projeto representa um salto qualitativo para o setor de processamento de dados. Enquanto data centers tradicionais operam na faixa de 20 a 25 MW, projetos para inteligência artificial podem chegar até 200 MW.
"Sou capaz de oferecer para o mercado um contrato grande no Nordeste. Não é preciso esperar a chegada de uma grande indústria na região [para consumir a energia gerada]", diz o CEO.
Além da crescente demanda de energia para o processamento de dados, a Renova encontrou uma solução para outro desafio do setor energético brasileiro: o desperdício de energia renovável por conta do curtailment.
O curtailment - quando geradores são obrigados a reduzir ou parar a produção por limitações da rede - é um dos principais problemas das renováveis no Brasil. De acordo com a consultoria Volt Robotics, as empresas tiveram uma perda de R$ 1,6 bilhão em 2024 em razão desses cortes.
E a região Nordeste, onde a Renova tem 7 Gigawatts de parques eólicos, é particularmente afetada por ter muita geração e pouco consumo de energia elétrica.
"A região só tem injeção de energia [no sistema]. Agora, você passa a ter ali um ponto de consumo relevante também. Então, melhora não só o nosso curtailment, mas beneficia a região como um todo", diz o CEO da Renova.
Para mexer nesse interruptor, a empresa decidiu direcionar a sua energia comercial (além da gerada) para os data centers. O Brasil está próximo de anunciar o marco legal dos data centers, um novo mercado que prevê investimentos de R$ 2 trilhões em 10 anos de acordo com o governo federal.
Caminho legal
A nova unidade de negócios da Renova, que pode transformar sua operação, foi lançada após uma autorização inédita do Ministério de Minas e Energia (MME) para conectar data centers diretamente aos seus parques eólicos no Nordeste.
A empresa demonstrou que sua configuração específica dispensava análise técnica mais profunda, obtendo aprovação direta para o parecer de acesso. Esse pioneirismo regulatório excluiu a necessidade de portaria ministerial, um processo que costuma levar entre 12 e 14 meses.
A solução funciona como uma autoprodução. Os data centers se conectam diretamente às subestações dos parques eólicos, consumindo energia local e puxando da rede apenas nos momentos de intermitência - isso exige autorização de consumo, mas não as complexas aprovações tradicionais para novos empreendimentos.

A estratégia de data centers marca o renascimento da Renova após um período conturbado. A empresa, que foi pioneira das renováveis no Brasil, entrou em recuperação judicial em 2020 com dívida de R$ 3,5 bilhões.
Em maio de 2022, a gestora Vested Capital, de Sérgio Brasil e Geoffrey David Cleaver, que é o presidente do conselho de administração, adquiriu a participação da Cemig na Renova. Atualmente, ela faz parte do bloco de controle, que detém 70% do total de ações.
"Conhecemos o potencial da companhia. A tese de renováveis é um negócio que, tirando esses momentos ruins, não existe um país como o Brasil em termos de potencial renovável", diz o CEO da companhia.
O plano de recuperação da Renova foi cumprido integralmente, incluindo a finalização do complexo Alto Sertão (432 MW) em dezembro de 2022. A empresa saiu da recuperação judicial em fevereiro de 2024 com dívida bancária reduzida para R$ 650 milhões - uma redução de mais de 80%.
Os data centers não representam uma "pivotagem" da Renova, mas indicam o caminho para a formação de novas receitas. A empresa continuará focada em seu DNA de geração de energia renovável, mas agora também oferecerá infraestrutura elétrica para processamento de dados.
"Não fazemos o processamento. Somos responsáveis pela infraestrutura, com as nossas subestações, e pela parte elétrica", diz Brasil.
A empresa vê oportunidade de oferecer serviços similares para terceiros, criando uma espécie de "energy as a service" que pode acelerar a implementação de data centers por todo o Nordeste.
Com 41,4% das ações preferenciais RNEW4 em livre circulação, o papel acumula queda de 55,3% no ano. O valor de mercado da companhia é de R$ 243 milhões.