A combinação de fatores como o fechamento das portas do comércio e o home office fez com que os cliques, as vendas e as entregas do e-commerce tivessem um salto exponencial nos quase dois últimos anos de pandemia da Covid-19.

As avenidas abertas no período permanecem como um horizonte positivo. Mas outro pacote traz sérios entraves ao crescimento do setor. Esse é o contexto explorado em um relatório amplo divulgado nesta quarta-feira, 9 de fevereiro, pela XP que, ao mesmo tempo, apresenta um recorte sobre quatro ativos desse segmento.

No saldo dessa avaliação, os analistas da corretora têm recomendação neutra para os papéis do quarteto formado por Americanas, Magazine Luiza, Via e Enjoei. E rebaixam o preço-alvo das ações de todas essas empresas.

No caso da Americanas, a revisão parte de R$ 45 para R$ 40. Já o novo preço-alvo do Magazine Luiza é de R$ 12, contra a recomendação anterior de R$ 18. A Via saiu de R$ 10 para R$ 7, enquanto a Enjoei foi de R$ 7 para R$ 5.

A justificativa por trás dessas novas projeções encontra respostas no contexto macroeconômico, ou, como classificam os analistas, “o elefante na sala” para o setor. Ao menos no curto prazo.

Esse cenário inclui questões como a volatilidade e as incertezas no plano da política, em ano de eleições, e a curva ascendente da inflação e das taxas de juros, que ampliam a percepção de risco do Brasil e minam a confiança dos consumidores, bem como as perspectivas de crescimento do PIB no ano.

“Apesar de acreditarmos que a maior parte do ciclo de aperto monetário do Brasil deve estar próximo do fim, o dos Estados Unidos está apenas começando e os nomes de e-commerce podem ser mais impactados por serem casos de crescimento”, escrevem os analistas Danniela Eiger, Gustavo Senday e Thiago Suedt.

O trio faz uma ressalva: “No entanto, notamos que as ações caíram significativamente e podem estar perto do fundo, embora esperemos um melhor momento de resultados e maior visibilidade do cenário político brasileiro para ficarmos mais construtivos com o segmento.”

O relatório também destaca alguns gatilhos com o poder de reverter esse quadro negativo. Entre eles, a acomodação das taxas de juros, a demanda gerada pela Copa do Mundo e a perspectiva de um ambiente de concorrência mais racional.

Nessa última frente, os analistas ressaltam que diante da aceleração dos planos locais de players estrangeiros como Shopee, Alibaba e Shein, os nomes brasileiros do setor já ampliaram seus investimentos em áreas como marketing e fretes.

“Nesse sentido, as ações podem reagir positivamente se começarmos a ver sinais de racionalização do mercado por meio de taxas de comissão e/ou margens mais altas”, observa o trio da XP, que enxerga o Magazine Luiza e a Via como os ativos mais afetados por esse caldeirão macroeconômico, pelo fato de estarem mais expostos aos bens duráveis em suas operações.

Apesar de frisar que é difícil o Magazine Luiza escapar dos impactos nesse contexto, a XP destaca a estratégia de digitalização do varejo e o ecossistema em construção da empresa – o mais avançado do setor, na visão da corretora, com um pacote de serviços em áreas como publicidade, crédito e logística.

“A estratégia da empresa agora é usar a ampla gama de serviços, ofertas e categorias de produtos para alavancar a adoção do SuperApp e digitalizar ainda mais os varejistas brasileiros”, afirmam os analistas.

A análise da Via também passa por restrições e oportunidades. Especialmente a partir da fatia de 83% das classes C, D e E na base total de clientes do grupo e da participação similar desse público entre os consumidores online.

Se no curto prazo as pessoas dessa faixa de renda, tendem a sofrer mais os efeitos da economia, ao mesmo tempo, a XP enxerga um mar aberto e um grande potencial a ser capturado pela Via nesse universo, a partir de plataformas e ofertas como a conta digital BanQi, o crediário digital e a fintech de crédito Celer, comprada pelo grupo em 2021.

Já no caso da Americanas, o relatório ressalta dois pontos na estratégia da operação, que traduzem a intenção de se distanciar da disputa travada por Magazine Luiza e Via: o foco em conveniência e também as compras de supermercados.

Em conveniência, o destaque fica para a parceria firmada no início do mês com a Vibra Energia, para explorar lojas em postos de combustível, por meio das redes BR Mania e Local.

Na segunda área eleita como prioridade, a XP observa que, apesar dos desafios logísticos, a categoria de supermercados é a maior do varejo brasileiro e a mais promissora em termos de penetração digital, na esteira das mudanças de hábitos trazidas pela pandemia.

No que diz respeito ao brechó online Enjoei, os analistas observam que seguem otimistas com os fundamentos de longo prazo do mercado de segunda mão e que a companhia pode se beneficiar de questões como a digitalização da moda no País e da entrada no mercado de luxo, a partir da aquisição, em dezembro de 2021, da Gringa.

Entretanto, eles ressaltam que players asiáticos como a Shein podem representar uma ameaça à empresa, em função de apostarem em tíquetes médios mais baixos. Ao mesmo tempo, com a depreciação do seu valor de mercado, acreditam que a Enjoei possa ser alvo de empresas como a americana Poshmark e a uruguaia Vopero, dispostas a investir no mercado local de segunda mão.

Nesse sentido, a XP também entende que ainda há bastante espaço para fusões e aquisições no setor, especialmente como uma alternativa para o crescimento e o fortalecimento desses ecossistemas. “Uma vez que o Magazine Luiza e a Americanas possuem uma robusta posição de caixa, não esperamos que os movimentos de M&A desacelerem em 2022”, escrevem os analistas.

Para o Magazine Luiza, a perspectiva é de que a empresa siga completando seu quebra-cabeças em diversas áreas, de fintechs à geração de conteúdo e softwares para sellers. Na Americanas, logística, fintechs, publicidade seriam alguns possíveis alvos de uma estratégia inorgânica.