É possível unir dados e criatividade? O empreendedor Gian Martinez acredita que sim. Mais: ele tem certeza que pode escalar essa ideia e levá-la para toda a indústria da publicidade num modelo de software as service (SaaS) capaz de processar bilhões vídeos em tempo real de plataformas como Facebook, Instagram, YouTube, Twitter e TikTok, ajudando a criar conteúdos relevantes.
Essa é a ideia básica por trás da Winnin, uma startup que une o marketing a tecnologia e que conseguiu atrair investidores improváveis. O primeiro foi a Coca-Cola, onde Martinez trabalhou por seis anos, que participou de uma rodada seed. Depois veio a ZX Ventures, braço de venture capital da gigante AB Inbev, dona da Ambev no Brasil, que entrou numa rodada série A.
Desde 2014, quando a startup foi fundada, Martinez levantou US$ 8 milhões. Entre os investidores estão também os fundadores da gestora independente carioca Dynamo, que participaram da rodada séria A como pessoas físicas. “Eu quero ser o Intel inside da indústria criativa”, disse Martinez ao NeoFeed.
Não se trata de uma missão fácil. Afinal, há anos a indústria da publicidade briga entre aqueles que advogam que os dados devem reger o processo criativo e os que defendem que não se deve colocar amarras à criatividade. É como se Don Draper, o gênio criativo da série Mad Men, não pudesse conviver com Sheldon Cooper, o nerd que protagonizava a comédia The Big Bang Theory.
A resposta de Martinez para esse dilema é o Winnin Insight, uma plataforma proprietária que usa inteligência artificial e que é capaz de mapear novas tendências emergentes de acordo com múltiplas variáveis, como setor, público-alvo e objetivo de negócios.
A plataforma, segundo Martinez, entrega insights e permite que marcas e agências ajam rapidamente para criar produtos, ações e estratégias que se conectem ao espírito do tempo e aos consumidores.
Ainda segundo o fundador da Winnin, a plataforma permite entender o que é relevante (quais os assuntos sua audiência está realmente interessada em engajar), como ser relevante (quais formatos e idiomas funcionam para cada público e em cada assunto) e com quem ser relevante (quais os creators, influenciadores e marcas que estão liderando).
Dito dessa forma, a plataforma parece o Santo Graal capaz de resolver todos os problemas de criatividade da publicidade mundial ou, segundo os críticos, uma “geradora Tabajara” de campanhas publicitárias.
“Existem dezenas de empresas como essa que atuam modelo SaaS”, diz Alexandre Marquesi, professor de consumer insights do curso de pós-graduação da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SP). “O pulo do gato é quem interpreta os dados e executa as ideias.”
Um CEO de uma grande agência de publicidade, que não quer se identificar, acrescenta que a publicidade digital gera uma infinidade de dados. E que a maioria deles é oriunda do Google e do Facebook ou dos sistemas operacionais para smartphones iOS, da Apple, e Android, do Google. “Só a Apple não vive de publicidade”, diz a fonte.
Ele acrescenta que essas empresas contam com milhares de cientistas de dados, que produzem dezenas de relatórios de tendências e com análises aos clientes. “Eu consigo acessar o Google e o Facebook e gerar qualquer tipo de informação que quiser”, afirma o executivo.
Martinez diz que, de fato, existem diversas ferramentas e softwares usados por equipes do departamento de marketing. “Mas não há uma solução focada em ajudar os criativos a desenvolverem coisas mais relevantes, melhor e mais rápido.”
O fato é que Winnin atraiu não só investidores de peso, como também conquistou algumas das maiores marcas do mundo. Além de Coca-Cola e AB Inbev, que são investidores e clientes, a startup atende todo o portfólio de marcas de chocolates da Nestlé e algumas marcas globais da Danone, como Activia e YoPro.
Seus outros públicos são grandes canais que criam conteúdos para o YouTube e empresas de mídia. A Winnin presta serviço também para agências de publicidade, como a Africa e a GUT.
