Nos últimos anos, o mercado financeiro assistiu a uma guerra de storytelling onde apenas uma versão triunfava. De um lado, a disruptiva XP Inc. dizendo que os bancos nunca se preocuparam, de fato, com os clientes, e que ela, sim, era uma empresa que pensava nos investidores e estava ali para democratizar os investimentos no Brasil.

De outro lado, os grandes bancos escutavam passivamente todos os ataques da XP. “Na prática, o discurso é o de que os gerentes de banco ‘são do mal’ e os agentes autônomos são ‘do bem’”, diz um profissional do mercado financeiro. É do jogo, cada um defende a sua posição. E, hoje, a XP se tornou uma empresa avaliada em US$ 24,9 bilhões (R$ 130,6 bilhões na cotação de 23 de junho).

O curioso nisso tudo é que esse valor de mercado representa metade do valor do Itaú Unibanco, que fechou em R$ 254,5 bilhões na terça-feira, 23 de junho. E mais curioso ainda é saber que o contra-ataque veio do próprio banco que detém 49% das ações da XP, fatia pela qual o banco pagou R$ 5,7 bilhões, em 2017, num movimento de proteção de mercado.

Na manhã desta quarta-feira, 24 de junho, o Itaú Unibanco lançou uma campanha publicitária em que parte para cima da XP. A propaganda, que divulga o novo posicionamento do Itaú Personnalité, critica o modelo de corretoras que investem em comissões para agentes autônomos para venderem produtos financeiros. Detalhe: a XP é a maior referência desse formato, com uma rede de mais de 7 mil assessores independentes.

Em um dos filmes da campanha estrelada pelo ator Marcos Veras, um cliente diz que, em 2019, a moda é ter conta em corretora e um assessor. “Ele insiste o tempo todo, investe nisso, investe naquilo. Não tem risco. Estou me sentindo o rei de Wall Street”.

O cliente aparece no quadro, um ano depois, dialogando com sua versão de um ano antes. “Aqui em 2020 deu pra ver que não tinha risco. Pra ele, né? Que ganhava comissão por tipo de investimento. Ainda bem que você deixou o dinheiro no Itaú Personnalité. São especialistas isentos. Aprendeu, rei de Wall Street?”

A campanha publicitária do Itaú Unibanco que detonou a guerra entre os sócios

O golpe foi sentido e a reação não tardou. “A campanha do Itaú só reforça que estamos no caminho certo. Para o maior banco do País, com mais de 90 anos de tradição, ir a público e ofender uma profissão tão fundamental para o desenvolvimento financeiro dos brasileiros, é porque realmente percebeu que não consegue mais competir colocando o cliente em primeiro lugar”, afirmou Guilherme Benchimol, cofundador e CEO da XP Inc., em texto divulgado nesta manhã, intitulado “Resposta aos ataques do Itaú”.

No posicionamento, Benchimol ressalta que a XP está há 20 anos lutando contra um sistema financeiro concentrado que nunca inovou e nunca se preocupou com o cliente. E acrescenta: “Tenho uma certeza: se tem algo que o banco não é, nem nunca foi, é ser feito para você.”

Nem Freud poderia explicar essa relação. É, praticamente, a versão do mercado financeiro para o filme Dormindo com o Inimigo, estrelado por Julia Roberts em 1991. Até porque a XP Inc. se beneficiou – e ainda se beneficia – muito da sociedade com o Itaú. Foi a chancela do banco que fez com que a empresa conquistasse novos investidores. E o banco não tem do que reclamar sob a perspectiva da valorização das ações que tem na XP.

Mas, como relatou o site Brazil Journal, até mesmo a alta cúpula do banco, como os co-presidentes do conselho de administração Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, disse, em um encontro anual de líderes do banco, que era “a hora de ir para o pau”.

“No dia a dia, os altos executivos do Itaú não suportam a XP”, diz um gestor com muito trânsito nas casas de investimento da Faria Lima. “Os melhores gerentes do banco pedem demissão para trabalhar na XP, tiram clientes deles e falam mal do banco”, afirma.

Procurado pelo NeoFeed, o Itaú Unibanco afirmou que a campanha busca ressaltar os atributos positivos do Personnalité, como a plataforma aberta de produtos financeiros e o modelo de incentivos que tem como foco uma visão de longo prazo, além dos resultados e satisfação para o cliente.

“O Itaú Unibanco acredita que ética independe de modelo e há bons profissionais em todas as configurações, seja um agente autônomo ou um gerente de banco. O Itaú Unibanco está sempre aberto ao debate transparente e honesto, e não é diferente desta vez.”

Desde a abertura de capital da XP, em dezembro de 2019, a empresa passou a ser constantemente atacada justamente por conta do formato propagado pela companhia. “Esse modelo mora em um conflito de interesses tremendo dado que esses agentes são remunerados pelas vendas de produtos. Então, quando você pensa na curadoria, na verdade, essa curadoria é a de quem paga o maior rebate para você e não quem tem o melhor produto”, afirmou Felipe Bottino, então CEO da Pi Investimentos, em entrevista concedida ao NeoFeed, em janeiro.

Dois meses depois, também em entrevista ao NeoFeed, Felipe Miranda, fundador e CEO da Empiricus Research reforçou às críticas ao modelo. “O problema na XP não é o que o agente ganha, é que ele ganha diferente em vários produtos. Ele recomenda o que ganha mais.”

Entretanto, o fato de as críticas agora virem de “dentro de casa” chama mais atenção. Especialmente pelo fato de o Itaú Unibanco deter quase metade da XP, somadas as ações ordinárias e preferenciais. Em termos do capital votante, a fatia do banco está em 30,1%.

Dentro do acordo firmado na época da aquisição e autorizado, um ano depois, pelo Banco Central, o Itaú Unibanco pode ampliar sua participação no negócio em 12,5% a partir de 2022, o que lhe daria 40% do capital votante da operação.

No curto prazo, no entanto, a troca de farpas trouxe reações também no mercado. Por volta das 15h, horário local de Brasília, as ações do Itaú Unibanco registravam uma queda de 4% na B3. Já os papéis da XP, negociados na Nasdaq, recuavam 9,1%.

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