“A plataforma tem uma quantidade imensa de dados”, afirma Valeria Barone, diretora-geral da GUT, agência que atende Skol, Mercado Livre, Domino's, entre outras marcas. “Além de avaliar os vídeos, conseguimos ver as comunidades e o que está emergindo como tendência de forma mais clara.”
Até o ano passado, as empresas teriam de comprar o serviço de consultoria da Winnin para usar a plataforma. Mas, desde o começo deste ano, a plataforma migrou para o modelo SaaS, com uma mensalidade a partir de R$ 8 mil. “A nossa proposta não é guardar esse segredo”, diz Martinez. “Queria tornar a plataforma acessível e que não fosse algo que só a Ambev poderia pagar.”
De acordo com Martinez, com esse modelo, a Winnin se torna “um negócio muito maior, mais escalável e que nos coloca numa rota de ser uma empresa global”. Hoje, 90% da receita da Winnin, que não é divulgada, são de clientes internacionais.
Todos os clientes são atendidos a partir do escritório do Rio de Janeiro, que conta com 70 funcionários. Aproximadamente 50% deles são desenvolvedores, 15%, cientistas de dados e 20% pertencem ao time de consultoria. Os 15% restantes são da parte administrativa e da área de operações, que acabou de ser criada. Até o fim do ano, a meta é ter 100 funcionários.
Na nuvem
Um exemplo de campanha criada pela plataforma da Winnin foi a da cerveja Budweiser durante a Copa do Mundo de Futebol, na Rússia, em 2018. A Winnin pesquisou nas principais plataformas sociais qual era os hábitos do público-alvo da cerveja.
Os dados da plataforma apontaram que os vídeos de reação eram uma coisa enorme entre o público pretendido pela cerveja. Foi assim que nasceu o #ReactionChallenge, que incentivava os consumidores a publicar vídeos de suas reações aos jogos da Copa do Mundo.
A plataforma também ajudou a selecionar 250 influenciadores em 17 países para convidar os fãs a postarem os vídeos. No Brasil, um vídeo do lateral Daniel Alves comemorando um gol da seleção brasileira ao lado de um balde de cerveja Budweiser teve quase 1,4 milhão de curtidas no Instagram e mais de 22 mil comentários.
Durante o torneio, foram mais de 200 milhões de views em vídeos desse tipo, o que fez da marca Budweiser a mais comentada durante a Copa, segundo a Winnin. “Nossa plataforma mostrou que haveria uma explosão desses vídeos. Apenas conectamos os pontos”, afirma Martinez.
Outro exemplo é o da cerveja Skol, da Ambev, que usa o humor para atrair o público jovem. A ferramenta da Winnin foi utilizada para mapear tendências, segundo as variáveis público-alvo e objetivos de negócio.
“Usamos a plataforma para analisar tipos de humor, os melhores influenciadores, humoristas e comunicadores neste segmento, gerando insights que mais tarde serão usados na estratégia da marca”, afirma Valeria Barone, da agência GUT.
Criatividade desde a infância
Martinez é um colombiano que viveu em diversos países até mudar-se para o Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, aos 17 anos. Seus pais eram donos de uma editora de livros chamada Crianças Criativas, cuja missão era desenvolver o potencial criativo das pessoas. O negócio familiar, no entanto, não deu certo.
Com 22 anos, ele foi trabalhar na Coca-Cola e, quando saiu da empresa, era diretor criativo da companhia no Brasil. Nesse período, ele participou do reposicionamento da marca no mundo e liderou iniciativas que ajudaram a companhia a ganhar mais de 60 prêmios globais de publicidade.
“Trouxe uma metodologia diferente para o processo criativo, que gerasse ideias que não estivessem presas a nenhum formato e tivesse capacidade de gerar conversas e cultura”, afirma Martinez
Quando deixou a Coca-Cola, Martinez já pensava em criar uma startup que empoderasse a criatividade com dados. E foi justamente a empresa com sede em Atlanta que ajudou o colombiano.
Ele participou de um programa criado pela Coca-Cola chamado de “Founders”, que investiu em diversas startups ao redor do mundo. E, em 2014, recebeu uma rodada seed, de valor não revelado, que ajudou na fundação da Winnin.